domingo, fevereiro 06, 2022

Alberto João Jardim ao Expresso: “Vejo as mesmas figurinhas da maçonaria a querer tomar conta do partido”



Da maçonaria no PSD à maioria absoluta de Costa, a entrevista do ex-presidente do governo da Madeira, vencedor de 10 maiorias absolutas numa região que, nos anos que leva a democracia, o PS nunca ganhou. É um combate antigo o de Alberto João Jardim contra a maçonaria, mas o antigo líder dos sociais-democratas madeirenses diz que a guerra das sociedades secretas está a acontecer no interior do PSD e está preocupado com o partido que, se continuar a discutir “quem é que vai para o poleiro” pode seguir o caminho do CDS. As sombras não pairam apenas sobre as hostes laranjas já que, do lado do governo, a maioria absoluta pode não ser suficiente para manter quatro anos de estabilidade e está tudo nas mãos de António Costa. Jardim só não sabe se “o primeiro ministro tem coragem para fazer as reformas que o país precisa”. A entrevista do ex-presidente do governo da Madeira, vencedor de 10 maiorias absolutas numa região que, nos anos que leva a democracia, o PS nunca ganhou.

O país entrou numa outra fase política agora com uma maioria absoluta. Neste cenário, o que pode esperar o PSD do futuro numa altura em perdeu o centro e está pressionado à direita por dois novos partidos?

O futuro do PSD vai depender muito do juízo que houver agora. Eu creio que o PSD está a fazer tudo ao contrário. Continuam a discutir-se nomes, os mesmos nomes que andam a fazer traquinices no PSD de há uns anos para cá e, portanto, estão desgastados pelo facto de não darem confiança ao eleitorado português.

Está-se a fazer mal porque em vez de fazer uma série de reuniões em que se possa fazer uma reflexão sobre qual deve ser a estratégia do PSD e o perfil adequado para desenvolver essa estratégia e só depois se falar na pessoa que vai liderar – e temos tempo para isso – anda-se já a tentar ocupar o poder dentro do PSD.

Isto está tudo errado, está tudo feito ao contrário. É uma grande irresponsabilidade. Vão fazer um conselho nacional quando o que era preciso era fazer uma série de reuniões serenas, pacíficas e sem ser com o mediatismo dos conselhos nacionais. Portanto, isto a continuar a assim daqui a dias o PSD segue o caminho do CDS

O PSD corre de facto esse risco de desaparecer?

O PSD correrá o risco de desaparecer se não for capaz de se manter rigorosamente ao centro na sua posição social-democrata. Em segundo lugar, deve vir a público mostrando aos portugueses a vantagem da ideologia social-democrata em relação às formações que aparecem à sua direita e em relação ao socialismo, seja o socialismo democrático, seja o socialismo totalitário.

E se o PSD não fizer isto, se andar sempre a brincar a quem é que vai para o poleiro e se se deixar cair na armadilha, como anda a deixar-se cair, de ser objeto de domínio das sociedades secretas… Eu há 20, 30 anos falava na maçonaria e nas sociedades secretas e as pessoas diziam que o Alberto João está louco, o Alberto João está a delirar ou isto são as golpadas do Alberto João. Daí para cá escreveram-se não sei quantos livros sobre a força da maçonaria em Portugal.

O que se está a passar é também um ataque da maçonaria ao PSD. Eu estava descansado que o dr. Rui Rio não tinha ligações com esses quintais e com essas paróquias, mas agora vejo as mesmas figurinhas da maçonaria a querer tomar conta do partido.

E isso coloca em risco a existência do partido?

Está claro que sim, é a descaracterização do partido. É pegar num partido que tem a sua ideologia, os seus valores, um potencial para ser o antídoto para aquilo a que o socialismo vai arrastar Portugal e se ficar ao sabor dos interesses que estão nas costas do povo português, que não são de transparência democrática, o PSD vai definhar.

O que se agrava numa altura em que o país inicia um ciclo novo. Dizem que não é uma maioria absoluta fresca como foram as outras…

Isso não há maiorias frescas ou deixar de ser! Um país, mesmo quando um governo não é de maioria absoluta, desde que ele seja minoritário, mas tenha condições para gerar consensos os país é governado e governável, mesmo sem ser por maioria absoluta. Isso não é problema.

Eu governei com 10 maiorias absolutas. As maiorias absolutas estão sujeitas à Constituição, à lei e aos tribunais.

O problema do país não é a maioria absoluta. O problema do país é a situação em que nos encontramos. A conjuntura internacional, nomeadamente no campo da energia que vem provocando inflação e também uma certa instabilidade. A União Europeia, ao ter abandonado o federalismo e ao ter caído nos nacionalismos pós-crise 2008, ficou a meio do percurso para aquilo que foi criada.

A União Europeia hoje não responde às necessidades, ao que se espera dela. Por outro lado, os países democráticos parecem não estar preocupados com a situação nas fronteiras de leste da Europa, parece que estamos todos os dias aqui a fazer um piquenique.

Há riscos gravíssimos no interior de Portugal: a política assistencialista substituiu o estado social, cada vez mais as pessoas querem é que lhes deem coisas e não querem trabalhar.

Enquanto isto for assim a maioria corre o risco de, mesmo sendo maioria absoluta, não fazer quatro anos. Se não se fizer as reformas a tempo e se Portugal continuar neste caminho que está a trilhar.

Governou com 10 maiorias absolutas, mas é mais fácil governar com maioria absoluta do que sem maioria absoluta.

É mais fácil governar com maioria absoluta e não estou a comparar. Um governo regional não é um governo nacional e a conjuntura da Madeira era outra, mas por isso é que o primeiro-ministro tem muito mais responsabilidades . Eu tinha a noção que se não acertasse nas eleições seguintes crucificavam-me porque eu não tinha desculpas para dar porque tinha maioria absoluta. O primeiro-ministro neste momento não tem qualquer tipo de desculpa para não governar bem.

A grande questão é: o primeiro-ministro tem ou não tem coragem para fazer as reformas que Portugal precisa?

Quando este ciclo terminar, estaremos perante 10 anos de governos socialistas. Acha que o estado pode ser infiltrado…

O sonho do Partido Socialista é ser como, há décadas no México, o partido hegemónico, como foi o PSD aqui na Madeira. Esse é o sonho do Partido Socialista.

Penso que isso em Portugal, no seu nível global, isso não é possível. E digo-lhe mais: sou das pessoas que acredita que se não houver grandes reformas em Portugal, mesmo com maioria absoluta, tal é a dificuldade da presente conjuntura. Uma conjuntura que foi escondida dos portugueses durante a campanha eleitoral por todos os partidos, que é de tal ordem que eu não acredito que, sem reformas, o PS possa governar quatro anos.

Acredita mesmo que pode cair o governo?

Sem reformas não se poderá fazer face à conjuntura, vai depender do bom senso do primeiro-ministro. O primeiro-ministro até agora foi um homem de partido e não um estadista. Está na altura de ser um estadista e esquecer que é um homem de partido.

E tem condições para isso?

O António Costa que eu conheci no Comité das Regiões, o meu colega aí, eu achava que tinha condições, mas o António Costa da geringonça dececionou-me. Agora vamos tirar a prova dos nove.

Em resumo, o futuro não é tão risonho como parece?

Nem tão florido, mas vamos ver…

Dado curioso destas eleições é que o PS voltou a perder na Madeira, onde, de resto, nunca ganhou. A que se deve isto? É o seu legado?

Deve-se ao Partido Socialista, o regional. Um Partido Socialista que, ao fim de 40 anos, ainda não percebeu que tem de ser a favor da autonomia. Como é que um partido que está numa região autónoma assume por vontade própria o papel de ser o procurador do partido nacional, de ser o procurador de Lisboa. Se eu fosse líder do PS era ainda mais autonomista que o PSD. Há também as lutas internas e até um problema sociológico. O PSD conseguiu, pelo menos no meu tempo, ser um partido interclassista, o PS tem umas bases muito próximas da esquerda mais radical e depois tem uma esquerda caviar que são os quadros do partido e uns e outros não conseguem conviver (Expresso, texto da jornalista Marta Caires)

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