“A operação do IGCP que se realizará hoje de tentar
amortizar parte das obrigações do tesouro (OT) que venciam em 2014 e 2015 faz
todo o sentido, sob vários pontos de vista, e espero que seja um sucesso.
O Tesouro
português tem hoje depósitos com uma rentabilidade quase nula junto do Banco de
Portugal por razões de precaução. A ideia inicial do IGCP era manter esses
depósitos até final de 2014 e só os usar, significativamente, em 2015 (8200
milhões de euros) mantendo nesse ano e seguintes uma verba de 6400 milhões.
para eventuais necessidades de recapitalização da banca.
Antecipar o uso de parte dos depósitos para 2014 tem
várias implicações. Devolve liquidez ao mercado para eventuais interessados na
compra de dívida, reduz os juros da dívida, que cidadãos e contribuintes estão,
neste momento, a pagar, e reduz o montante da dívida pública (bruta). Este
último aspecto é muito importante, posto que em Setembro deste ano o Eurostat
vai obrigar a que saia mais dívida de debaixo do tapete, isto é, que a dívida
de várias empresas públicas (Parpública, Hospitais EPE, etc.) comece a
contabilizar para a dívida pública.
Esta antecipação pode efectivamente indiciar duas coisas
diferentes. A primeira é que o Governo está mais optimista em relação às
condições de mercado, mesmo em situação de “saída limpa”, pelo que a
necessidade de amealhar para precaução é muito menor. Desde logo os custos
dessa saída reduzem-se, embora as taxas a que o governo agora se consegue
financiar a dez anos (4,8%) sejam ainda
incomportáveis a prazo. A segunda é que o Governo estaria a trabalhar num
programa cautelar de assistência financeira, isto é uma linha de crédito de
precaução junto do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), com taxas mais
aceitáveis (perto dos 3%) e, por isso, não precisaria desse grande volume de
depósitos.
Como já se percebeu, o programa cautelar tem sempre um
memorando associado e as condições impostas pelos credores podem ser mais ou
menos duras. Tudo indica que a “saída limpa” dos irlandeses se deveu a
exorbitantes condições impostas por alguns credores que aqueles rejeitaram. Uma
coisa parece segura: antes das eleições europeias não deverá haver nenhuma
decisão pública na Europa sobre o programa cautelar até porque há importantes
forças políticas na Alemanha, Estónia, Finlândia, França e Holanda
que são contra a própria existência do MEE.
A saída será provavelmente “limpa” o que não quer
dizer que o Governo, a quem cabe a iniciativa, não esteja a preparar um
cautelar, que pode perfeitamente ser solicitado depois das eleições e accionado
se necessário” (texto de PAULO TRIGO PEREIRA, Público, 27 de Fevereiro de 2014, com a devida vénia)