sábado, março 26, 2011

Opinião: "As verdadeiras vítimas da crise: os jovens e os desempregados"

"Se os que não têm trabalho tivessem esperança de o arranjar, as coisas não seriam terríveis, mas quando os que têm emprego não receiam perdê-lo, a situação dos outros é desesperada. Mais de três anos depois de termos entrado no pior período de estagnação desde os anos 30, aconteceu uma coisa estranha e perturbadora no nosso discurso político: Washington perdeu o interesse pelos desempregados.
De vez em quando fala-se de emprego - e há meia dúzia de figuras políticas, em particular Nancy Pelosi, na altura líder democrata do Congresso, que continuam a tentar fazer alguma coisa nesta matéria. Apesar disso, o Congresso não aprovou quaisquer medidas com o objectivo de criar emprego, a Casa Branca também não apresentou planos com esse fim e a política de maneira geral parece concentrada em reduzir a despesa. Assim, um sexto dos trabalhadores americanos - todos os que não conseguem arranjar emprego ou se vêem obrigados a contentar-se com trabalhos a tempo parcial quando o que queriam era empregos a tempo inteiro - acabaram na realidade por desistir. As coisas não seriam terríveis se os que estão nesta situação tivessem esperança de arranjar trabalho a curto prazo, mas a verdade é que o desemprego se transformou numa ratoeira de que é difícil escapar. Há quase cinco vezes mais trabalhadores desempregados que ofertas de emprego; em média, cada desempregado está sem trabalho há 37 semanas, um recorde desde a Segunda Guerra Mundial. E porque é que Washington não quer saber disto? Parte da resposta pode ser que, enquanto os que estão desempregados tendem a continuar desempregados, os que ainda têm emprego sentem-se mais seguros que há um ano ou dois. Os layoffs e os despedimentos colectivos dispararam durante a crise de 2008-2009, mas depois caíram de forma drástica, o que talvez faça o assunto parecer menos premente. Ponhamos as coisas assim: neste momento, a economia norte-americana sofre com um baixo nível de contratações, e não alto de despedimentos, por isso as coisas não parecem assim tão más - desde que não nos ralemos com os desempregados.
Acontece que as sondagens mostram que os eleitores continuam muito mais preocupados com o emprego que com o défice, o que torna ainda mais surpreendente que nos corredores do poder aconteça o contrário. Mas o que torna tudo isto realmente extraordinário é que os argumentos usados para justificar a obsessão com o défice têm sido sucessivamente desmentidos pela experiência. Por um lado, somos avisados ininterruptamente de que os mercados se vão voltar vingativamente contra os EUA a não ser que cortemos a despesa de forma drástica e imediata. Contudo, os juros mantêm-se em mínimos históricos; na realidade, estão mais baixos que na Primavera de 2009, altura em que os avisos começaram.
Por outro lado, foi-nos assegurado que a redução dos custos faria maravilhas pela confiança dos investidores. No entanto, nada disso aconteceu nos países que adoptaram políticas de austeridade. Em particular, quando o governo de Cameron, no Reino Unido, anunciou os cortes da despesa, em Maio de 2010, foi muito elogiado pelos falcões do défice americanos. No entanto, a confiança dos consumidores e do mercado no Reino Unido caiu a pique, e até agora não recuperou. Mesmo assim, a obsessão com a redução da despesa continua florescente - sem que a Casa Branca a ponha em causa. Continuo a não perceber porque é que a administração Obama aceitou com tanta facilidade a derrota nesta guerra de ideias, mas a verdade é que se rendeu quase sem luta. No início de 2009, John Boehner, actualmente o porta-voz do Congresso, foi objecto de troça justificada por ter afirmado que, uma vez que as famílias atravessavam dificuldades, a administração devia apertar o cinto. Isto é economia à maneira de Herbert Hoover, e está tão errada hoje como nos anos 30. No entanto, no discurso do estado da União de 2010, o presidente Barack Obama adoptou precisamente a mesma expressão, que desde então ainda não deixou de usar.
No princípio desta semana, o responsável pelo orçamento da Casa Branca declarou: "Existe consenso em relação à ideia de que é preciso reduzir a despesa", o que sugere que o único ponto a discutir com os republicanos é se será desejável cortar igualmente nos impostos.
Sendo assim, quem é que paga este consenso desafortunado? A massa cada vez maior de desempregados sem esperança de vir a arranjar emprego, claro. E os que estão pior são os desempregados jovens - algo que Peter Orszag deixou claro em 2009, altura em que era ele o responsável pelo orçamento da administração. Como observou, os jovens americanos que concluíram os estudos durante a grave recessão do início dos anos 80 nunca recuperaram desse mau começo. Se a duração média dos períodos de desemprego tiver algum valor indicativo, hoje é ainda mais difícil arranjar um primeiro emprego que em 1982 ou 1983.
Assim, a próxima vez que ouvir um republicano dizer que está preocupado com o défice porque se sente responsável pelo futuro dos filhos - ou, o que vai dar ao mesmo, a próxima vez que ouvir Obama falar de conquistar o futuro -, lembre-se que o problema dos jovens americanos não é o défice, mas a falta de emprego. Só que, como já vimos, Washington parece já não se ralar com nada disso. O que pergunto a mim mesmo é quando voltarão os nossos políticos a preocupar--se com os milhões de esquecidos da América
" (texto de opinião do Economista, Paul Krugman, Prémio Nobel 2008, publicado no The New York Times e transcrito hoje no Jornal I, com a minha devida vénia)

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