domingo, fevereiro 23, 2014

Opinião: "Social-democracia, dizem eles"

"1 - O PSD sente-se perdido. Só isso pode explicar que o seu líder diga sem titubear que “o país está melhor” ou que o seu líder parlamentar, Luís Montenegro, afirme numa entrevista ao Jornal de Notícias que “a vida das pessoas não está melhor, mas o país está”.
Não se consegue perceber como pode um país com tanto desemprego, mais pobre, mais velho e cada vez mais obrigado a emigrar possa estar melhor. A menos que seja uma entidade feita de objectos ou de folhas de cálculo, o país não está melhor. Pode estar a corrigir males antigos, pode estar em melhor forma para encarar o futuro, mas não são estados de alma que determinam o estado de um país. É a condição da vida das pessoas. E se essa condição piorou, a declaração de Montenegro ou é lapsus linguae ou uma tentativa de mistificação.
O PSD sente-se confuso. O que diz Vítor Gaspar sobre a sua passagem pelas Finanças e pelos resultados da aplicação do programa da troika entranhou-se na maré de dúvidas dos seus militantes. Como se pode afirmar, como fez Gaspar, que “o programa de ajustamento português, de modo geral, foi, muito bem-sucedido” para logo depois reconhecer que “os limites iniciais do programa não foram cumpridos”? O que está aqui em causa, um estado de espírito ou uma realidade capaz de se objectivar? A resposta parece fácil, mas no PSD há quem siga a escola de Gaspar e a contrarie. “Na moção do primeiro-ministro [apresentada ao congresso do partido] não há vestígio de capacidade de reconhecer os problemas que nos sufocam”, nota Viriato Soromenho-Marques no DN. “Gaspar omite o outro lado do sucesso”, escreve Nicolau Santos na sua coluna no Expresso. A omissão deu lugar à negação e a negação revelou-se sob a forma de um discurso redentor e imaginário que o PSD “oficial” usa como arma política.
O PSD sente-se deslavado. Dois anos e meio de austeridade abalaram-lhe a identidade, esfacelaram-lhe a matriz, minaram-lhe o amor-próprio. O congresso que decorre em Lisboa teria por isso de ser aproveitado para uma sessão de psicanálise. Como um momento de reeducação. Marco António Costa, presidente do PSD, prometera à Visão que a agremiação iria ao Coliseu “recordar e reafirmar a matriz social-democrata”. A moção do partido do Porto pede o “regresso” à ideologia. O PSD Lisboa quer que o partido se volte a “aproximar da sociedade” e evite “fenómenos que desvirtuem a verdadeira social-democracia”. No seu discurso de abertura do congresso Passos Coelho tratou de atacar a desorientação das hostes e garantiu, com ar sério, que “não há hoje menos social-democracia do que há 40 anos quando [o PSD] se constituiu e quando Sá Carneiro e outros deram os primeiros passos na Ala Liberal”.
O PSD sente-se desmemoriado. Não se sabe que livros anda a ler o primeiro-ministro, e ainda menos que reflexão produziu para deduzir tanta vitalidade social-democrata no seu partido. Não devem ter sido leituras de Bernstein ou de Gunnar Myrdall, nem o estudo da acção de Olof Palme ou de Willy Brandt. E, por simples causalidade, nem a inspiração de Sá Carneiro. Talvez Passos e o seu estado-maior acreditem com razão que as ideias e os programas políticos são evolutivos, que não se podiam aplicar num país aflito do século XXI as receitas de há 100 ou 50 anos. Talvez consintam que lhes basta um pouco de sensibilidade social e de amor pelo próximo para se reclamarem de esquerda. Ou talvez julguem que nestes tempos de relativismo baste salvar dos cortes quem recebe 500 euros por mês para proclamar uma política de justiça social e de redistribuição.
O PSD sente-se desorientado. Passos e o PSD que dirige precisam de se redefinir, de reencontrar uma bandeira. De provarem ao país que não são um partido que, no poder, navega à bolina ao sabor dos ventos da troika. Mas se esse exercício se entende como necessidade política, não precisa de ser equívoco ou falso. O PSD de Passos que propõe amplas reformas na Constituição, que apoia a transferência de rendimentos do trabalho para as contas das empresas via tentativa de reforma da TSU, que flexibiliza os despedimentos, que corta nos subsídios de desemprego, no apoio à maternidade ou ao rendimento social de inserção, o PSD que vitupera as funções públicas e que exorta os indivíduos a libertarem-se do Estado que a social-democracia ajudou a construir como projecção das ambições sociais não pode ser um partido social-democrata.
O PSD sente-se estranho. Não vem mal nenhum ao mundo o PSD ter metido a social-democracia na gaveta, ou ser um partido hoje muito mais próximo dos liberais alemães ou britânicos do que do SPD ou dos Trabalhistas. Seria até tolerável aceitar que o partido reconhecesse que o seu programa político natural, que exige recursos para os redistribuir, não poderia ser aplicado num país à beira da falência. Não seria até despautério considerar que os portugueses não empobreceram apenas porque já estavam pobres sem o saber antes de a troika aterrar em Lisboa, como recordava Helena Garrido no Negócios. A social-democracia é um bem caro, que exige economias pujantes.
Para o PSD se ajustar ao presente sem renegar o passado, bastaria ter congelado por um lapso de tempo as suas teses à luz da realidade. De as temperar com pragmatismo. Não precisava de as substituir nem de alienar os militantes que as conservaram nem de vituperar os que têm ideias sobre a política e o poder que vão pala lá das banalidades sobre mercados. Não precisava, nem podia, pretender ir além da troika nem de aplaudir com entusiasmo o seu programa, construído com a melhor das liturgias do Consenso de Washington. Porque foi contra muito desse receituário que se moldou a essência da social-democracia. Estar no outro campo das ideias e reclamá-las apenas para mitigar uma orfandade ideológica é um exercício de utilidade duvidosa. O PSD de Passos há-de ter dificuldade em regressar ao que não tem sido para tentar ser o que outrora foi. Pois, é confuso.  
2 – Com excepção do Santander Totta, do BIG e do BPI, os bancos portugueses apresentaram resultados terríveis. Não se pode esperar que uma economia débil, com problemas de financiamento, seja capaz de servir de base a uma banca forte. Nem se pode acreditar que anos e anos de concessão generosa de crédito que esbarraram na pior recessão em décadas deixassem nas suas contas imparidades fáceis de limpar. Talvez fosse possível tergiversar, tapar buracos aos poucos, escondendo-os debaixo do tapete, de iludir os números com engenharia contabilística. Mas o tempo em que Vítor Constâncio viveu no Banco de Portugal, o tempo das facilidades, da irresponsabilidade e dos fretes ao Governo acabou. Para bem do país e para bem da banca, é Carlos Costa quem manda no banco central.
Num tempo em que se exige verdade e transparência, a pouca distância do momento em que a supervisão passará para o Banco Central Europeu, a instituição de Carlos Costa não se contentou em auditar as contas dos bancos nacionais. Foi saber do estado financeiro de 12 dos seus principais clientes. Para averiguar se as suas dívidas à banca são sustentáveis ou se devem passar para o capítulo das imparidades. Com este movimento, o Banco de Portugal forçou a transparência do sector. Obrigou bancos a desfazerem-se de negócios que desde a sua origem exalavam o odor do favor ou do interesse político. No final de 2013, as contas da banca eram más. Mas eram mais verdadeiras" (texto do jornalista do Público, MANUEL CARVALHO, com a devida vénia)