segunda-feira, dezembro 28, 2009

Como foi a discussão na generalidade da proposta de alteração da LFR (III)

Assembleia da República
Reunião Plenária de 11 de Dezembro de 2009
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luiz Fagundes Duarte.
O Sr. Luiz Fagundes Duarte (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, quando a Lei n.º 1/2007 (Lei de Finanças das Regiões Autónomas) veio reconhecer aquilo que a geografia desde sempre demonstrou, ou seja, que um arquipélago de nove ilhas tem nove ilhas, e um arquipélago de duas ilhas é um arquipélago de duas ilhas, assim estabelecendo as diferenças de tratamento que apenas os néscios não conseguem, porque não conseguem, não podem ou não querem ver, o Presidente do Governo Regional da Madeira, com a «elegância» que todos lhe reconhecemos, veio dizer que não tinha nada a ver com o dinheiro que ia para os Açores, desde que não o retirassem à Madeira...
Agora, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira apresenta a esta Assembleia uma proposta de alteração a esta lei que, na prática, vem fazer o contrário. Ou seja, a troco de um aumento considerável das transferências anuais para a Região Autónoma da Madeira, propõe-se uma lei que pode conduzir a uma substancial redução das transferências que se destinariam aos Açores e que rondam os 32 milhões de euros. Talvez a isto se chame defesa dos interesses da Madeira. Nós pensamos que deve ser tratado de maneira diferente aquilo que é diferente. O grande objectivo político da Lei das Finanças das Regiões Autónomas é garantir o regular apoio do Estado às duas regiões portuguesas insulares e ultraperiféricas no respeito pela diferenciação dos custos resultantes das suas características territoriais e do respectivo afastamento em relação ao território continental.
Tendo em conta que os dois arquipélagos têm uma população aproximada, mas que as nove ilhas dos Açores se estendem por uma área maior do que a do território continental, tendo em conta que a ilha mais longínqua e isolada dos Açores dista do continente três vezes mais do que a distância que separa o Funchal de Lisboa, e tendo em conta que à concentração de população numa só ilha, a Madeira, corresponde uma enorme dispersão por nove ilhas bastante afastadas entre si, justo seria que tal diferenciação tivesse, como tem na lei actual, e muito bem, uma correspondência numa diferenciação nos valores das transferências financeiras. Na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, o PS e o CDS-PP deram parecer negativo a esta proposta de lei, enquanto que o BE se absteve.
Também nesta votação o PSD/Açores votou favoravelmente e apresentou uma declaração de voto onde considera (e cito): «Que a garantia da não diminuição dos montantes reservados à Região Autónoma dos Açores, expressa no preâmbulo da proposta de lei, deve ficar considerada no seu articulado através de norma para o efeito.», norma essa que não existia e que agora vemos, felizmente, que foi aduzida nesse sentido e veremos como funciona. O Partido Socialista, que tem uma visão justa dos interesses nacionais, interesses esses que englobam os dos açorianos e dos madeirenses, e entendendo que o progresso de uma parte do território nacional não pode ser feito, na letra da lei, à custa de outras partes do mesmo território nacional, nem tão-pouco caucionar os desvarios despesistas de uma dessas regiões — a Madeira do governo PSD que não os madeirenses, note-se! —, não pode, sob o risco da ignomínia, dar o seu voto favorável a esta proposta de lei.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e do
Orçamento. O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento (Emanuel dos Santos): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostava de começar por sublinhar que a lei orgânica em vigor, a lei das finanças regionais, é uma lei justa e equilibrada.
Todavia, apesar de todos os esforços, apesar da invocação de todos os constitucionalistas de renome no nosso país, há dois anos que o PSD bem tenta — mas nunca passou sequer uma vírgula — equacionar a questão da inconstitucionalidade desta lei. Aliás, esta matéria foi sempre contestada, o PSD insistiu até à exaustão, nunca conseguiu prová-lo, levou esta lei ao Tribunal Constitucional, foi derrotado, mas mantém-se, mantém-se na defesa. Na defesa de quê? De princípios? Não! De não-princípios, porque esta lei veio consagrar princípios, nomeadamente o princípio da legalidade, o princípio da estabilidade das relações financeiras entre as regiões autónomas e o princípio da estabilidade orçamental, que alguns Srs. Deputados não gostam de ouvir, mas que é essencial, Srs. Deputados!
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Para quem apresentou dois orçamentos rectificados, isso é…
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — A estabilidade orçamental é indispensável, não só para o Orçamento do Estado mas também para o orçamento de todas as administrações públicas. É esse o conceito utilizado na União Europeia e nós não podemos esquecer esses princípios. Mas há também um outro princípio que esta lei veio reforçar: o princípio da solidariedade nacional, com base em critérios mais justos, porque, efectivamente, como já foi sublinhado nesta Casa, os critérios da nova lei são mais justos do que os anteriores, porque tratam de modo diferente o que é diferente, pois sete ilhas são diferentes de duas, a distância dos Açores ao continente é diferente, é maior do que a distância da Madeira ao continente... Bem, há outros critérios, mas os Srs. Deputados só falam num critério e isto demonstra, até, algum desconhecimento do artigo 37.º da lei que não usa o PIB per capita…
O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — O PIB também não é o verdadeiro!
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — … para fazer a distribuição entre as duas regiões dos chamados custos de insularidade. É apenas no artigo 38.º, que é o artigo que regula o fundo de coesão, que entra o critério, e muito justamente, do PIB per capita. Mas é esse o critério que é usado em todo o mundo, que é usado na União Europeia para distribuir os fundos de coesão a Portugal e aos países que deles beneficiam. Protestos de alguns Deputados do PSD. Então, como podemos contestar do ponto de vista técnico este critério? Bom, não devíamos fazê-lo, porque esse é um critério universal. Além disso, foi consagrado um princípio de salvaguarda deste fundo para a Região Autónoma da Madeira. É certo e é justo que isso tivesse sido acautelado para não retirar abruptamente o fundo de coesão à Região Autónoma da Madeira e por isso foi previsto um período de transição em que a Região Autónoma da Madeira continuaria a receber parcialmente esse fundo de coesão. Sobre este ponto é muito importante sublinhar que a proposta do PSD…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não é do PSD!
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — … não respeita este princípio do fundo de coesão. Ou seja, a proposta do PSD…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não é do PSD!
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — … o que é que diz? Diz que vamos consagrar ad aeternum 35% do fundo de coesão, independentemente do índice de desenvolvimento da região. Mas os fundos de coesão existem para que os países, as regiões, se desenvolvam e quando atingirem o nível de desenvolvimento dos países que concedem esses fundos, então, nessa altura, não faz sentido manter o fundo, porque o fundo é para desenvolver as regiões e não para consagrar situações de indisciplina financeira como é o caso da Região Autónoma da Madeira. Por estas razões, Srs. Deputados, acho a lei que está em vigor, é uma lei justa, é uma lei equilibrada, é uma lei baseada nos princípios ao contrário da proposta que agora é apresentada pelo PSD…
Protestos do PSD
… que é um regresso à indisciplina, à ausência de princípios. Reparem, por exemplo, no que diz outra das normas propostas — e que, aliás, já foi referida pelo Sr. Deputado Luís Fazenda: que sentido faz que as multas, que esta Casa deveria aplicar à Região Autónoma da Madeira…
O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Esta Casa não aplica multas!...
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — … por excesso de endividamento, reverterem a favor do próprio infractor? Isto faz sentido?! Outra medida que está proposta pelo PSD: faz sentido que o Orçamento do Estado assuma a irresponsabilidade financeira da Madeira ao consagrar que cabe ao Estado assumir as dívidas, como no passado, da Região Autónoma da Madeira? Isso faz sentido?! No Tratado da União Europeia existe um princípio, que é o do no bailout, segundo o qual qualquer Estado da União Europeia não pode assumir dívidas de outro Estado. Este princípio está consagrado na nova lei e não estava na anterior e é um princípio justo e indutor da disciplina financeira bastante necessária. Podia continuar a citar exemplos constantes desta proposta, que é, pura e simplesmente, um regresso à indisciplina financeira na Região Autónoma da Madeira, mas gostava de rebater tecnicamente um ponto que foi aqui levantado. Parece legítimo ou será legítimo consagrar na lei das finanças regionais que a Região Autónoma da Madeira se pode endividar nos mesmos limites de endividamento do Estado português? Ou ter um défice em percentagem do PIB na mesma percentagem? O Sr. Ministro das Finanças já explicou por que é que essa pretensão é completamente infundada, e isto porquê? A Região Autónoma da Madeira recebe os principais impostos cobrados na Madeira: 100% de IRS, 100% do IVA e recebe justamente — e isso é que reforça a solidariedade nacional — uma transferência do Orçamento do Estado português. É por isso que eu acho que não assiste o direito à Região Autónoma da Madeira de pretender comparar o défice ou o limite de endividamento do Estado português com o limite de endividamento da Madeira, além de que, como foi referido, despesas com pensões…
O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — Mas os madeirenses também descontam para a segurança
social!
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — … despesas com administração da justiça, despesas com a segurança interna da região, despesas com a defesa nacional,…
O Sr. José Manuel Rodrigues (CDS-PP): — Mas os madeirenses também são contribuintes!
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento: — O Sr. Deputado do CDS que não para de barafustar, não sei porquê…
Protestos do CDS-PP.
Os Deputados do CDS-PP, que estão sempre a pedir mais reforços para a defesa nacional, esquecem-se de que 100% da despesa com a defesa nacional da Região Autónoma da Madeira é suportada pelo Orçamento de Estado.

Sem comentários: