Em 1977 Soares pediu 2 milhões de
contos para combater o buraco nas contas externas. Mas desde 1975 que Portugal
bate à porta do FMI tendo pedido 12 operações de financiamento, desde 1975 até
ao resgate de 2011. Quando se fala de resgates a Portugal pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) inicia-se a história recordando o financiamento obtido em
1977 pelo primeiro governo de Mário Soares para combater o buraco nas contas
externas.
Em abril daquele ano, Medina Carreira,
ministro das Finanças, e Silva Lopes, governador do Banco de Portugal (BdP),
enviaram uma Carta de Intenções ao FMI em Washington pedindo um financiamento
ao abrigo de uma linha de crédito que, no dicionário do Fundo, se chama
stand-by agreement (SBA, no acrónimo em inglês). É um programa dirigido a
economias de rendimento médio que exige condições, metas a cumprir, para
receber o dinheiro. Foi o primeiro SBA a que Lisboa recorreu.
Portugal sacou, então, do Fundo 2 milhões de contos, na estimativa do Expresso, usando os câmbios da unidade monetária do FMI, o direito especial de saque (SDR, no acrónimo em inglês), para escudos referidos por José João Barreiros Pãozinho no seu trabalho de investigação sobre os SDR e o ÉCU no Sistema Monetário Internacional ("O Direito de Saque Especial e o ÉCU no Sistema Monetário Internacional", 1988). O conto valia mil escudos, que era a moeda portuguesa de então.
FMI FINANCIA IVº GOVERNO PROVISÓRIO DE
VASCO GONÇALVES
Em 1977, foi, de facto, o primeiro
empréstimo do género (stand-by), mas não foi a primeira vez que Lisboa bateu à
porta do Fundo em Washington. Os pedidos começaram antes. “Portugal, de facto,
recorreu ao FMI desde julho de 1975 e seguiu as políticas recomendadas desde
dezembro” daquele ano, chamam a atenção Luciano Amaral, Álvaro Ferreira da
Silva e Duncan Simpson, três académicos que estudaram a “longa intervenção” do
Fundo em Portugal.
Por mais estranho que pareça, a primeira vez que se foi bater à porta em Washington foi durante o IVº Governo Provisório, chefiado pelo ‘companheiro Vasco’, como era então chamado no cancioneiro popular revolucionário o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, um oficial militar ligado ao Partido Comunista. Em julho de 1975, o governador do BdP, Silva Lopes, pediu ao FMI quase 700 mil contos ao abrigo do uso da quota em ouro que o país tinha nos cofres do Fundo.
Uns meses mais tarde, já com Vasco
Gonçalves apeado, o VIº Governo Provisório pediu financiamentos de quase 2,5
milhões de contos com recurso à linha de crédito para colmatar o défice
energético na conta externa (conhecida pela designação de Oil Facility)
provocado pelo choque petrolífero e usando a quota em ouro pela segunda vez. O
VIº Governo Provisório, em sete meses, sacou do Fundo quase 6 milhões de
contos, através de várias linhas de crédito. Chefiado por um almirante,
Pinheiro de Azevedo, durou até Soares formar um governo minoritário no final de
julho de 1976, depois de ganhar as primeiras eleições legislativas após o 25 de
abril.
O ACORDO DE 1978 DE QUE NUNCA SE USOU
UM ESCUDO
Os dois governos de Soares, o segundo já em aliança com o CDS, recorreriam ao FMI quatro vezes. O acordo, que ficaria então mais famoso, seria o segundo stand-by (SBA) em junho de 1978, a menos de dois meses de Freitas do Amaral, o líder do parceiro de coligação, retirar o tapete a Soares. A particularidade deste acordo é que Portugal não usou nem um escudo do financiamento aprovado de mais de 3 milhões de contos. O segundo SBA serviu sobretudo como garantia prévia, como chancela do FMI, para o ‘grande empréstimo’ que acabaria por chegar, naquele ano, pela mão de um consórcio de países e entidades que queriam consolidar a democracia portuguesa, envolvendo 14 milhões de contos, de acordo com a listagem feita por Luciano Amaral e co-autores em “A Long International Monetary Fund Intervention; Portugal 1975-1979”. Alguns chamaram-lhe um ‘mini-Plano Marshall’ para Portugal.
Apesar da injeção de milhões, a economia
portuguesa viu agravarem-se os problemas estruturais nos anos seguintes,
durante os três curtos governos de iniciativa do presidente Ramalho Eanes e
depois com os governos da Aliança Democrática (PSD/CDS) até 1983.
A cobertura das importações pelas
exportações caiu de 62% em 1978 para 56% em 1982. A balança corrente e de
capital, de um excedente de 5,7 milhões de euros afundou-se com um défice
recorde de 1379 milhões de euros naquele período, segundo dados (convertidos em
euros) das Novas Séries Longas para a Economia Portuguesa do Instituto Nacional
de Estatística e do BdP publicadas em 2021.
Em maio de 1983, o FMI dizia que a
situação era alarmante, no relatório anual de análise do país ao abrigo do
artigo IV. Em junho, pouco antes de Mário Soares regressar à chefia do governo,
as reservas oficiais em moeda estrangeira cobriam menos de duas semanas de
importações.
O GRANDE ACORDO COM O FMI ANTES DA
ADESÃO À CEE
Quando o PS regressa ao poder um mês depois, em aliança com o PSD de Mota Pinto, o governo, batizado então de bloco central, tem de voltar a bater à porta do FMI face à herança que recebeu. A Carta de Intenções enviada, em outubro de 1983, por Ernâni Lopes, então na pasta das Finanças, e Jacinto Nunes, governador do banco central, leva à aprovação por Washington de um terceiro stand-by, agora com um financiamento volumoso, de que Portugal só usaria, depois, 58%. Foram sacados mais de 30 milhões de contos, o recorde até então nas idas ao FMI.
No ano seguinte, a mesma dupla, envia
nova carta pedindo a revisão do acordo. A revisão acaba por não ser feita e
Portugal opta pelo “abandono precoce” do programa, “evitando assim os custos
políticos de um ajustamento condicionado mais longo”, refere João Zorrinho na
sua investigação sobre as relações de Portugal com o FMI entre 1975 e 1985
("O Processo de Intervenção do FMI em Portugal: 1975-1985", 2018).
Os programas stand-by aplicados pelos governos de Soares acabariam por obter resultados positivos parciais. Em 1979 e em 1985, registou-se um excedente na balança corrente e de capital. Mas, se entre 1977 e 1979, a economia cresceu, em 1984 registou-se uma recessão e o PIB por habitante caiu quase 2%. Foi o último acordo stand-by realizado com o FMI antes da adesão à Comunidade Económica Europeia em 1986.
O RESGATE DE 2011
O recurso ao FMI viveu, depois, um
interregno de 27 anos, até que no segundo governo chefiado por José Sócrates
(PS), o défice orçamental chega a um máximo de 11,4% do Produto Interno Bruto
(PIB) e o juro de financiamento da dívida a 12 meses fica perto de 6% no último
leilão de obrigações realizado a 1 de abril de 2011.
O governo vê chumbado o PEC IV no
Parlamento e entra em gestão. É nessa condição que, ainda em abril, recorre a
um resgate junto de uma troika de credores oficiais, de que faz parte o FMI. A
troika é formada, além do FMI, pela Comissão Europeia e o Banco Central
Europeu. O financiamento veio da parte do FMI e de dois fundos europeus, o
Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilização
Financeira.
O FMI aprova, então, um programa de Financiamento Alargado (Extended Fund Facility, EFF, no acrónimo) que injetaria 28,7 mil milhões de euros, em valores finais em fevereiro de 2015, reportados pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP). A esmagadora maioria do empréstimo chegaria em força durante o governo PSD/CDS chefiado por Passos Coelho que tomara posse em julho de 2011, depois do PSD ter ficado em primeiro lugar nas eleições legislativas antecipadas de junho. A linha do FMI correspondeu a 36% dos 80,4 mil milhões do resgate global. Ao todo, desde 1975, o FMI aprovou 12 operações de financiamento a Portugal, uma delas - o stand-by de 1978 - sem que o país tenha usado sequer o dinheiro aprovado (Expresso, texto dos jornalistas Jorge Nascimento Rodrigues e Carlos Esteves)
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