domingo, março 20, 2022

Outubro passou a ser época alta? Um retrato do turismo pós-pandemia em Portugal


A atividade turística acelerou em janeiro, depois de Portugal fechar 2021 com um crescimento face ao ano anterior, mas os níveis pré-pandemia ainda não foram alcançados. A trajetória é de recuperação, mas os desafios são muitos. Das regras diferentes no controlo de fronteiras, à escalada do preço dos combustíveis. As prioridades também são novas, e passam pela sustentabilidade e qualificação dos recursos humanos. Fazemos um retrato do setor em 2022, com os números mais recentes a ilustrar.

Quase dois anos depois do início da pandemia, o setor do turismo conseguiu entrar numa trajetória de recuperação, recuperando face a 2020, ainda que continue abaixo dos registos pré-covid. Embora o número de dormidas nos alojamentos turísticos no ano passado tenha crescido 45,2% em relação a 2020, ainda ficou 46,6% aquém do registo de 2019.

De acordo com o INE, os resultados preliminares revelam que, face a 2019, as dormidas nos estabelecimentos de alojamento turístico diminuíram, no total, 46,6% (-10,9% nos residentes e -62,0% nos não residentes). Apenas o último trimestre regista uma aproximação relevante aos números de dormidas em igual período de 2019, com o mês de novembro de 2021 a ficar meio milhão de dormidas aquém do mesmo mês de 2019.

O agravamento dos números da pandemia em Portugal no último mês do ano passado podem ter afastado o cenário de recuperação. De acordo com os números publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), os hóspedes atingiram 14,5 milhões e as dormidas 37,5 milhões em 2021, que se traduziram em aumentos de 39,4% e 45,2% face a 2020.


Para facilitar a leitura, "hóspede" é aquele que efetua pelo menos uma dormida num estabelecimento de alojamento turístico. Já uma "dormida" verifica-se quando se dá a permanência de um indivíduo num estabelecimento que fornece alojamento por um período entre as 12 horas de um dia e as 12 horas do dia seguinte.

No conjunto do ano de 2021, as dormidas de residentes (turismo interno) aumentaram 38,3% e totalizaram 18,8 milhões, o valor mais baixo desde 2017 (com exceção de 2020). Já as dormidas de não residentes (turismo externo) cresceram 52,9% e atingiram 18,7 milhões, o valor mais baixo desde 1993 (com exceção de 2020).

Entre janeiro e dezembro de 2021, as dormidas de residentes representaram 50,2% do total, um valor significativamente acima do verificado em 2019 (30,1% do total).

Dormidas por região

Em 2021, o Algarve continuou a liderar a atividade turística em Portugal, concentrando 29% das quase 37,5 milhões de dormidas nos alojamentos turísticos do país. Porém, o concelho com maior número de dormidas é o de Lisboa e é na Madeira que a estada se prolonga.

O município de Lisboa de registou, em 2021, 5,2 milhões de dormidas (13,8% do total, quase 1/5), que se traduziram num crescimento de 48,8%. Neste período, as dormidas de residentes aumentaram 50,0% e as de não residentes (74,4% do total) cresceram 48,4%. Comparando com 2019, as dormidas diminuíram 63,0% (-40,3% nos residentes e -67,2% nos não residentes).


Seguem-se o município de Albufeira (10,1% do total), onde as dormidas atingiram 3,8 milhões em 2021 e aumentaram 34,7% (+39,9% nos residentes e +30,0% nos não residentes). Comparando com o mesmo período de 2019, registou-se se um decréscimo de 55,7% (+0,1% nos residentes e -71,3% nos não residentes).

Em 2021 a estada média nos alojamentos turísticos em Portugal, segundo o INE, foi de 2,58 noites (acima das 2,47 noites de 2020 e em linha com 2019), e também aqui há disparidades regionais.

As regiões Centro e Norte tiveram em 2021 estadas de duração média de 1,8 noites, abaixo das 2,3 noites da Área Metropolitana de Lisboa e das 2,9 noites nos Açores.

As regiões onde os turistas prolongaram mais as suas estadias são o Algarve e a Madeira, com estadas médias de 4 e 4,7 noites, respetivamente.

Pandemia COVID-19 teve grande impacto na sazonalidade

Metade do número de dormidas em estabelecimentos hoteleiros, em 2021, foi registada nos meses que vão de 1 de agosto a 31 de outubro.

De acordo com o INE (dados preliminares), houve em 2021 "uma distribuição mensal dos resultados diferente do padrão sazonal característico". Isto é, em 2021, "contrariamente ao habitual", não foram os meses de verão (julho a setembro) mas sim os meses de agosto a outubro os que registaram maior número de dormidas (49,6% das dormidas totais), tendo concentrado 53,3% das dormidas de não residentes. Os meses de verão (julho a setembro) concentraram 50,2% das dormidas de residentes.


As regiões que apresentaram maiores taxas de sazonalidade (maior peso relativo dos 3 meses de maior procura relativamente ao total anual), foram o Algarve (57,2%), a Região Autónoma dos Açores (50,1%) e Região Autónoma da Madeira (48,7%), enquanto no Norte, na Área Metropolitana de Lisboa e no Centro este indicador situou-se em 46,3%, 46,4% e 46,5%, respetivamente.

Quem nos visitou em 2021?

Há duas respostas para esta questão. Por um lado, Portugal atraiu mais irlandeses e menos chineses em 2021. Por outro, são os turistas britânicos quem nos visita em maior número.

Quando olhamos para o país de origem de quem nos visita, em 2021, de acordo com o INE (dados preliminares), o Reino Unido manteve-se como principal mercado para o turismo português, representando 16,6% das dormidas de não residentes e tendo registado um aumentou 54,6% face ao ano anterior (2020). Seguiram-se os mercados espanhol (quota de 14,3%), alemão (11,9%) e francês (11,8%).

Em 2021, os principais crescimentos registaram-se nos mercados irlandês (+202,1%), polaco (+169,5%), norte americano (+141,3%) e suíço (+102,8%).

Da lista de 17 maiores emissores de turistas estrangeiros para Portugal apenas quatro países tiveram uma quebra no número de dormidas em Portugal face a 2020: Brasil (-8,7%), Rússia (-8,7%), Canadá (-42,6%) e China (-55,6%).

E em 2022?

Janeiro de 2022 registou uma conjuntura positiva para o crescimento da atividade turística (não o suficiente para atingir valores pré-pandemia). Apesar do aumento de casos associados à variante Ómicron, com novos recordes diários de infeções em Portugal e na Europa, as restrições não eram as mesmas do ano passado, com já grande parte da população totalmente vacinada ou até com a dose de reforço, e com uma maior acessibilidade da população à testagem.

O setor do alojamento turístico registou 853.200 hóspedes e dois milhões de dormidas em janeiro deste ano, o que corresponde a aumentos de 183,7% e 185,9%, respetivamente, em termos homólogos, segundo dados do INE.


Segundo as estatísticas rápidas da atividade turística, publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística, o crescimento observado em janeiro foi superior ao que tinha sido registado em dezembro, mês em que o número de hóspedes em Portugal subiu 148,9% e o de dormidas aumentou 169,7%.

No entanto, os níveis atingidos no primeiro mês deste ano foram inferiores aos observados em janeiro de 2020, quando ainda não havia efeitos da pandemia, com reduções de 39,9% nos hóspedes e 38,8% nas dormidas.

No mês em análise, o mercado interno contribuiu com 857.700 dormidas (+104,5%) e os mercados externos totalizaram 1,1 milhões (+308,7%).

Comparativamente a janeiro de 2020, observaram-se diminuições quer nas dormidas de residentes (-20,1%), quer nas de não residentes (-47,9%). A totalidade dos principais mercados emissores registou aumentos em janeiro, tendo representado 84,7% das dormidas de não residentes nos estabelecimentos de alojamento turístico neste mês. O mercado britânico representou, em janeiro, 14,6% do total de dormidas de não residentes, seguindo-se os mercados alemão (13,4%) e brasileiro (9,4%). Sublinhe-se que em janeiro, 41% dos estabelecimentos de alojamento turístico estiveram encerrados ou não registaram movimento de hóspedes, face a 37% em dezembro.

Alojamento e restauração perderam mais de 76 mil trabalhadores em 2021

O ano passado, o setor do alojamento e da restauração perdeu mais de 76 mil trabalhadores, avança a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), citando dados INE. A associação afirma que o setor perdeu cerca de um quarto da força de trabalho que tinha em 2019. O alojamento turístico e a restauração empregavam, em 2021, 244.400 trabalhadores, representando uma perda de cerca de 25% (76.300) face a 2019, antes da pandemia.

"Apesar de, no verão de 2021, as nossas empresas terem iniciado lentamente a retoma da sua atividade, esta tímida recuperação não encontrou paralelo no emprego, tendo o setor continuado a perder postos de trabalho: entre 2020 e 2021 foram perdidos 47.600 trabalhadores", lembra a associação no seu boletim diário de 9 de fevereiro.

Turismo acredita que prioridades para 2022 serão sustentabilidade e qualificação

O setor do turismo acredita que as principais prioridades da atividade para este ano deverão passar pela sustentabilidade e qualificação dos recursos humanos, segundo os resultados de um inquérito do IPDT - Turismo e Consultoria.


O inquérito, que inclui a opinião de operadores, empresários, associações, estabelecimentos de ensino e municípios portugueses, aponta “cinco grandes linhas orientadoras para o turismo nos próximos meses”.

De acordo com a entidade, “quase 40% dos que responderam ao inquérito do IPDT referem a necessidade de promover a sustentabilidade, que deverá ser um compromisso para o futuro”, sendo que “em segundo lugar, com 24% das respostas, surge a capacitação dos recursos humanos das empresas, a fim de atingir a excelência no serviço prestado”.

Esta Agenda Turística 2022 do IPDT aponta ainda, com 19% das respostas, “a carga fiscal que é imposta ao setor atualmente”. “Numa altura em que o turismo necessita de se fortalecer para recuperar, os respondentes acreditam que os impostos demasiado elevados são um dos fatores que mais prejudica a competitividade das empresas do turismo”, lê-se na mesma nota.

Também com 19% surge “a promoção internacional do destino, um trabalho que já vem sendo feito, mas que é preciso continuar a reforçar”, sendo que “o investimento em inovação e digitalização encerram o top das cinco principais medidas sugeridas para o turismo em 2022”.

“O estudo analisa ainda temas como a valorização de territórios de baixa densidade, as redes de transportes e acessibilidades, os eventos e espetáculos culturais, o turismo interno ou a imagem de Portugal, enquanto vetores de competitividade do destino”, indicou o IPDT.

Uma recuperação... instável

Depois de se olhar para o panorama nacional, importa perceber quais as perspectivas para o setor a nível internacional. Um relatório anual do Economist Intelligence Unit (EIU), um serviço de consultadoria e análise do The Economist, lança algumas pistas para o que se observará em 2022. Dois anos depois do início da pandemia, o cenário será de recuperação? Mais ou menos.

Vivemos tempos de instabilidade, e o setor do turismo será certamente afetado pela conjuntura atual. A incerteza marca, aliás, o tom das linhas gerais que fazem a antevisão de 2022.

De acordo com a EIU, as viagens internacionais, apesar de registarem alguma recuperação, não regressarão aos níveis de 2019, ficando 30% abaixo dos números pré-pandemia, sobretudo devido ao número ainda reduzido das viagens de negócios.

Viajar vai continuar a ser muito diferente num mundo pós-pandemia covid-19. Os diferentes níveis de controlo nas fronteiras (obrigatoriedade de máscara, testes e quarentena) e a falta de uniformização dos certificados digitais de vacinação (alguns países só aceitam vacinas aprovadas pelas agências locais do medicamento) continuarão também a dificultar as viagens internacionais em 2022, acrescenta o relatório.

Num terceiro nível, o cumprimento das regulamentações sobre as mudanças climáticas, bem como a escalada dos preços dos combustíveis, aumentarão os custos das viagens aéreas em 2022. A nível regional, a recuperação nas viagens internacionais será mais lenta nos países do continente asiático e mais rápida no norte da América — sempre abaixado dos valores de 2019, sublinhe-se (SAPO)

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