domingo, setembro 20, 2009

Escândalos da Democracia: Cunha Rodrigues escutado na Procuradoria

"Cunha Rodrigues há muito que desconfia dos ruídos que ouve no auscultador do seu telefone. O procurador-geral da República pega no aparelho e ouve de imediato outras pessoas a falar, sem que tenha sequer marcado qualquer número. As chamadas que recebe por engano ultrapassam os limites da paciência. Num desses telefonemas, Cunha Rodrigues ouve uma referência à Procuradoria-Geral da República e resolve chamar os peritos da Polícia Judiciária. Que descobrem, entre a secretária do procurador e a parede, 30 centímetros debaixo de um ripa de madeira do chão, um microfone no meio de um emaranhado de fios. Foi a 14 de Abril de 1994.Mais tarde, a Judiciária viria a saber que a escuta descoberta tinha sido colocada para obter informações sobre um processo de facturas falsas, conhecido como caso Partex. Instalado por um "técnico de telecomunicações", cuja mulher e sogro eram suspeitos no processo de fraude, o microfone tinha como objectivo chegar às informações do Ministério sobre o caso que envolvia também José Alfaia, antigo secretário de Estado do governo de Pinto Balsemão. Quando o Independente avança com a história, o escândalo assume proporções nacionais. A investigação da PJ avança a ritmo lento, consumindo milhares de euros. Qualquer pessoa com acesso à Procuradoria é interrogada. Alguns agentes deslocam-se à Alemanha para realizar uma perícia minuciosa ao microfone encontrado no escritório de Cunha Rodrigues. Enquanto duram as escutas, o procurador recebe os magistrados ligados ao processo. Cunha Rodrigues acaba por revelar à PJ que, por vezes, surgem notícias na comunicação social acerca de temas discutidos dentro das paredes do seu gabinete. Durante três anos, as conversas do procurador são escutadas a quilómetros de distância, apesar de nunca se ter descoberto para que local estava o emissor a transmitir. No início do caso, suspeita-se que a escuta é instalada por motivos políticos. A investigação permite, depois, chegar a um trabalhador de uma empresa de telecomunicações que instalara outros equipamentos na Procuradoria. Especialista em mecanismos de escuta, no início do interrogatório o suspeito defende-se dizendo que o microfone deveria ter saltado de um rádio que foi atirado contra a parede por outro colega.Mas a Polícia Judiciária acaba por chegar à conclusão de que o microfone foi instalado em Setembro de 1991 e desactivado a 8 de Abril de 1994. O microfone encontrado sob o soalho terá caído quando foi arrancado do cabo de telefone a que estava ligado. Segundo a PJ, bastavam cerca de 15 segundos para retirar o cabo. E teria sido isso que o trabalhador da empresa de telecomunicações foi fazer à Procuradoria no dia 8 de Abril.As escutas da PJ ao suspeito e a familiares seus revelaram conversas comprometedoras, nomeadamente as do sogro. No fim das investigações é este o homem que surge como o principal suspeito de um processo de falsificação de facturas utilizadas por empresas para burlar a Partex, o Fundo Social Europeu e a Caixa Económica Açoriana. A longa vida judicial deste processo extingue-se por força da prescrição já no ano de 2001. Mas só em 2004 o Jornal de Notícias noticia que o processo das escutas tinha sido enterrado em Maio de 2001 depois de chegar à fase de instrução, com todos os crimes a serem abrangidos pela lei da amnistia e sem que um único arguido tenha sido levado a julgamento. Do escândalo das escutas às conversas do então procurador-geral da República, Cunha Rodrigues, restam dez volumes depositados em arquivo nos Juízos Criminais de Lisboa. À espera de serem destruídos" (pelo jornalista Nuno Aguiar do Jornal I)

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