segunda-feira, março 11, 2013

Açores querem fazer da Terceira a Singapura do Atlântico

Ao fundo, o lugar onde se prevê que avance o projecto portuário na ilha Terceira e, em baixo, pormenor das instalações militares norte-americanas na Base das Lajes: o volume de negócios esperado seria, dizem os defensores do projecto, superior ao da base (foto de miguel madeira)

Segundo o Publico num texto do jornalista Nuno Sá Lourenço, “o conceito foi apresentado a empresários norte-americanos que estiveram em Portugal para aferir oportunidades de negócio no rescaldo da redução da presença militar nas Lajes. E será um passo de monta na revolução portuária em curso. O conceito tem vindo a ser defendido junto das mais variadas entidades internacionais nos últimos meses. Fazer da ilha Terceira a Singapura do Atlântico, um entreposto de transporte marítimo entre os dois lados do Atlântico. Até agora não há garantias de que o projecto avance nos próximos tempos, mas nos últimos dias foi o Governo regional dos Açores a tomar a iniciativa que chegou mesmo a ser apresentada a norte-americanos no âmbito das consultas bilaterais a propósito das contrapartidas pela redução do efectivo militar nas Lajes e o seu impacto na economia da região autónoma. Foi Sandro Paim, presidente da Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo, quem defendeu no início de Fevereiro a ideia perante o grupo de investidores norte-americanos (BENS - Business Executives for National Security) que viajou até Portugal para aferir das oportunidades de negócio nos Açores. Criar, segundo Sandro Paim, um "hub no já existente porto oceânico da Praia da Vitória para receber e enviar mercadorias entre os dois continentes".
Esse foi um dos dois projectos que Sandro Paim apresentou aos empresários norte-americanos como oportunidades de negócio. Seria uma forma de "potenciar o comércio transatlântico defendido no discurso do Estado da União do Presidente Obama", defendeu Sandro Paim ao PÚBLICO. Poucos dias depois, a 16 de Fevereiro, o conceito voltou a ser defendido perante um alto responsável das Forças Armadas norte-americanas. O general William Fraser, que lidera o Comando de Transportes do Departamento de Defesa dos EUA e que estava em trânsito dos EUA para a Europa, aterrou nas Lajes para perceber o negócio e avaliar a viabilidade da solução. Ao que o PÚBLICO apurou, chegou a debater-se a possibilidade de os militares norte-americanos poderem vir a utilizar o porto açoriano no fornecimento das bases americanas na Europa.
A semana passada foi a vez de Vítor Fraga, secretário regional do Turismo e Transportes, transmitir à Comissária Europeia dos Assuntos Marítimos e das Pescas, Maria Damanaki, a intenção do Governo dos Açores em criar no arquipélago um hub atlântico que potencie a distribuição de carga de e para a Europa. Um projecto incluído no plano integrado de transportes que o governo regional pretende lançar durante o ano de 2013. A comissária europeia elogiou o projecto. "É uma grande ideia e um grande projecto que precisa de muito trabalho para a sua concretização, mas penso que é uma ideia interessante, pois os Açores têm muitas vantagens naturais tendo em conta a sua posição geográfica e também em termos de recursos", afirmou Maria Damanaki.
Para Paim, o objectivo é fazer da Terceira um "centro de um sistema de transportes e distribuição no Atlântico Norte", através de "um projecto inédito e inovador na forma como explora o sistema de transportes". O inédito está no facto do projecto pretender aplicar um modelo que tem sido mais utilizado no transporte aéreo - o denominado hub and spoke, em que se cria um sistema de ligações delineado como a roda de uma bicicleta em que o tráfego se desloca dos raios até ao centro. Os Açores transformar-se-iam no entreposto do comércio marítimo entre a Europa e a América do Norte. Paim acredita mesmo que o conceito pode vir a revelar-se "complementar" aos planos do Governo português para Sines. "Com maior disponibilidade de frequência de ligações e menor tempo de transporte, este modelo vem permitir a dinamização de portos de média dimensão na Europa e na América do Norte, mas também potenciando a conectividade de portos do Atlântico Sul, especialmente no Brasil e na costa Atlântica africana, que passam a poder oferecer serviços de conectividade actualmente só disponibilizados apenas nos grandes portos, como Roterdão, Nova Iorque, ou Santos, no Brasil", defende. O volume de negócios esperado, na eventualidade de o projecto avançar, seria de 150 milhões de euros "considerando apenas a actividade do porto do hub em fase de cruzeiro".
Um valor que a confirmar-se ultrapassaria o impacto económico anual da presença militar do aliado português na Terceira. Segundo os cálculos dos próprios norte-americanos, Paim afirmou ao PÚBLICO que a base gerou uma riqueza estimada nos 102 milhões de euros em 2010 e 97 milhões de euros em 2011. Um valor que inclui os vencimentos de trabalhadores portugueses na base, as compras e despesas contratatadas com empresas locais e outros empregos criados. O equivalente a 10 por cento do PIB da ilha Terceira. De acordo com os estudos iniciais feitos pela Câmara do Comércio de Angra o investimento no porto da Praia da Vitória teria de ser superior a 300 milhões de euros, com a aquisição de equipamento como gruas, além da expansão da área do porto e a edificação de plataformas para contentores.
No actual momento não existem ainda certezas sobre o arranque do projecto. A apresentação da ideia foi feita com o objectivo de atrair investimento norte-americano, aproveitando o embalo da disponibilidade do aliado em mitigar o impacto da redução da base militar na economia da ilha açoriana. No entanto, o projecto parece estar à margem dos objectivos nacionais. O aproveitamento do porto oceânico da Praia da Vitória não foi incluído no Plano Estratégico de Transportes que o Governo de Pedro Passos Coelho enviou à troika em Novembro de 2011. O dossier não está a ser gerido pelo AICEP, uma das entidades envolvidas nas consultas relativas à Base das Lajes. O seu presidente, Pedro Reis, afirmou que o assunto estava a ser "directamente acompanhado" pela Agência para a Promoção do Investimento dos Açores e que o AICEP estava "por dentro das intenções" da região e dos "desenvolvimentos posteriores" que se verificaram.
Mas do outro lado do Atlântico aconselha-se cautela em relação às expectativas. Após um contacto feito pelo PÚBLICO, foi frisado que embora os empresários norte-americanos tenham considerado a visita "impecável", estes consideravam-se no processo mais como "consultores" do que investidores. O papel do grupo de nove empresários será o de apresentar recomendações aos responsáveis portugueses sobre a melhor forma de tornar o ambiente económico da ilha mais dinâmico. Que se consubstanciará num relatório a entregar às autoridades portuguesas nos próximos dias. Ficou também claro que a administração norte-americana não vai colocar novos recursos na Terceira, apesar de classificarem o "conceito" apresentado como ambicioso. Para os EUA, a responsabilidade de desenvolver projectos económicos é de Portugal. Mas também se admite que os contactos feitos com o grupo BENS possam vir a criar um "canal" de comunicação entre investidores e Portugal, o que poderá trazer frutos.
No governo regional, a questão também foi encarada com realismo. A passagem do general William Fraser, assegura um responsável regional contactado pelo PÚBLICO, resultou de uma feliz coincidência de agenda. E a verdade é que, nos contactos feitos com o Governo português, o PÚBLICO não recolheu qualquer eco de que este projecto estivesse a ser tratado como uma aposta nas consultas bilaterais. Mesmo no âmbito regional, a percepção após a visita do grupo BENS foi que estes estavam à partida mais orientados para a exploração do parque imobiliário da base. À volta das Lajes os militares norte-americanos construíram ao longo dos anos um conjunto de urbanizações para acomodar às centenas o pessoal destacado. A redução do efectivo levou as autoridades norte-americanas a proporem a cedência desse património a Portugal. Numa fase inicial foi abordada pelo grupo BENS a possibilidade de requalificar esse activo para o turismo sénior, de saúde ou de habitação. A explorar no mercado norte-americano e não só. Outra das propostas colocadas em cima da mesa foi a criação de canais de comercialização para os EUA de produtos açorianos. Mas também aqui o governo regional dos Açores encara com prudência o resultado prático dessa visita. Só depois da entrega do relatório prometido se poderá aferir do verdadeiro nível do interesse dos empresários norte-americanos nos Açores”