Escreve a jornalista do Público, CATARINA GOMES que “o
jornal defende que está em causa “interesse público" porque existe
"uma curiosidade das pessoas em geral sobre aspectos da vida do futebolista".
O Correio da Manhã foi condenado por crime de devassa da vida privada agravada,
por causa de uma notícia sobre a mãe do filho do futebolista Cristiano Ronaldo.
A fonte de informação do artigo, uma antiga ama da criança, foi condenada pelo
mesmo crime, refere a sentença dos Juízos Criminais de Lisboa, conhecida na
passada sexta-feira. O jornal vai recorrer da decisão.
Em causa está a notícia Ama revela segredos do clã
Aveiro, publicada a 6 de Agosto de 2011 na revista Vidas deste jornal, em que é
ouvida Maria Manuela Rodrigues, que tomou conta do filho de Cristiano Ronaldo
durante 10 meses. A ama dá pormenores sobre a forma como o filho do jogador de
futebol teria sido concebido, dizendo que, para ser pai, Ronaldo teria
recorrido aos óvulos de uma mulher e à barriga de outra. No dia seguinte, a 7
de Agosto, o jornal Record publica uma notícia com o mesmo teor, não assinada,
intititulada A secreta mãe de Cristianinho. Apesar de também ter sido acusada
neste processo, a publicação desportiva acabou absolvida, por não se ter
provado o envolvimento dos seus jornalistas, um vez que a notícia não era
assinada. Recorde-se que, quando o filho do futebolista nasceu, a 4 de Julho de
2010, este anunciou na sua página do Facebook que tinha sido pai, escrevendo:
“Conforme combinado com a mãe do bebé, a qual prefere manter confidencial a sua
identidade, ficarei com a custódia exclusiva do meu filho. Não serão reveladas
mais informações sobre assunto e peço a todos que respeitem integralmente o meu
direito (e o da criança) à privacidade”. Em conflito neste caso estão sobretudo
dois direitos. O Correio da Manhã e o Record dizem que a notícia se enquadra no
direito à liberdade de expressão e de imprensa, defendendo haver “interesse
público legítimo e relevante” na informação. Já o futebolista acusa os jornais,
na pessoa dos seus directores e jornalistas, de terem violado o seu direito à
reserva da intimidade da vida privada, crime punível com pena de prisão até um
ano ou com pena de multa até 240 dias. O juiz deu razão ao futebolista. O
director-adjunto do Correio da Manhã, Armando Pereira, foi condenado a uma
multa de 3900 euros, enquanto as duas jornalistas que assinaram o artigo terão
que pagar 800 euros cada uma. Também a ama, “depositária da confiança da
família”, foi multada em 1530 euros.O advogado de Cristiano Ronaldo, Rui
Patrício, considera que “a sentença constitui um marco importante acerca do
equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a reserva da vida privada.” Já o
director do Correio da Manhã, Octávio Ribeiro, diz que a grande questão neste
caso é o facto de a lei portuguesa proibir a existência de crianças de pai ou
mãe incógnitos: "Isso era antes do 25 de Abril. Acha que algum bebé em
Portugal pode não saber quem é o pai ou a mãe?". Na sua opinião, com esta
decisão "a partir de agora há uma justiça para pobres, outra para ricos e
outra para o Cristiano Ronaldo". A sentença aborda a questão, mas frisa
que aquilo que é público "é a filiação e os demais dados do assento de
nascimento, não a forma de concepção". Os jornais disseram em sua defesa
que é Cristiano Ronaldo quem escolhe expor a sua vida privada, nomeadamente
“publicando nas redes sociais comentários e fotografias do ‘Cristianinho’” e
dando entrevistas em que “mostra as suas casas, onde dorme, onde come, onde
passa os aniversários dos seus familiares”. O juiz considerou, porém, que “os
arguidos tinham perfeita noção de que a notícia incidia sobre a esfera da vida
privada, pois incidia sobre factos relacionados com a forma como terá sido
concebida a criança.” Os jornais invocam “o interesse público evidente",
uma vez que, "como é público e notório existe uma curiosidade das pessoas
em geral sobre aspectos da vida” do futebolista. Um argumento que o tribunal
não acolhe, dizendo que “os arguidos parecem confundir o interesse público com
o interesse do público”. Existiria “interesse público relevante” se estivessem
em causa “factos cujo acontecimento pudesse influir no leque de escolhas que o
cidadão tem o direito de fazer nos planos social, político, cultural e
económico, numa sociedade democrática e aberta”. Ora nada disse acontece, uma
vez que o que está em causa “é a satistação da natural, admite-se, curiosidade
sobre aspectos da vida privada de alguém que alcançou notável de projecção
mediática”. A situação seria diferente se estivessem, por hipótese, em causa
“actos da vida privada de um estadista ou de alguém que, por qualquer forma,
gere a coisa pública”, refere a sentença. “Sem desprimor (...), por mais
conhecido que seja", Cristiano Ronaldo "não deixa de ser apenas um
mero desportista”, não estando em causa nenhum facto relacionado com a sua
actividade profissional"