Estas
eleições regionais mostram um fenómeno novo, o da inclusão de candidatos
representando (?) a comunidade venezuelana. Ora sabemos que não representam
coisa nenhuma, são rigorosamente o mesmo dos alegados
"representantes" dos concelhos nas listas de candidatos a deputados
que são escolhidos ou designados pelas
nomenclaturas partidárias regionais ou pelos sectores mais elitistas das
estruturas partidárias nesses concelhos, embora sem peso na decisão da escolha
final.
Primeiro,
o enquadramento deste tema.
Segundo
se diz, cerca e 8 a 10 mil emigrantes que viviam na Venezuela, terão regressado
os últimos anos à Madeira - muitos ficaram no Continente onde as ofertas de
emprego eram mais fáceis e variáveis e porque muitos pretendiam furtar-se a
contactos com as freguesias de origem na Madeira - fruto do agravamento
acelerado da situação na Venezuela, nomeadamente a crise social, económica,
política e financeira ali existente.
Os
partidos jogam numa espécie de esperteza saloia, escolhendo uma ou duas ou três
pessoas para as integrarem nas suas listas de candidatos determinadas
personagens, mesmo que saibam - sabemos todos - que o conhecimento que elas têm
da realidade regional é nulo e que os próprios como candidatos não constituem qualquer
mais valia eleitoral ou política -
muitos dos regressados, segundas e terceiras gerações, não tinham contactos
entre si na Venezuela, salvo nas festas nos centros sociais portugueses e pouco
mais. Mesmo assim eram as gerações mais velhas, os pais, que compareciam, já
que muitos dos jovens, completamente integrados na sociedade venezuelana, nem
compareciam nesses centros. Não vale a pena negar isto porque sei do que falo.
Apenas
há, repito e insisto, uma golpada eleitoral, a de alegadamente pretenderem dar
voz a pretensos representantes dessa comunidade que vai continuar na Madeira apenas até Maduro cair. Se a ditadura for derrubada, milhares de
emigrantes que se instalaram na Madeira e no Continente, regressam logo à
Venezuela (acresce que milhares de conterrâneos nossos sem possibilidades
financeiras, continuam esmagadoramente a viver na Venezuela, ou porque a Região
devido aos muitos anos a viver fora já não lhes diz muito, ou porque não têm condições económicas para
voltarem para a Madeira onde muitos deles não possuem nem familiares nem bens ou
porque não abandonaram as suas casas na Venezuela).
Ressalvo
que a Venezuela está longe de ter sido o tal "El Dorado" de que
muitos falam, para milhares de madeirenses. Há que ter presente isso e
desmistificar um pouco uma ideia de generalização que não corresponde à
verdade.
O erro de não se terem envolvido mais na
politica, aliás igual ao que se passou na África do Sul
Alberto
João Jardim apelava repetidamente - e nas vezes que o acompanhei testemunhei
isso - a esse envolvimento das comunidades madeirenses na política nos países
de acolhimento, na corrida eleitoral mesmo que para pequenas comunidades ou
cidades, defendia a necessidade de fazerem no caso da Venezuela, como os
italianos e os espanhóis, sempre activos e envolvidos, para que os portugueses,
madeirenses em particular, tivessem uma voz, fossem representados, tivessem
mais condições de afirmação nos países de acolhimento e de onde eram naturais
as segundas e terceiras gerações, para que tivessem mais oportunidades. Isso
nunca aconteceu verdadeiramente, raramente aconteceu, na Venezuela ou na África
do Sul, salvo raras excepções neste país.
Na África
do Sul a mudança política, social e económica também foi brutal, mas apesar do
choque étnico e de um sentimento de ajuste de contas por causa do apartheid,
creio que todos concordamos que nunca chegamos à lamentável degradação que
ocorre na Venezuela e que está à vista de todos. Contudo existem sinais
recentes que podem apontar para um perigoso agravamento da situação social na
África do Sul, com todas as consequências daí resultantes.
Não votam
As
comunidades no estrangeiro não votam, basta consultarem os valores e a
abstenção - os 89% nas legislativas de 2015, os 95% nas presidenciais de 2016
ou os 99% nas europeias de 2019. Os truques que a geringonça agora introduziu
no recenseamento, aumentou de 250 mil emigrantes (2015) para 320 mil (2016) e
1,4 milhões de recenseados (2019), mas curiosamente o peso no parlamento
nacional continua o mesmo - 2 deputados pela Europa e 2 pelo Resto do Mundo - a
par da palhaçada que é o processo de escolha por parte dos partidos dos
candidatos alegados "representantes"
dessas comunidades: personagens que vivem em
Portugal e cuja relação com as comunidades ou é política ou é platónica.
Se
reconhecidamente não votam nas eleições nacionais, dificilmente encontrarão
estímulos para votarem nas regionais da Madeira ou dos Açores, e darem deste
modo a sua anuência à demagogia dos partidos e ao seu oportunismo eleitoral.
Perceber o sentimento generalizado
Há que
perceber um sentimento que é generalizado aos madeirenses regressados
temporariamente à Madeira, admitindo eu que uma minoria, insignificante
quantitativamente face ao global, pense ficar de vez na Região. Falo do
regresso, de olharem para esta vinda para a Madeira como um acidente de
percurso, uma opção de vida que está relacionada com a degradação da situação
na Venezuela, com a falta de liberdade, com a deterioração trazida pela
ditadura, com o caos no estado, com a
falta de tudo, na saúde, na educação, na alimentação, nos combustíveis, nos
transportes, nas universidades, etc, etc.
O regresso como meta de vida
Uma jovem
no Porto Santo, natural a Venezuela, a viver como empregada naquela ilha,
porque a mãe ali reside, reconhecia, quase a chorar e com uma cara de profunda
tristeza, que a sua grande ambição é apenas uma: regressar à Venezuela logo que
o ditador seja derrubado e a situação no país mude. Não vale a pena andarmos a
distorcer a realidade, uns para ganharem dinheiro à custa dos nossos emigrantes
e da desgraça deles - e não faltam festanças e romarias ao estrangeiro - outros
por oportunismo político que não engana ninguém.
A Madeira
o pouco ou quase nada que podia fazer pelos seus emigrantes regressados, creio
que já fez. Faltam empregos, faltam casas, a integração desses regressados não
é fácil, há uma diferença de hábitos e de culturas, as pessoas sentem-se a
mais, a Madeira para a esmagadora maioria dos regressados é
"estranha". Muitos deles vinham de férias. E já pensavam no regresso ao
seu mundo, quando a Venezuela era para eles uma espécie de centro do universo,
pais rico que era (e é) embora sempre socialmente desequilibrado e marcado por
elevadíssima e descarada corrupção mesmo antes da revolução chavista ou bolivariana,
sabem o que quiserem.
Desconhecimento e não mais-valia
Ora neste
quadro, passemos ao segundo aspecto desta minha abordagem, acredito que
eleitoralmente os partidos no seu oportunismo podem incluir as personagens que
quiserem, oriundas desta leva de regresso temporário à RAM, que não ganham
votos por causa disso. Acho que a comunidade venezuelana na Madeira não se
deixa enganar, sobretudo a que recusa a ideia de um regresso em definitivo,
porquanto não se sente mobilizada, não tem razões para votar seja em quem for,
porque o regresso é asua meta de vida. Compreensível e naturalmente. É com a
Venezuela que eles se preocupam, é com a Venezuela livre, democrática, próspera
e com lugar para todos que sonham e na Venezuela que pensam todos os dias é para
a Venezuela que querem voltar.
Esta é a
realidade, pelo que aos políticos em funções, no governo, no parlamento nas
autarquias, o que se espera e se pede é que tomem as medidas adequadas
possíveis e passíveis de atenuarem o sofrimento de quem foi deslocado, obrigado
a sair do seu pais, da sua vida, da sua cultura, dos seus hábitos, dos seus
amigos, das suas rotinas, do seu mundo, etc, para esperar cá fora que o ditador
seja derrubado, que os corruptos sejam castigados e que a Venezuela seja de
novo um país para todos e aberto a todos.
Desconhecimento
Quando é
disto que falamos, quando é isto que está em cima da mesa, para que servem
essas eleições nacionais ou regionais, para que servem esses pretensos
“representantes” de meia-tijela, escolhidos pelas hierarquias partidárias, que
não conhecem a realidade madeirense, nas freguesias, nos concelhos? Para que
servem esses pretensos “representantes” se eles não interagem com as pessoas
porque não escondem as suas dificuldades de integração (num meio que pode dizer
ainda alguma coisa, pouca, aos pais e avós, mas que seguramente pouco ou nada
diz às gerações que já nasceram na Venezuela), se nem são sequer conhecidos e
nada dizem aos eleitores, etc, se o futuro para eles tem apenas um nome, a
Venezuela? (LFM)
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