sexta-feira, outubro 28, 2011

Opinião: "Política e Comunicação - A comunicação com pensamento"

"No mundo da comunicação das empresas e instituições, pouco se pensa sobre os conceitos “política de comunicação”, “plano de comunicação” e “ações de comunicação”. Essa falta de reflexão sobre os aspectos estratégicos e táticos da comunicação empresarial - e suas influências - sobre a empresa e a sociedade tem entre suas causas principais o posicionamento, ainda reativo, imposto ao profissional desse campo da atividade organizacional pela administração, voltada apenas para a solução de questões e problemas cotidianos. Condicionado por essa prática do comando da empresa, na qual a comunicação é politicamente um elemento de reação ao ambiente e não um elemento do pensamento organizacional, também voltado a harmonizar a empresa com a sociedade e mercados, o comunicador reduz seu trabalho a operar mídias e transmitir mensagens oficiais, que interessam à administração, mas nem sempre fortalecem os relacionamentos públicos e a imagem organizacional. Essa condição operacional do comunicador organizacional tem também outra causa: a sua formação. As escolas de Relações Públicas, Jornalismo, Publicidade e Administração, entre outras, são marcadas por uma identidade construída a partir de uma visão mecanicista do trabalho, do trabalhador e da realidade social e organizacional. Esse olhar apreende a comunicação como um campo direcionado a reforçar as metas quantitativas da empresa, como se a empresa moderna não fosse um ente gerador de percepções no âmbito da sociedade. Nessa perspectiva reducionista do papel da comunicação empresarial, nenhuma atenção é dada aos processos mentais criadores, por exemplo, das políticas organizacionais.
Diante das complexas exigências que impactam as empresas na atualidade - entre elas, as mudanças no modo de produção e de gestão, inovação de produtos e serviços, questionamentos da sociedade acerca de empreendimentos, de processos industriais, de configuração de produtos, etc., a comunicação eficaz é aquela que é pensada e operada como um processo, no qual o comunicador não é mero informador, mas educador. Esse processo educacional se inicia no envolvimento do comunicador no exercício de pensar o futuro da organização na qual trabalha, passa pela aprendizagem dos integrantes da empresa, principalmente da alta direção, em relação à administração do simbólico organizacional e se completa nas reações dos públicos diante das mensagens da empresa. Não pode haver comunicação eficaz onde o comunicador não é considerado protagonista da história da organização. Nas empresas em que o comunicador é meio, a comunicação é confundida com informação, e com seus meios de transmissão e o comunicador dificilmente se ocupará de questões mentais: o debate acerca do ideário da empresa ou instituição, sua identidade e o seu destino. Com certeza, quando essas questões fizerem parte da pauta dos comunicadores, eles serão pensadores e gestores de políticas organizacionais e a comunicação se incorporará aos desenhos estratégicos como importante elemento de decisão. A questão é que, hoje, o administrador decide toda ordem de empreendimentos sem, normalmente, incorporar os elementos de comunicação como fator de peso em suas conclusões. Assim, muitas vezes, resta, tardiamente, ao comunicador, administrar as conseqüências de más decisões. Como se vê, tudo isso causa impactos práticos e faz com que a função da comunicação esteja desalinhada do rumo organizacional, o que significa operar ações de comunicação desvinculadas da política e/ou plano de comunicação. Situações como essa colocam permanentemente em xeque a efetividade das ações de comunicação, e fixam a sua imagem apenas na operacionalização do momento. Se o comunicador tem como horizonte apenas um ponto, sua ação estará, provavelmente, desalinhada dos rumos da organização. Afinal, o saber estratégico tradicional afirma que a ação estratégica é aquela que, a priori, é sempre contextualizada por fatores como o ambiente histórico, social, econômico, político e tecnológico, entre outros, e persegue uma direção. Clausewitz, por exemplo, define a estratégia como “a combinação entre si de vários combates isolados...”. Em outras palavras, a estratégia elabora o plano da guerra, delineia o rumo proposto para as várias campanhas que a compõem e prevê as batalhas a serem travadas em cada campanha. Podemos pensar, então, que a direção é o território da política, que norteia elementos como missão, visão e identidade organizacional que, por sua vez, dão sentido às ações, aos recursos e ao tempo.
Então, como conceituar políticas de comunicação?
É um desafio imposto ao comunicador organizacional. Ele deve assumir, entre as suas competências, a co-articulação da política organizacional e ter o poder, a decisão e os recursos da empresa ou instituição sob a sua égide. Isso por que, historicamente, a política e a comunicação guardam estreitas ligações, entendidas como atividades humanas voltadas para a estruturação, harmonização e a viabilização do espaço público. E isso não ocorre de outra maneira no espaço privado das empresas, no qual a comunicação, orientada por uma determinada política, é imprescindível para a compreensão e a viabilização de objetivos da organização. Assim, é impossível realizar ações, principalmente mudanças e inovações - que podem gerar controvérsias, resistências e conflitos - sem uma política de comunicação escrita e disseminada principalmente entre os gestores. As decisões de comunicação, compreendidas na política da empresa, são concebidas e aprovadas no nível de direção da empresa ou instituição e causam impactos na vida cotidiana da organização. Por isso, é no âmbito da direção que o comunicador deve estar para que o planejamento e as suas ações estejam alinhados à estratégia organizacional. São os dirigentes, entre eles o comunicador, que conceituam os valores, a missão e a visão organizacional, além de determinar ordenamentos sobre o funcionamento do empreendimento. Essa direção tem sempre como desafio a comunicação ou a imposição dessa política organizacional para a sociedade e para os seus públicos. Na produção das políticas de comunicação, a organização deve expressar seus valores e suas crenças acerca de suas mensagens, direcionadas à sociedade. Entre os valores de suas mensagens, a organização pode optar entre transparência e opacidade, pro atividade e reatividade, distância e conveniência, padronização e diversidade, entre morosidade e velocidade. Essa decisão emana do comando organizacional, provoca percepções no ambiente dos públicos, e indica que não existe política de comunicação efetiva, construída fora dos territórios da alta direção. É a essência estratégica que determina a abrangência dos conteúdos estabelecidos pela política e a sua perenidade, assentados, geralmente, no longo prazo. Os ordenamentos e posicionamentos previstos na política de comunicação orientam os planos de comunicação, voltados para o momento de cada organização. O plano de comunicação estrutura as ações concretas e, para que elas existam, estabelece recursos materiais, define quem operará as ações, estabelece prazos, processos, conteúdos, ferramentas de comunicação e de relacionamento. É a essência tática, por exemplo, que determina o alcance das ações assentadas no médio e no curto prazo.
A comunicação da política
Os atos da política e da comunicação são atos da gestão. Vale recorrer a Bobbio (1992, p.954) para entender a abrangência da política e, nela, o papel da comunicação. Para ele, entre as coisas da política estão “atos como o ordenar ou proibir alguma coisa com efeitos vinculadores para todos os membros de um determinado grupo social, o exercício de um domínio exclusivo sobre um determinado território, o legislar através de normas válidas erga omnes, o tirar e transferir recursos de um setor da sociedade para outros, etc.”. Como se pode inferir do conceito expresso por Bobbio, os atos da política têm bom ou mau curso junto à sociedade, à organização, ao grupo e ao indivíduo, conforme a qualidade da comunicação de quem determina e empreende a ação. A partir disso pode-se estudar a política organizacional como um campo constituído pelo regime (legítimo ou ilegítimo) de administrar e pela forma de comunicar à sociedade as questões das empresas e instituições. Em um regime legítimo, como a democracia, a organização e sua administração só são viabilizadas quando se comunicam com seus integrantes. E, mais do que isso, quando geram, no seu ambiente e na sociedade, a cooperação e o comprometimento em relação às suas questões. O contrário disso é o controle da estrutura e das pessoas e a viabilização das metas do Estado e da organização pelo uso da força1, pela punição ou coerção. A respeito dos meios de controle de que as organizações dispõem, vale lembrar a definição de Estado de Max Weber, que nos lembra que só essa instituição tem o monopólio legitimo da coerção física, com o objetivo do cumprimento das leis: “Por Estado se há de entender uma empresa institucional de caráter político onde o aparelho administrativo leva avante, em certa medida e com êxito, a pretensão de monopólio da legitima coerção física, com vistas ao cumprimento das leis”.
A utilização de uma arma, um chicote ou uma prisão é física, pois atinge o corpo; a ameaça de usar sansões físicas é considerada física, porque a conseqüência no sujeito é semelhante, em espécie, senão em intensidade, à utilização real. O controle baseado na aplicação dos meios físicos é considerado como poder coercitivo. As recompensas materiais consistem em bens e serviços. A concessão de símbolos (por exemplo: dinheiro) que permitem adquirir bens e serviços é classificada como material, porque o resultado para quem recebe é semelhante ao de meios materiais. A utilização de meios materiais com a finalidade de controle constitui o poder utilitário. Os símbolos puros são aqueles cuja utilização não constitui ameaça física ou possibilidades de recompensas materiais. Entre eles há símbolos normativos, os de prestigio e estima; símbolos sociais, os de amor e aceitação. Quando se utiliza o contato físico para simbolizar o amor, ou se utiliza os objetos materiais para simbolizar prestigio, esses contatos ou objetos são considerados símbolos, porque a sua influência em quem os recebe é semelhante à de símbolos “puros”. A utilização de símbolos com a finalidade de controle é denominada poder normativo, normativo social ou social”.
O poder da linguagem
A linguagem cotidiana também traduz a ligação entre política, poder e comunicação em inúmeras expressões como “poder político” e “poder comunicacional”. De tal forma que podemos afirmar: para conquistar (engajar) ou subjugar alguém para os valores, crenças e tecnologias organizacionais, é preciso que exista “poder do homem sobre outro homem”. Etzioni (1981, p. 95- 96) ainda faz considerações sobre a eficácia dos meios de controle organizacionais, que nos dão a convicção de que só as formas simbólicas de controle, entre elas a comunicação, podem conquistar a legitimidade diante da sociedade e dos mercados: “o poder normativo tende a provocar mais compromisso que o utilitário, o utilitário mais que o coercitivo. Em outras palavras, a aplicação de meios simbólicos e controle tende a convencer as pessoas; a de meios materiais, a criar interesses ego-orientados para o conformismo; o emprego de meios físicos, a forçá-las a obedecer”. Na sociedade moderna, a forma como a gestão exerce seu poder sobre aqueles que integram a organização é tema de grande interesse para os públicos organizacionais, entre eles: imprensa, consumidores, autoridades, sindicatos, comunidades e organizações não-governamentais. Nesse contexto, as organizações que seguem políticas ilegítimas, inclusive as de comunicação, sob o ponto de vista dos inúmeros públicos têm os seus objetivos e movimentos contestados. O que nos leva a lembrar a visão de Aristóteles sobre o tema da política. Na visão aristotélica, a práxis política viabiliza a cidade como o local dos homens livres. A cidade justa abriga o cidadão. Sem a existência da política, o que existe é a barbárie ou o predomínio da força, a ditadura. Assim, para Aristóteles, os homens são seres construídos pelo diálogo, pela fala e pelo pensamento. É graças a esses “seres de comunicação” que a sociedade se estrutura. A visão aristotélica traz contribuições que nos levam a pensar o universo organizacional também como campo no qual a política pode ser pensada e operacionalizada e cujo objetivo é o bem comum e a comunicação, um valor que fortalece a democracia e os relacionamentos da empresa ou instituição com um universo muito além dos acionistas
” (texto de Paul Nasssar, com a devida vénia)

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