segunda-feira, março 11, 2013

Chavez: no final, um péssimo gestor

Segundo o Dinheiro Vivo, num texto de Rory Carroll, correspondente do The Guardian e autor de “Comandante: Hugo Chávez's Venezuela, “em Caracas podia dizer-se que uma conferência de líderes era importante para Hugo Chávez quando este punha os funcionários públicos a retocarem os escombros da cidade. Antes da chegada dos dignitários, equipas com baldes de tinta e pincéis traçavam linhas amarelo-vivo ao longo do percurso do aeroporto para a capital, tentando assim compensar a delapidação das estradas. Quando se tratava de um evento verdadeiramente grande, como uma visita do presidente da Rússia, os trabalhadores fariam um esforço extra, pintando também as pedras e os detritos que enchiam os buracos das estradas. Sentados nos carros blindados e com vidros fumados, os russos talvez não notassem todos os retoques, mas seguramente reconheciam que houvera uma limpeza de fachada. A seguir à riqueza produzida pelo petróleo, o estilo teatral era o maior recurso de Chávez, presidente da Venezuela desde 1999, que morreu de cancro esta terça-feira. O sentido dramático que possuía da sua própria importância ajudou a instalá-lo no poder como reencarnação do libertador Simón Bolivar – inclusivamente, rebatizou o país como República Bolivariana da Venezuela.
Esse mesmo estilo dramático dividiu profundamente os venezuelanos, enquanto ele fazia pose no palco mundial, falando sobre a restauração do equilíbrio entre os países ricos e o resto do mundo. Isto obscurece agora o seu legado real, que é bastante menos dramático do que ele teria desejado. De facto, é prosaico. Chávez, em última análise, foi um gestor péssimo. O legado da sua “revolução socialista” de 14 anos é visível em toda a Venezuela: a decadência e a disfuncionalidade afligem a economia e todas as instituições estatais.
A infindável discussão sobre se Chávez era um ditador ou um democrata – ele era, de facto, um híbrido, um autocrata eleito – distrai as atenções domésticas e estrangeiras da questão mais básica que é a competência. Chávez era um político brilhante e um gestor desastroso. Deixa a Venezuela em ruínas e a sua morte mergulha os cerca de 30 milhões de cidadãos venezuelanos numa profunda incerteza. Os fracassos de Chávez causaram mais danos que a ideologia, que nunca foi tão extremista como ele e os seus detratores pretenderam, algo extremamente evidente na Venezuela que agora lega.
As outrora poderosas fábricas de Ciudad Guayana, um núcleo industrial junto do rio Orinoco, projetado nos anos 60 por arquitetos do M.I.T. e de Harvard, estão a enferrujar e a agonizar, algumas fechadas, outras a funcionar a meio gás. “A crise económica mundial atingiu-nos”, diz Rada Gamluch, diretor da fábrica de alumínio Venalum, leal ao chavismo, na sua varanda sobre a decadência. Depois, corrige: “A crise capitalista atingiu-nos.”
Na verdade, foi a incompetência de gestores nomeados por Chávez, que tentaram impor princípios pseudomarxistas, apenas para serem mais tarde substituídos por oportunistas e criminosos, que atingiu Ciudad Guayana. O subinvestimento e a incapacidade atingiram estações hidroelétricas e a rede de eletricidade, causando blackouts semanais que continuam a escurecer as cidades, a avariar equipamento elétrico, a silenciar a maquinaria e a exigir racionamento. Ao governo, não faltaram bodes expiatórios: os seus próprios trabalhadores, a CIA e até mesmo animais que roíam os cabos. A emissão descuidada de moeda e as políticas fiscais fizeram disparar a inflação, e o bolívar perdeu 90% do seu valor desde que Chávez chegou ao poder, e foi desvalorizado cinco vezes numa década. Noutra farsa, a moeda foi rebatizada “el bolivar fuerte”, num toque orwelliano.
O assédio a quintas privadas e a administração caótica de cooperativas agrícolas apoiadas pelo estado atingiram a produção alimentar, obrigando a grandes volumes de importações, tão rapidamente acumuladas que milhares de toneladas apodreceram nos portos. Chávez chamou-lhe “soberania alimentar”.
Politização e negligência tolheram a tarefa nuclear – a perfuração – da petrolífera de gestão estatal, a PDVSA – e a produção caiu em flecha. “É uma pena que ninguém tire 20 minutos para lhe explicar macroeconomia com uma caneta e um papel”, diz Baldo Sanso, um executivo sénior. “Chávez não sabe gerir.” Subsídios populistas reduziram o custo da gasolina para 1 dólar por tanque, provavelmente o preço mais baixo em todo o mundo, mas custou ao estado incontáveis milhões em impostos, ao mesmo tempo que piorava os engarrafamentos e a poluição do ar.
O mal-estar e a corrupção burocrática foram tão graves que os assassinatos triplicaram para quase 20 mil por ano, enquanto gangues raptavam descaradamente vítimas em paragens de autocarros e autoestradas. Uma nova elite com ligações ao governo, os “boligarcas”, manipularam contratos governamentais, a teia de preços e os controlos monetários para financiar os seus estilos de vida luxuosos. “É um grande acontecimento quando uma rapariga faz 15 anos”, contou-me um designer de Caracas, Giovanni Scutaro, “Se o pai está com a revolução, não se importa com o tecido, desde que seja vermelho. Uma coisa simples custa 3000 dólares, mais elaborada, chega aos 250 mil.”
Chávez convocou jornalistas para Miraflores, o palácio presidencial, para enaltecer os seus feitos. Contudo, o próprio edifício traía a anomia nacional, com a sua fachada gretada, falta de azulejos, um cheiro a urina que vinha dos jardins. O elevador privado do presidente, confidenciou um ministro, tinha uma goteira quando chovia. O génio político de Chávez foi transformar este cadastro num palco a partir do qual montou mais quatro vitórias eleitorais. Dividendos sem precedentes do petróleo –1 trilião de dólares – tornaram-no o primeiro entre alternativas não governamentais moribundas. Fez gastos extravagantes em clínicas de saúde, escolas, subsídios e presentes, incluindo casas completamente novas. Os que estavam empregados em diversas instituições burocráticas – os responsáveis perderam a conta aos ministérios que iam e vinham – votaram nele para garantir os seus empregos. As suas eleições não eram justas – Chávez ajustou as regras a seu favor, desviou recursos estatais, desqualificou alguns opositores, desapoderou outros – mas eram livres.
Enquanto a Venezuela atrofiava, encontrou refúgio lançando as culpas a outros, nomeadamente os “porcos roncadores” e os “vampiros” do setor privado, que acusava de acumulação e especulação. Donos de talhos foram presos por soldados por aumentarem os preços. Também os seus próprios apoiantes acusavam cada vez mais os que o rodeavam: em 2011 podiam ver-se graffiti com o slogan “bajo el gobierno, viva Chávez”. O “comandante”, como era conhecido pelos lealistas, usou a sua extraordinária energia e carisma para dominar emissões com discursos-maratona (quatro horas era pouco). Podia lançar beijos, mobilizar tropas, denunciar os Estados Unidos, guiar uma bicicleta, um tanque, um helicóptero – tudo o que atraísse as atenções para si e as desviasse do seu desempenho. A distração surgia sob numerosas formas: denúncia de planos de homicídio, um absurdo contrato nuclear com a Rússia (depois abandonado); exumação dos restos de Bolívar para ver se fora assassinado, elogio ou ataque aos convidados.
Vivi em primeira mão o poder da sua performance em 2007 quando, como correspondente na América Latina do The Guardian, compareci no seu programa semanal, “Alo Presidente”, num episódio passado numa praia. Convidado a fazer uma pergunta, perguntei-lhe se abolir os limites dos mandatos podia conduzir ao autoritarismo. O anfitrião fez uma pausa e ficou carrancudo antes de transformar a impertinência num pretexto para arremeter contra a hipocrisia europeia, os média, a monarquia, a Marinha Real, a escravatura, o genocídio e o colonialismo. “Em nome do povo da América Latina, exijo que o governo britânico devolva as ilhas Malvinas ao povo da Argentina”, exclamou. Depois, mais um lugar-comum sobre o colonialismo: “É melhor morrer a lutar que ser escravo!”. E prosseguiu. Cristóvão Colombo. A rainha Isabel. George Bush. Em vão lhe respondi que eu era irlandês e republicano, e que a monarquia europeia era irrelevante para a minha pergunta, a que ele se esquivara. Isto provocou mais uma ofensiva.
Era tudo teatro. Enquanto as câmaras eram guardadas e nos preparávamos para voltar a Caracas, o presidente apertou-me a mão, encolheu os ombros e sorriu. Eu tinha sido um bode expiatório útil. Nada de ressentimentos. Era só espetáculo"