segunda-feira, fevereiro 21, 2022

Forças Armadas. Afinal quantos militares há em Portugal? Da falta de rigor à conveniência política



O número de militares é diferente consoante a entidade que o regista, o que é contabilizado e o interesse em causa. Mas a Direção-Geral de Administração e Emprego Público contraria o Ministério da Defesa e confirma nova queda no efetivo das Forças Armadas. Quem perguntar quantos militares têm as nossas Forças Armadas ficará surpreendido com a diversidade de respostas que vai obter. Esse número varia conforme a entidade que o regista, o que é contabilizado e até diverge dentro de organismos do mesmo ministério. Também serve para sustentar versões politicamente convenientes.

Contas feitas a 31 de dezembro de 2021: para o Ministério da Defesa são 27 741; para a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) são 26 130; para a Pordata/INE são 26 600 e para o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) que junta Exército, Força Aérea e Marinha, são 23 347. Começando por este último, "o número que realmente interessa, que é o dos militares no ativo ao serviço dos ramos", como salienta a ex-coordenadora do PSD para a Defesa Nacional, Ana Miguel dos Santos, as Forças Armadas têm 23 347 militares, conforme o DN já tinha adiantado em janeiro, quando noticiou que o efetivo militar voltara a estar em queda - menos 400 que em 2020, ano em que se registou a única subida da década.

Em reação a essa notícia, o Ministério da Defesa Nacional contrapôs a existência de 27 741 militares, alegando que, ao contrário do que o DN escrevera, "este número representa um aumento de 1007 efetivos face ao ano de 2020, cujos dados consolidados registaram um total de 26 734 efetivos nesse ano, reforçando o aumento já verificado em 2019 (26 569 efetivos)".

Concluía o gabinete do ministro João Cravinho que "considerando este universo, os números disponíveis revelam um crescimento sustentado nos últimos três anos".

Apesar de afirmar que estes valores excluíam "os militares na situação de reserva fora da efetividade de serviço", o gabinete não explicou o que incluíam (por exemplo, se militares em formação, na reserva em serviço, civis, colocados noutros organismos), o que poderia justificar a discrepância, não obstante as várias insistências do DN para clarificar essas dúvidas.

Desta forma tentou dissipar as críticas ao atraso da execução do Plano de Ação para a Profissionalização do Serviço Militar, aprovado em 2019, com a maioria das medidas por implementar.

Sobe e desce sem justificação

Ainda assim, Cravinho tem a corroborar, parcialmente, a sua versão, as estatísticas da Pordata (Fundação Francisco Manuel dos Santos) que têm por base os números do Instituto Nacional de Estatísticas (INE).

Esta fonte regista 26 600 militares em 2021, mas com a particularidade de esse valor significar um aumento brutal de 5400 face aos 21 200 que indica para 2020.

Por outro lado, contradiz o "crescimento sustentado nos últimos três anos", invocado pelo gabinete do ministro, uma vez que, de acordo com as suas estatísticas houve uma diminuição de militares de 2019 para 2020 (menos 2200).

A ficha técnica do INE classifica como "profissões das Forças Armadas" todas as categorias e oficiais, sargentos e praças dos três ramos. Questionada a Pordata sobre o que estava incluído nestes números e a que motivo se podia atribuir a subida surpreendente em 2021 declarou desconhecer. "Não sabemos o motivo do aumento do número de empregados nas profissões das Forças Armadas", respondeu uma porta-voz oficial.

Uma linha idêntica é a seguida pela DGAEP, organismo do ministério da Modernização do Estado e da Administração, que valida o número de empregos na administração pública.

De acordo com o ministério de Alexandra Leitão, ao contrário do que diz o INE houve um aumento de 2019 para 2020 (25 558 para 26 220), mas voltou a cair, ainda que ligeiramente, em 2021: 26 130, menos 90, contrariando João Cravinho que certificara uma subida também neste ano.

Curiosamente, na própria DGAEP, embora não alterem a evolução referida, há números diferentes. Estes são os apresentados no quadro em Excel da página oficial, que esta semana foi divulgado pela Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), mas nos gráficos interativos, em 2019 surgem 25 482, em 2020 são 26 150 e em 2021 são 26 063.

Igualmente dentro do próprio Ministério da Defesa, há dados que não coincidem. Um relatório interno não classificado da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) a que o DN teve acesso, regista 28 863 militares em 2020, uma descida face aos 29 162 de 2019 - embora aqui se explique que além de militares no ativo estão também os na reserva.

"Não se compreendem os números do gabinete do ministro. Os pressupostos devem ser esclarecidos porque, mais do que o valor, é perceber que há um decréscimo óbvio e constante de militares, principalmente de praças, o que denota a falta de atratividade e capacidade de manter militares nas Forças Armadas", assinala a ex-deputada Ana Miguel dos Santos que foi membro efetivo da Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República na última legislatura.

Sublinha que "independentemente da forma como cada um faz as contas, o número de efetivos real, que conta, é o que é contabilizado pelos ramos e EMGFA, com entradas e saídas registadas mensalmente, pois são os que podem ser utilizados nas missões do dia-a-dia".

Exemplo de ineficiência

O presidente da AOFA é igualmente cético quando aos dados da tutela. " O que sabemos é que nos últimos 10 anos, desde 2011, perdeu-se em a média de 1000 militares por ano".

O tenente-coronel António Mota explica que "o ligeiro acréscimo em 2020 foi absolutamente fictício e deveu-se ao facto de, no ano forte da pandemia, o governo ter dado indicações para que fossem prorrogados os contratos dos militares que naquele ano terminavam, para que o decréscimo de efetivos não continuasse a ser dramático e, dessa forma, não faltasse mão-de-obra barata para as ações de combate à pandemia. Essa orientação governamental prolongou-se ainda ao longo do 1.º semestre de 2021, momento a partir do qual os efetivos voltaram, inevitavelmente, a decrescer. Como nada foi feito, 2022 será muito provavelmente mais um ano profundamente negativo para as Forças Armadas".

Este dirigente associativo nota que as discrepâncias dos números tornam "a gestão muito difícil" e classifica a situação de "ridícula".

Para o Almirante Melo Gomes, porta-voz do Grupo de Reflexão Estratégica Independente (GREI), que junta oficiais generais e debate políticas de Defesa, "não é aceitável" a falta de consensualização e clarificação sobre a evolução de efetivos.

"Suspeito mesmo que neste momento ninguém sabe bem quantos são", afirma, não vislumbrando "nenhuma razão para um suposto secretismo: acho apenas que é um exemplo paradigmático da ineficiência da administração pública, incluindo o MDN".

Este ex-Chefe de Estado-Maior da Armada sublinha que "é muito importante ter números rigorosos e atualizados porque é um mecanismos de boa gestão". De outra forma, completa, "dá para apertar ou alargar os números como se quiser".

Do que conhece da atual situação das Forças Armadas (o GREI fez um diagnóstico completo), acha "estranho, no mínimo" que tenha havido um aumento, tal como garante João Cravinho. "Não há indicadores credíveis. Como não houve qualquer melhoria das condições que permitiriam que houvesse mais militares, não é plausível a alegada subida", conclui.

O major-general Carlos Chaves, antigo assessor do ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e atual secretário-coordenador do recém-criado Movimento dos Militares pela Verdade (MMV) lamenta que esta seja "a realidade da informação no Estado português" e assinala que "bases de dados que não são fiáveis não permitem fazer planeamentos adequados nem estabelecer políticas concretas quando se jogam com os números".

Resta aguardar pelo "relatório final sobre efetivos das Forças Armadas, referente a 2021" que segundo o gabinete de João Gomes Cravinho "está a ser ultimado pelos serviços competentes do Ministério da Defesa Nacional", prevendo-se "que o referido documento esteja concluído muito em breve" e esperar que as explicações sejam dadas (DN-Lisboa) 

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