terça-feira, março 12, 2013

Diário secreto de cardeal desvenda como eleição Ratzinger esteve tremida

Segundo a jornalista do Jornal I, Rosa Ramos, ”no conclave de 2005, um cardeal eleitor escreveu um diário que mostra, passo a passo, como se chegou à eleição de Bento XVI. No último conclave, dos mais rápidos da história da Igreja e que culminou na eleição de Bento XVI, um dos 115 cardeais eleitores quebrou o juramento de silêncio e deixou para a posteridade um diário em que conta, passo a passo, como decorreram as votações até o fumo branco ser avistado na Praça de São Pedro. Passados oito anos, o nome deste cardeal continua a ser um segredo bem guardado, mas os seus apontamentos foram publicados na revista “Limes”, uma publicação italiana especializada em relações internacionais.
As notas revelam a evolução das quatro contagens de votos, permitindo reconstituir o ambiente do conclave. O diário tornou-se no único documento que mostra como Bento XVI poderia ter perdido para o arcebispo de Buenos Aires. Jorge Bergoglio deu luta até ao fim, mas muitos cardeais chegaram a duvidar que tivesse aceitado ser Papa caso vencesse. Enquanto decorriam as últimas votações, o argentino foi visto a deambular de um lado para o outro, desorientado e com ar angustiado, perante a hipótese de ganhar a Ratzinger. No fim de tudo, e se dúvidas houvessem, o diário do cardeal eleitor vem confirmar como um conclave é, afinal, uma eleição política, feita de alianças, acordos e estratégias.
Domingo, 17 de Abril de 2005
Na véspera do arranque do conclave, os cardeais recebem as chaves dos seus aposentos na Casa Santa Marta. “Tomei posse do quarto. Pousei as minhas malas e tentei abrir as persianas, porque o quarto estava escuro. Mas não consegui. Um colega meu, que também teve o mesmo problema, dirigiu-se às irmãs governantas para perguntar o que se passava. Pensava que se trataria de um problema técnico. Mas as religiosas explicaram-lhe que as persianas estavam, afinal, lacradas. A clausura do conclave… uma experiência nova para quase todos nós: em 115 cardeais, só dois já participaram na eleição de um Papa…”, escreveu o cardeal antes de ir dormir. No dia seguinte, começava a eleição do sucessor de João Paulo II.
Segunda-feira, 18 de Abril de 2005
No primeiro dia de conclave, só há votação da parte da tarde - a manhã é reservada para uma missa em honra do Espírito Santo. Às 18h de Roma, os cardeais entraram na Capela Sistina, prestaram juramento e deram início à distribuição dos boletins. Uma hora mais tarde, os fiéis que aguardavam na Praça de São Pedro viram sair fumo negro da chaminé da capela: acabou a primeira contagem sem que houvesse consenso entre os cardeais. Ratzinger, mostra o diário, conseguiu 47 votos logo na primeira volta. Tudo parecia bem encaminhado para o alemão - o único candidato que contava com um grupo de apoiantes bem estruturado. Mas desenhava-se uma surpresa no horizonte: o cardeal Bergoglio, de Buenos Aires, com 10 votações. O cardeal Martini teve nove e o presidente da conferência dos bispos italianos seis. Angelo Sodano conseguiu quatro e o cardeal das Honduras, Óscar Maradiaga, três. Dionigini Tettamanzi, sucessor de Martini em Milão, ganhou dois votos. Os restantes 30 boletins dividiram-se entre um leque de nomes - sem qualquer expressão numérica. A primeira votação, sublinha Andrea Tornielli no “Vatican Insider”, blogue do jornal “La Stampa”, permitia antever o peso da ala progressista no conclave, que decidiu apoiar o cardeal Martini. Os cardeais foram jantar. Os apoiantes de Ratzinger, descreve o diário, pareciam satisfeitos, embora pairasse no ar o espanto por Bergoglio surgir entre os favoritos: não era esperada uma oposição tão significativa. E o peso do nome do cardeal argentino não deixava de ser curioso: Bergoglio é um homem reservado, simples, low-profile, que foge da imprensa como o diabo da cruz e que já rejeitou os seus aposentos num palácio da Igreja, em Buenos Aires. Prefere viver sozinho num apartamento humilde. A seguir ao jantar, marcaram-se encontros para se decidir o rumo das votações e convencer os ainda indecisos. “Pequenos grupos, de duas ou três pessoas. Não há grandes reuniões”, descreve o diário.
Terça-feira, 19 de Abril de 2005
Às 9h da manhã, os 115 cardeais já estavam de boletim de voto em punho na Capela Sistina. Na segunda votação do conclave que elegeu Bento XVI - a primeira do segundo dia -, os votos concentraram-se em poucos candidatos. Ratzinger aumentou o número de apoiantes para 65 (faltando-lhe só 12 para conseguir os dois terços). Mas o nome de Bergoglio continuou a não dar tréguas: o cardeal argentino também subiu o número de votos para 35. O cardeal Ruini evaporou-se dos boletins: os seus apoiantes passaram a votar, em bloco, em Ratzinger. Já os que votaram antes em Martini passaram a apostar em Bergoglio. Estavam assim desenhadas duas alas distintas de votação. Ainda assim, o cardeal Angelo Sodano manteve os quatro votos da primeira ronda e Dionigi Tettamanzi conseguiu dois. Ratzinger subiu para 72 votos na votação seguinte. O alemão aproximou-se rapidamente dos dois terços, mas Bergoglio colou-se na sua sombra, atingindo os 40 boletins. Foi o momento crucial do conclave. Quarenta votos era pouco para que o cardeal argentino pudesse aspirar à vitória, mas o suficiente para evitar a eleição de outro candidato. Ou seja: alguém teria que ceder. Vaticanistas como Andrea Tornielli defendem que, se os apoiantes de Bergoglio não tivessem desistido na última ronda, a candidatura de Bento XVI teria ido por água abaixo. Há outros observadores, no entanto, com uma leitura diferente que acreditam que, nesse momento do conclave, a vitória de Bento XVI já não iria sofrer recuos. Isto porque, de acordo com a regras de eleição aprovadas por João Paulo II, bastava que os apoiantes de Ratzinger continuassem a insistir no alemão por mais 30 vezes para que houvesse fumo branco: à 31.a ronda, o alemão seria eleito por maioria simples. Tornielli classifica esta hipótese de “meramente teórica” e explica porquê: “Ratzinger ou qualquer outro candidato não permitiriam que os cardeais insistissem no seu nome durante duas semanas seguidas, deixando o mundo suspenso à espera de um novo Papa. Ratzinger seria o primeiro a retirar-se da corrida”, defende.
Assim sendo, a esta altura do conclave, e apesar do avanço de Bento XVI, tudo poderia acontecer. Poderia, até, ter surgido um outro nome que não o do alemão e o do argentino - se os apoiantes de Ratzinger e de Bergoglio tivessem decidido, por exemplo, chegar a um acordo e escolher outra figura que reunisse o consenso entre as duas alas. As próximas horas seriam, portanto, determinantes no rumo da eleição. E tudo poderia ser decidido na quarta votação, agendada para o final da tarde.
“Já na Capela Sistina, antes do almoço em Santa Marta, fazem-se contactos. É grande a preocupação entre os cardeais que desejam a eleição de Ratzinger. Estreitam-se os contactos. O mais activo é o cardeal Lopez Trujillo (...)”, lê-se no diário. Segundo os apontamentos do autor do diário, o colombiano Trujillo aproveitava todos os momentos para falar com os cardeais da América Latina. “Tenta convencê-los de que não há verdadeiras alternativas a Ratzinger”, lê-se no caderno. Ao almoço, o cardeal Martini terá dito a um colega, com ar enigmático: “Amanhã haverá grandes novidades”. Martini fazia parte de uma ala que previa uma mudança de rumo nas votação da manhã do terceiro dia de conclave, caso as votações previstas para a parte da tarde desse dia não dessem em nada. Entretanto, o arcebispo de Buenos Aires, conta o diário, foi visto a andar de um lado para o outro com “ar sofredor”. Alguns cardeais terão até receado que, se fosse eleito, Bergoglio pudesse recusar o cargo, tal era a aflição que trazia estampada no rosto.
Às 16h, os 115 eleitores voltaram para a capela e parecia, finalmente, avistar-se uma solução: boa parte dos apoiantes de Bergoglio decidiram entretanto aderir à ala Ratzinger - para não arrastarem a eleição e para não dividirem o Colégio Cardinalício. Pouco tempo depois, Bento XVI foi eleito com 84 votos e o nome Bergoglio passou a resumir-se a 26 boletins. Terminou assim um dos conclaves mais rápidos de sempre. “O cardeal Ratzinger, enquanto acontece a contagem, anota os votos com cuidado numa folha de papel. Às 17h30, quando superou o quórum dos 77 votos, há na Sistina, um momento de silêncio, seguido por um longo aplauso cordial”, escreveu o cardeal anónimo no final do seu diário”