sexta-feira, fevereiro 24, 2023

Da energia aos alimentos, guerra esvaziou carteiras

 

A 24 de fevereiro de 2022, com a invasão russa da Ucrânia, os desafios que já se verificavam adensaram-se e as consequências rapidamente se fizeram sentir na carteira dos portugueses. Um ano mais tarde, o custo de vida está exponencialmente mais alto, com efeitos óbvios na energia, alimentação e habitação. "E o que vamos ter nos próximos meses na Europa continua a ser um cenário de grande incerteza", avisa Fernando Alexandre, doutorado em Economia e professor na Universidade do Minho.

Um dos temas é o aumento da fatura energética, com efeitos diretos, como a subida do valor de combustíveis e gás, e indiretos, com o incremento a chegar aos bens cuja produção e transporte dependam do petróleo, gás ou carvão. Quase tudo foi afetado pela crise energética. Só em 2021, as exportações energéticas da Rússia com destino à UE terão rendido cerca de 400 mil milhões de euros. "A inflação sentiu-se em toda a Europa e não tem só a guerra como causa, era anterior. Foi acelerada com o choque energético e nos bens alimentares", diz o economista.

Dependência energética

A necessidade de reduzir a dependência energética dos russos levou a UE a criar, em maio de 2022, o programa REPowerEU, de forma a diversificar a origem destas importações. Em Portugal, apesar de o gás russo não ter um peso assinalável nas compras energéticas do país, o Governo criou, em parceria com Espanha, o mecanismo ibérico de controlo de preços da eletricidade para mitigar os efeitos na fatura dos consumidores. Segundo o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, a medida permitiu manter, de junho a dezembro, o preço máximo do gás para produção de eletricidade 20% abaixo do que seria expectável.

Portugal e Espanha já solicitaram a Bruxelas o prolongamento do mecanismo ibérico para lá de maio. A par das consequências energéticas, a guerra afetou o preço dos cereais, que também já vinha a crescer. Com os custos energéticos, estava feito o cocktail perfeito para o aumento dos produtos alimentares com impacto direto na inflação.

Súper mais caro

De acordo com o INE, outubro (10,1%) foi o mês em que se registou o valor de inflação mais alto desde maio de 1992. Na média do ano, a taxa fixou-se em 7,8%, igualmente um máximo. A Deco tem monitorizado o preço do cabaz alimentar básico, com 63 alimentos, desde o dia anterior ao início da guerra na Ucrânia. Se a 23 de fevereiro do ano passado esta lista de compras custava, em média, 183,63 euros, a 23 de fevereiro deste ano o consumidor precisava de 226,60 euros para adquirir os mesmos artigos.

"Não foi por acaso que o Governo teve, por diversas vezes, de vir apoiar as famílias, em especial as mais vulneráveis", aponta Natália Nunes, coordenadora da Deco. Também a prestação do crédito à habitação vai subindo à boleia do aumento das taxas de juro pelo BCE, que atingiu neste mês os 3% - valor mais alto desde a crise de 2008. E quem tem crédito à habitação tem visto subir a prestação paga ao banco. Nesta quarta-feira, a Euribor voltou a subir.

EFEITOS

Cabaz

O carrinho de supermercado tipo teve, num ano, um aumento de 43 euros, mostra a Deco. No simulador, isto traduz-se numa subida superior a 23% entre 23 de fevereiro de 2022 e o dia de ontem.

Apoios

Num ano de escalada de preços, o Governo mobilizou ajudas pontuais às famílias portuguesas. As mais significativas foram o vale de 125 euros atribuído a todas as pessoas com rendimentos brutos até 2700 euros, os 50 euros concedidos por filho menor e o bónus de meia pensão previsto para reformados com prestações mensais até 5300 euros, pagos em outubro.

Políticas direcionadas

O economista Fernando Alexandre frisa que a subida dos juros é "um fardo para as famílias, as empresas e o Estado" e defende "políticas direcionadas para proteger os mais vulneráveis", evitando subidas generalizadas dos rendimentos para não agravar a inflação.

Subida da Euribor

Natália Nunes sublinha a subida o efeito no crédito à habitação. "Se estivermos a falar de um crédito de 150 mil ou 200 mil euros, são aumentos muito significativos, de 200 ou 300 euros, na prestação". A especialista da Deco lembra que "todas as ajudas são bem-vindas", mas ressalva: não serão 720 euros de apoio máximo anual para a bonificação do crédito "que vão evitar o incumprimento" (Dinheiro Vivo, DN de Lisboa, texto do jornalista Francisco de Almeida Fernandes)

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