sábado, novembro 05, 2011

Açores: como uma obra passou de 325 para 487 milhões... e ninguém viu!

Escreve o jornalista do Diário dos Açores, Manuel Moniz, que “o Eixo Nordeste do projeto SCUT de S. Miguel foi realizado sem derrapagem financeira e os valores anuais a pagar pela obra correspondem ao que foi inicialmente previsto”, afirmou Carlos César, presidente do Governo dos Açores, no Nordeste no domingo passado. “O valor atualizado do investimento em 2012 é de 487,4 milhões de euros, o que corresponde exatamente ao valor previsto em 2006 de acordo com a taxa de atualização definida contratualmente”, frisou o presidente do executivo regional. Na sua intervenção, frisou também que “o valor da prestação a pagar em 2013 representa apenas 0,6 por cento do PIB Regional, tal como foi afirmado na cerimónia de assinatura do contrato de concessão em dezembro de 2006”.

O que foi dito ao longo dos anos...

É admissível que o Presidente do Governo sempre tenha sabido que a factura seria de quase 500 milhões de euros. Mas a verdade é que esse valor nunca foi assumido publicamente por qualquer elemento dos seus Governos. O GACS, de acordo com a nossa investigação, tem 212 “notícias” em que a SCUT é abordada, desde o ano de 2002. Em praticamente todas, o único valor que é referido concretamente ronda sempre os 300 milhões de euros. Para se chegar a valores 60% maiores, é preciso ler nas entrelinhas. O único sinal mais próximo desses valores é dado por uma pequena nota do GACS, datada de 3 de Fevereiro de 2005, dando conta que “o Governo Regional seleccionou dois concorrentes para negociação das SCUT”, em que a frase utilizada difere: “O projecto SCUT representa um custo de construção que ronda os 300 milhões de euros e custos de manutenção para os 30 anos de exploração de cerca 150 milhões de euros, ficando a cargo do concessionário o financiamento, a construção, a manutenção e a exploração das vias”. É a única vez que oficialmente é feita uma separação entre a construção e a manutenção. E mesmo assim, a notícia não refere claramente que o valor total seria de 450 milhões de euros, o que só pode ser concluído através da adição das duas parcelas. Este estilo “matemático” continua a acompanhar este processo até aos dias de hoje... O facto é que em 7 de Setembro de 2006, o GACS publica mesmo uma notícia em que refere taxativamente em título: “Projecto SCUT de São Miguel com rendas de 325,3 milhões de euros a liquidar em 30 anos”. E diz claramente que “o projecto de realização de obras em 93,4 quilómetros de estradas na ilha de S. Miguel pelo regime de SCUT vai custar à Região rendas de 325,3 milhões de euros, a pagar em 30 anos, após conclusão do empreendimento, num prazo estimado de cinco anos”. Ainda na mesma notícia, é afirmado que “segundo Vasco Cordeiro, o projecto representará um investimento, em termos de valor actualizado líquido médio, de 12,1 milhões de euros/ano”. Diga-se de passagem que quem fizesse as contas, iria perceber que entre o valor total anunciado e o somatório das rendas havia uma diferença de quase 40 milhões de euros, passando o investimento para mais de 360 milhões... Duas semanas depois, a 21 de Setembro de 2006, Sérgio Ávila “desvalorizou as críticas levantadas sobre o encargo do empreendimento – 325 milhões de euros a liquidar em 25 anos após a sua conclusão – alegando tratar-se de uma despesa anual correspondente a três por cento do Plano de Investimentos da Região”, diz o GACS. Quem fizesse as contas, iria descobrir que esses “3% do Plano” de 2006 representariam 16,7 milhões de euros do investimento total (que nesse ano era de 559,5 milhões, sendo a participação do Plano de 325,8 milhões, embora o Governo raramente refira essa como a verdadeira “verba do Plano” que é. Ou seja, no espaço de 2 semanas, o prazo de amortização baixa de 30 para 25 anos, a “renda” anual passa de 12,1 para 16,7 milhões, e, pelos novos valores, a SCUT iria já custar 419 milhões de euros – ou seja, mais 56,5 milhões que a versão anterior. E em lado nenhum esse total é referido – só chegamos lá fazendo contas... Mas uma semana depois, novos valores: a 27 de Setembro de 2006, o mesmo Sérgio Ávila afirma no Parlamento que “a Região irá despender, ao longo de 30 anos, cerca de 325 milhões de euros a valores actualizados. Isso implicará uma prestação média anual de cerca de 13 milhões de euros”. Ou seja, no espaço de uma semana, o preço total voltou a baixar 94 milhões de euros e o prazo aumenta para 30 anos... Mas o Vice dá mais pormenores nesta factura dos alegados 325 milhões: “A prestação anual mais elevada ocorrerá em 2013, com o montante de 20,6 milhões de euros, e a mais baixa em 2036, com 7,5 milhões de euros. Se pressupusermos, para o período em causa, uma taxa de crescimento médio anual do PIB real dos Açores de 2,5%, aquela prestação de 20,6 milhões de euros representará 0,65 por cento do PIB de 2013, e 0,14% por cento do PIB de 2036, ano final da concessão das SCUT. Medida à luz do investimento público efectuado no corrente ano na Região, essa prestação quedar-se-á pelos 4%, sendo um montante significativamente inferior ao já disponibilizado anualmente na reabilitação da rede viária regional”. O que está errado neste raciocínio? Uma diferença entre os 325 milhões, por ele anunciada, e os 487 milhões anunciados em 2011 obtidos pela mesma lógica...

Sempre 325 milhões, mas as pistas dadas nunca batiam certo

É que três meses depois, a 15 de Dezembro de 2006, foi o próprio Presidente do Governo a assumi-lo, no decorrer da sessão de assinatura do contrato. Disse então que “os encargos do projecto SCUT de S. Miguel representam, apenas, um custo médio anual para a Região correspondente a 3,7 por cento dos investimentos previstos no Orçamento de 2007”. E parece ter decorado as palavras do Vice 3 meses antes, embora ocm ligeiras alterações: “Se projectarmos, para o período (de pagamento das respectivas rendas) uma taxa de crescimento médio anual do produto interno bruto (PIB) real nos Açores de 2,5 por cento, a prestação, em 2013, (ano em que atingirá o seu valor máximo estimado) representará apenas 0,6 por cento do PIB, e não mais de 0,1 por cento do PIB em 2036”. A notícia do GACS finaliza pela conclusão que aparentemente era a oficial: “O investimento será executado num prazo de cinco anos, representando um encargo global de 325 milhões de euros, com uma prestação média anual de 13 milhões de euros”. Pois. A questão nem é o arredondamento feito por César (de 0,65% para 0,6% e de 0,14% para menos de 0,1%). O problema é que “o custo médio anual para a Região correspondente a 3,7 por cento dos investimentos previstos no Orçamento de 2007” anunciado por César dão um número muito diferente desses 325 milhões. Os 3,7% dos cerca de 609 milhões de euros de investimentos previstos no Plano de 2007 significavam na realidade 22,7 milhões de euros de “custo médio anual”... A pagar em 25 anos, isso representaria 563 milhões de euros; e em 30 anos, cerca de 677 milhões de euros...

A conclusão possível...

Tendo em conta todos os números oficialmente apresentados, a confusão é óbvia! E a conclusão também: objectivamente, o Governo nunca falou em valores na ordem dos 500 milhões de euros, e as únicas pistas teriam de ser “tiradas a ferros” fazendo... contas. Um método, no mínimo, muito pouco claro, para além do autêntico ziguezague detectado. Nas suas declarações feitas no Nordeste, Carlos César volta a apelar à capacidade matemática dos açorianos – que, como se sabe, é, em média, medíocre. Mas, mais uma vez, os enunciados não batem certo. Se em 2013 a renda será de 0,6% do PIB previsto, ela terá um valor de 23 milhões de euros, enquanto que a factura de 22,8 milhões de 2018 valerá perto de 0,61% do PIB deste ano. Tendo em conta os valores do Plano, acertou. Só que então o valor de 325 milhões, sucessivamente anunciado, não se destinava a ser lido. Para os açorianos poderem saber quanto custaria a SCUT, teriam de calcular o PIB, com base nas projecções de crescimento de 2,5% ao longo dos próximos 25 anos (que é em 2036). O que se pode neste momento é dizer que em 2036 o Governo espera pagar 9,5 milhões de euros (e não 7,5). Que, diga-se de passagem, pode ou não corresponder aos 0,14% do PIB, pois se a crise não engana, os crescimentos de 2,5%, mesmo que correspondam apenas a inflação, podem não ser garantidos... Aliás, talvez nem seja por acaso que o Presidente nem tenha referido esse valor no seu discurso... Mas nessa altura o Presidente actual talvez já nem se lembre do tempo em que mandava os açorianos fazerem contas e projecções para descobrirem quando custaria uma obra. Outros tempos, sem dúvida, em que poucos questionavam estas coisas dos dinheiros públicos...
Mas objectivamente, a obra já está pronta e as facturas terão de ser pagas, nem que custem afinal mais 100 ou 200 milhões, pois o que quer que os governantes tenham assinado, assinaram-no em nome dos açorianos. Bem mais importante agora parece ser o autêntico crime que o governo mais problemático em obras de portos do mundo se parece preparar para cometer em Rabo de Peixe... E isso é ainda evitável!”

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