Segundo
o DN de Lisboa, num texto do jornalista Luís Manuel Cabral, “o TdC detetou situações nos
acordos de concessão das águas que lesam câmaras e munícipes. Recomenda revisão
dos contratos com taxa de lucro superior a 10% O lucro dos privados está sempre
garantido até mesmo se o negócio correr mal – leia- se menos clientes, menos
faturação, aumento do custo da água comprada, perdas de água, dívidas
incobráveis. As câmaras asseguram o risco e a rentabilidade do parceiro
privado. E quando não é o município a garantir o lucro previsto pelas empresas,
então quem paga é o cidadão, que vê o tarifário da água aumentar. Sim, falamos
do negócio da água que chega à torneira dos portugueses e que foi alvo de uma
auditoria do Tribunal de Contas ( TdC), a qual concluiu que a maioria das
concessões a privados tem cláusulas que prejudicam o interesse público.
Verdadeiros “contratos leoninos”, diz o TdC. Do universo de 27 parcerias
público- privadas ( PPP) do sector das águas e saneamento, o Tribunal de Contas
analisou detalhadamente contratos/ aditamentos/ protocolos relativos a 19 concessões
municipais. E a auditoria desta entidade detetou situações preocupantes, que
prejudicam as câmaras e os munícipes e permitem uma margem de lucro para os
privados acima do recomendável neste tipo de parcerias ( 8% a 10%, no máximo). Há
empresas, como a espanhola Aquália, que na concessão das águas de Campo Maior
chega a ter uma taxa interna de rentabilidade ( TIR) de 15,50%. Ou seja, em
cada cem euros investidos, a empresa tem sempre garantido um ganho de 15,5
euros. O Tribunal de Contas considera “inaceitáveis” alguns dos valores da TIR
acionista que encontrou e exige que a entidade reguladora do sector ( ERSAR)
promova a revisão dos contratos. A recomendação é que o lucro não seja superior
a 10%.
“As expectativas de
remuneração inicial dos acionistas da concessionária devem ser revistas em
baixa, em face das alterações de circunstâncias e por razões fundamentadas de
interesse público (...) Neste contexto, as TIR acionistas devem ser revistas em
baixa, especialmente nos casos em que são superiores a 10%, no sentido de
promover um maior equilíbrio entre os contraentes público e privado e
respetivos utilizadores”, diz o Tribunal de Contas, presidido por Guilherme
d’Oliveira Martins. No universo de 27 concessões municipais de águas, a taxa
interna de rentabilidade oscila entre os 9,5% ( Cascais, concessionada à
Aquapor e AGS, empresas detidas por construtoras) e os 15,5% ( Campo Maior).
Entre os contratos que evidenciam o maior nível de expectativa de remuneração
acionista estão ainda o do Fundão, 15,31%, de Elvas, 13,085% e do Cartaxo com
13,39%. Todas estas concessões integram o grupo económico Aquália. Também as
concessões de Alenquer, Azambuja, Feira, Matosinhos e Vila do Conde apresentam
TIR efetivas superiores a 10%. O Tribunal de Contas recomenda igualmente a
eliminação progressiva de cláusulas contratuais que colocam demasiado peso
sobre as câmaras. Por exemplo, quando não são atingidos os consumos previstos,
seja porque razão for é a câmara que tem de pagar a diferença. Na opinião do
organismo liderado por Oliveira Martins, o Governo terá de intervir rapida
-mente no sentido de alterar a legislação. E nesse sentido propõe que se acabe
com aquilo que considera “uma cláusula leonina, que prejudica claramente o
interesse público”: o facto de os municípios apenas poderem exigir a revisão do
contrato de concessão, caso este perspetive uma taxa interna de rentabilidade
para o investimento acionista superior ao dobro daquela que consta no caso base
inicial. Considera o TdC ser necessário a “adoção de pressupostos económicos,
financeiros e técnicos prudentes”, em futuras concessões, no sentido de
garantir a sustentabilidade económico--financeira das parcerias, “evitando
potenciais reequilíbrios com repercussões negativas ao nível do tarifário”.
Contratos armadilhados
A análise às PPP das
águas revelou contratos assentes em projeções irrealistas e nefastas para o
interesse público. “De acordo com as boas práticas e os princípios de partilha
de risco de uma PPP/ concessão, o risco de insustentabilidade financeira de uma
PPP resultante de riscos de mercado, riscos de procura, riscos financeiros,
riscos de construção e de exploração deve ser, tanto quanto possível,
transferido para o parceiro privado, o que, de facto, não se verificou em quase
todos contratos analisados”. E o TdC cita como exemplo as concessões de
Barcelos, Fundão, de Valongo, Paços de Ferreira e Santo Tirso/ Trofa. Cerca de
74% dos contratos garantem o pagamento de consumos mínimos que, se não forem
atingidos pelos munícipes, as autarquias pagam. É o caso das concessões de
Barcelos, de Paços de Ferreira, de Paredes, de Carrazeda e de Marco de
Canaveses nas quais os consumos efetivos estão abaixo do previsto em mais de
20% e são as câmaras a suportar a faturação em falta.
“As projeções adotadas
quanto ao crescimento populacional, bem como as capitações estimadas,
apresentam, em muitas destas concessões, um desfasamento substancial da
realidade de muitos municípios. Estas estimativas foram fornecidas e aprovadas
pelas entidades concedentes, sem que fossem previamente auditadas”, co - mo
acontece em Barcelos e Carrazeda de Ansiães. OTdC constatou também que o
“investimento da responsabilidade das entidades gestoras foi concretizado e
dimensionado para dar cobertura a uma expetativa de crescimento populacional e
de consumos que, na prática, também não existiram.” Nesta situação está
Barcelos. Em 99% dos processos de reequilíbrio económico- financeiro dos
contratos analisados, as reposições foram realizadas através de alteração do
prazo das concessões, da eliminação ou redução das retribuições a pagar aos
municípios e da alteração dos tarifários. Como consequência dos processos de
reequilíbrio das concessões, cerca de 26% dos municípios tiveram redução, ou
mesmo eliminação da retribuição da concessão, como foi o caso das concessões de
Fafe, Santo Tirso/ Trofa, Ourém, Trancoso e Valongo. Já na concessão de Campo
Maior, sempre que ocorreram alterações contratuais registou- se o aumento das
tarifas de água”