domingo, dezembro 05, 2010

Reportagem: "Madeira procura turistas para fugir à crise e relançar o sector"

"Há empresas da região que acumulam quebras de 45 por cento na facturação, despedimentos e muitas incertezas em relação ao futuro. Os labirintos do Reid"s, o mais antigo hotel da Madeira, são contadores de histórias. Já foram postos muitas vezes à prova desde que a unidade abriu, há 120 anos. Desta vez, o desafio promete causar danos às contas de 2010, um ano negro para o arquipélago, que, além da crise, tenta reconstruir o que perdeu com o temporal de Fevereiro, as cinzas vulcânicas e os fogos. Na única região do país onde o turismo insiste em não recuperar, há muitas empresas financeiramente desiludidas e receosas em relação ao futuro. O início do mês de Dezembro é tradicionalmente mau para a hotelaria madeirense, embora seja um destino conhecido pelo sol de Inverno. Mas este ano "está a ser especialmente fraco", disse Ulisses Marreiros, o primeiro português a assumir o cargo de director-geral do Reid"s. Os 163 quartos do hotel estão com uma ocupação de 16 por cento, apesar das tentativas para compensar a quebra nos mercados estrangeiros com turistas portugueses. O silêncio é sepulcral. Mesmo que o pico do Réveillon traga mais hóspedes, como é hábito, já nada há a fazer para salvar 2010. "Vamos acabar com uma quebra de 15 por cento na facturação, face ao ano passado", admitiu o gestor. O Reid"s tem hoje menos funcionários, foi obrigado a baixar os preços e a fazer investimentos controlados para atrair famílias e jovens, numa região onde impera o turismo sénior. Começou a recorrer mais aos fornecedores locais e a fazer campanhas exclusivas para os portugueses, com descontos que chegam aos 100 euros. Mesmo assim, o próximo ano continua a ser de incertezas. "Ninguém pode dizer, ao certo, se vai ser melhor ou pior. Estamos a analisar o futuro com muita cautela", explicou Ulisses Marreiros. A recuperação do hotel está muito dependente da forma como a própria Madeira se vai comportar em 2011. E influencia, por sua vez, muitos negócios que se geram em redor das unidades hoteleiras. Ricardo Ferreira é um dos empresários sujeitos às oscilações de hóspedes. É sócio de quatro espaços de restauração no arquipélago, dois situados junto a zonas de grande oferta hoteleira. "Quando os hotéis não têm pessoas, os restaurantes não têm clientes", afirmou. Este ano "vai ser difícil" e "muito mais dependente dos locais do que dos estrangeiros", explicou. São esperadas quebras nas vendas, compensadas, em parte, por um emagrecimento da estrutura e pela manutenção dos preços.
Em contraciclo
A Madeira começou mal o ano, tal como o resto do país. No entanto, ao contrário das restantes regiões, não conseguiu inverter as perdas dos primeiros meses de 2010. Em Setembro, voltou a ser a única excepção no retrato de recuperação do turismo nacional, apresentando uma quebra de 3,1 por cento nas dormidas e de 1,2 por cento nos proveitos hoteleiros, num mês em que os indicadores globais apontaram para subidas de 7,8 e 6,6 por cento, respectivamente. Nos aeroportos madeirenses (Funchal e Porto Santo) o comportamento tem sido idêntico. Enquanto a região regista um decréscimo de 4,8 por cento no número de passageiros, entre Janeiro e Setembro, as restantes infra-estruturas aeroportuárias nacionais subiram 7,5 por cento, em termos de tráfego aéreo. Analisando os mercados que mais turistas fazem chegar à região, não há, no acumulado dos nove primeiros meses de 2010, um único que escape à recessão. As maiores quebras nas estadias são lideradas por Espanha (34,3 por cento), Itália (23,3) e França (20,5). O Reino Unido, principal emissor, está a cair 5,4 por cento. É deste país que depende grande parte do negócio da Intervisa, a agência de viagens do grupo Pestana, que aponta para uma quebra de 45 por cento na facturação em 2010. "Perdemos muitos turistas, especialmente britânicos", explicou Gabriel Gonçalves, director regional da empresa. "Criou-se uma grande angústia no destino. 2010 foi um ano negro. Foi um acordar para o sector, que continua com baixas expectativas em relação ao próximo ano", admite.
Nas mãos da natureza
Situada no centro do Funchal, a Intervisa foi muito afectada pelo temporal de 20 de Fevereiro. Durante cinco meses, a agência de viagens esteve em instalações provisórias, fechou um dos estabelecimentos e dispensou nove pessoas. Ainda se sente o cheiro a lama, no piso inferior do escritório que resistiu à crise. Os clientes diminuíram e as margens de lucro também, fruto da pressão para baixar preços. "Mais cedo ou mais tarde, a curva descendente vai inverter", acredita Gabriel Gonçalves, que ainda tentava fazer contas aos prejuízos causados pelo temporal de Fevereiro, quando se deu a erupção de um vulcão na Islândia. Entre Maio e Abril deste ano, muitos voos na Europa foram cancelados por causa das nuvens de cinza, que, por questões de segurança, levaram à imposição de restrições ao tráfego aéreo. O arquipélago madeirense foi especialmente afectado, já que, à medida que se afastavam dos céus europeus, as partículas foram-se movimentando para a região. "Um dos nossos clientes tinha viagem marcada para Fevereiro e cancelou para Maio, por causa do temporal. Depois cancelou para Abril, por causa das cinzas. E acabou por desistir, porque apareceu a segunda vaga da nuvem", explicou o gestor. Os fenómenos naturais penalizaram, assim, uma região já fustigada pela conjuntura de económica, provocando o desequilíbrio a que hoje se assiste no turismo, entre a Madeira e o resto do país. Quando a nuvem se afastou, vieram os fogos do Verão e, agora, a região está em alerta vermelho, por causa das más condições meteorológicas. Factores alheios, mas adversos, para um destino que é vendido com base na promessa de bem-estar e amenidade climática.
Das empresas à política
As quebras na actividade turística têm gerado contestação política no arquipélago. Há cerca de um mês, a secretária regional do Turismo e Transportes, Conceição Estudante, foi ouvida numa audição parlamentar, requerida pelo CDS-PP. Numa conferência de imprensa realizada esta semana, durante o 36.º Congresso da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), que optou por reunir-se na Madeira para apoiar a recuperação do arquipélago, a governante fez um balanço negativo de 2010. "Haverá uma quebra de dez por cento no número de turistas que entram na Madeira", disse, acrescentando que, em termos de receitas, "no primeiro semestre desceram mais e houve alguma recuperação depois dos meses de Verão". Conceição Estudante sublinhou que "não há alternativa" à aposta em novos mercados, como a Europa do Leste, e que é preciso ter cuidado com as descidas de preços porque "afectam o destino no seu todo". Em 2011, o arquipélago vai contar com 16 milhões de euros para a promoção turística, retirados de um montante global de 50 milhões para o país. "Julgo que temos as ferramentas para poder trabalhar", rematou.
Já o secretário de Estado do Turismo, Bernardo Trindade, tem uma perspectiva diferente. Em entrevista ao PÚBLICO, afirmou que "é preciso que o Governo Regional da Madeira encare o turismo como uma prioridade", deixando transparecer algum desconforto em relação à forma como o sector tem sido gerido. "Este ano foi terrível para uma região em que mais de 30 por cento das empresas estão ligadas ao turismo. Temos apoiado [o arquipélago], desde a reconstrução até ao aumento das ligações aéreas. E estamos disponíveis para continuar a apoiar", assegurou. A recuperação da Madeira também vai ser determinante para o Casino do Funchal, cuja roleta continua a rodar, mas onde haverá uma quebra nas receitas. O administrador financeiro do grupo Pestana, dono do casino, espera que a casa feche com uma ligeira descida face a 2009, "entre um e dois por cento", e acredita que o casino resistirá porque não é muito influenciado pela conjuntura. "Temos a sorte de não estarmos muito dependentes da evolução da economia. É isso que nos deixa mais descansados em relação ao futuro", admitiu.
Entre 2004 e 2010, os gastos médios dos turistas na Madeira subiram de 90,3 para 100,5 euros por dia. À semelhança do que acontecia há seis anos, a alimentação e o alojamento são responsáveis pela maioria das despesas, notando-se um crescimento da procura por comércio e excursões. Continua, no entanto, a ser uma região dominada pelo turismo sénior. A média de idades dos visitantes é de 48,4 anos, o que, ainda assim, demonstra uma recuperação face aos anteriores valores (51,3), apurados no Estudo do Gasto Turístico, da Secretaria Regional de Turismo. Com base em 1663 inquéritos, no aeroporto da Madeira, confirmou-se que o continente e o Reino Unido estão muito próximos no ranking de principais emissores de turistas, representando 22,8 e 22,7 por cento da amostra, respectivamente. Seguem-se a Alemanha (16,8), a França (6,9) e a Holanda (4,4). A grande maioria (85 por cento) visitou o arquipélago em férias, movidos pelo contacto com a natureza (34 por cento), o sol e o mar (21 por cento) e a cultura (13 por cento). Numa escala de um a sete, a maioria dos factores analisados no estudo garantiu uma pontuação acima dos quatro valores. No entanto, houve áreas que ficaram aquém das expectativas, como as praias, os eventos culturais, a animação nocturna e o clima - neste caso, as críticas poderão estar relacionadas com o mau tempo de há um ano, "que provocou inclusivamente o encerramento do aeroporto e o cancelamento e atraso de vários voos", explica o estudo. Praticamente metade dos turistas já tinha visitado a Madeira e 22 por cento consideraram outros destinos antes de se decidirem pela região, nomeadamente as Canárias e o Norte de África. Os visitantes ficaram, em média, 8,42 noites, sendo que os continentais e os espanhóis são responsáveis pelas estadias mais curtas (respectivamente, 6,97 e 7,35 noites), por motivos de proximidade. Os hotéis de quatro ou cinco estrelas atraíram a maioria dos inquiridos (54 por cento), os apartamentos alugados foram responsáveis por seis por cento da amostra e quatro por cento dos visitantes ficaram em casa de familiares e amigos" (reportagem assinada pela jornalista do Público, Raquel Almeida Correia, com a devida vénia)

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