"O governo de coligação está desesperado e quer, a todo o custo,
envolver o PS nas próximas decisões que tomará, até final deste mês no âmbito
da anunciada (e polémica) contenção da despesa pública, tentando deste modo
partilhar com o maior partido da oposição e negociador do memorando de
entendimento com a tróica de Maio de 2011, o ónus político (e eleitoral) que a
implementação de um pacote de medidas de forte redução da despesa pública
acarreta, a que se junta o impacto de uma criminosa austeridade que durante
muitos anos (e gerações) pagaremos.
Penso que o governo de coligação, hoje claramente desacreditado,
desprezado e hostilizado, atrasou o processo, com a cumplicidade da tróica,
para ganhar tempo para que tudo fizesse no sentido de trazer o PS de Seguro ao
"comboio" da austeridade que os socialistas foram os primeiros
responsáveis.
O problema é que, neste contexto, o governo de coligação, numa
demonstração, mais uma, da sua inexperiência, incompetência e fragilidade,
cometeu dois erros, um deles essencial, o outro consequência do primeiro.
O primeiro erro teve a ver com o discurso político e com a
hostilidade face ao PS, expressa quer no discurso oficialista quer implementada
pela incompetente propaganda do governo de coligação. Compreende-se que a
coligação ainda no poder tenha sentido grandes dificuldades em encontrar
justificações aos portugueses para as decisões que foi tomado ao longo dos
últimos dois anos, que nada tem a ver com o que foi prometido na campanha
eleitoral - o que coloca em evidência a falta de carácter deste gangue que nos
governa e faz ressurgir o embuste e a mentira em que assentou a chegada ao
poder desta gente, à custa da mentira, da demagogia e da aldrabice.
A necessidade de apontar responsabilidades a terceiros, a urgência
de repetidamente culpabilizar, em concreto, o PS e a desgovernação socialista
de Sócrates, levou o governo de coligação a reforçar a agressividade do
discurso político contra os socialistas. Mas à medida que percebeu que a sua
estratégia não estava a resultar e que a contestação social estava (está) a
crescer. O problema é que quando pretendeu recuar, optando por uma outra
estratégia (a de envolver o PS), já era tarde.
Por um lado, porque se ficou a saber, provavelmente em mais uma
daquelas fugas de informação "controladas" e tontas da propaganda
deste governo de coligação, dos cortes de cerca de 4 mil milhões de euros na
despesa pública, sem se conhecerem critérios nem prioridades sociais. Era o
esboço inicial de um claro ataque ao chamado estado social, relativamente ao
qual tenho muitas dúvidas, quer sobre a legitimidade deste governo para o
fazer, quer sobre a constitucionalidade das medidas que porventura pretenderá
impor.
Por outro lado, segundo aspecto negativo, era mais do que evidente
que passados dois anos de ataque político quase permanente, por parte da
coligação os socialistas sentiam-se ostracizados, ofendidos, humilhados. O
entendimento, salvo se surgir uma ponte credível entre as duas partes,
dificilmente será possível, até porque o PS não quer correr o risco, num
cenário para-eleitoral, de ser atacado e pressionado não só na rua mas ser
também pressionado pela esquerda, que apesar de contar pouco ou nada neste
quadro, alimenta dúvidas quanto a um inevitável crescimento eleitoral do PCP e
do Bloco à custa da crise e da insatisfação popular e não por qualquer mérito
próprio que não têm, dado que terão atingido a dimensão eleitoral real.
Ou seja, quando o governo de coligação,
pressionado, desesperado e com medo de cair pela força da rua, porventura por
uma violência crescente relativamente à qual a própria Presidente do FMI
manifestou preocupação recente, pretendeu estender a mão ao PS - e fê-lo
inúmeras vezes, através de ministros, deputados, dirigentes, comentadores, etc.
- os socialistas já estavam distantes. Distantes, desde logo, devido aos
problemas internos, às disputas pela liderança do partido, à pressão das
autárquicas, à pressão política mais recente resultante do regresso de Sócrates
aos écrans da RTP na qualidade de comentador
político. Mas pressionados sobretudo pela frustração das sondagens, já que
nenhuma delas dá ao PS, apesar de o colocar sempre como partido mais votado,
uma diferença eleitoral suficientemente tranquila para poder impor-se no
contexto político nacional como solução governativa liderante.
O PS não quer acordos governativos com o
PCP e o Bloco. Eventualmente ensaiaria a solução de um governo minoritário, o
que politicamente seria desastroso porque o colocaria à mercê de amuos de
políticos na oposição. A solução mais plausível, em meu entender, embora
dependente dos resultados eleitorais e da amplitude do desgaste que o CDS possa
sofrer, seria a tentativa de um entendimento com os populares - aliás já foram
parceiros no governo de Lisboa e em coligação eleitorais em todo o país,
Madeira incluída - e, caso necessário, com grupos de deputados específicos (por
exemplo, os deputados das regiões autónomas), tal como acontece noutros países
europeus.
O segundo erro do governo, associado ao
primeiro, tem a ver com o facto da coligação PSD/CDS ter perdido espaço de
manobra negocial com os socialistas no parlamento, levando-os à apresentação de
uma moção de censura embora neste caso - até porque a iniciativa política do PS
de Seguro acabou por revelar-se desastrada, sem consistência, sem fulgor, sem
um discurso político contundente, sem a apresentação de alternativas credíveis
à governação que se exigia naquele momento – esteja convencido que Seguro foi
pressionado a fazê-lo sob pena de poder ser questionada a sua liderança em
vésperas de um novo congressos e consumado o regresso de Sócrates,
reconhecidamente um animal político com uma grande capacidade comunicacional e
de manipulação discursiva. O problema é que os socialistas se convenceram que o
governo de coligação – que tutela a RTP – foi conhecedor atempado da proposta
da estação pública e incentivou-a provavelmente a pensar no impacto da presença
semanal de Sócrates, descreditado aos olhos dos cidadãos é certo, mas
eventualmente perdoado e recuperado pelas bases do PS - facto que colocaria
problemas complexos de afirmação a Seguro obrigando-o a uma mudança política.
Maquiavelismo puro, com algum sentido e muita lógica.
Neste momento o que temos e em que
situação nos encontramos? Pressionado pelo recente acórdão do TC, o governo de coligação
resolveu acelerar o processo de imposição da redução da despesa pública,
pressionado pela tróica mas sobretudo pela urgente necessidade de encontrar,
segundo o discurso oficial, uma alternativa ao impacto orçamental decorrente da
decisão do Constitucional. Basicamente o governo de coligação serviu-se da
decisão do TC para implementar algo que estava adormecido, por falta de coragem
política e à procura do tempo certo. O governo de coligação disse sempre que
não tinha um "plano B" caso a decisão do TC fosse desfavorável, como
todos suspeitavam que seria. Não precisava de "plano B". Tinha uma
alternativa que agora quer aprovar. Daí a dramatização em torno do acórdão do
TC, instrumento fundamental para avançar com o corte da despesa pública pensado
e negociado com a tróica no ano passado. O governo tem um plano de cortes da
despesa pública, concluído em Outubro do ano passado, que aponta para cortes de
4,5 mil milhões de euros na despesa pública, contendo muitas opções que
resultam de exigências da tróica. E que vão agravar a instabilidade social,
algo que o governo de coligação tentou travar coma palhaçada da dramatização em
torno do acórdão do TC.
Percebe-se
por isso que, neste quadro, o PS não esteja interessado em acordos com um
governo desacreditado, algo moribundo e que teme ser alvo de crescente e mais
acentuada contestação social, proporcional ao anúncio dos cortes da despesa
pública que na realidade mais não são do que tentar passar encargos do Estado
para as famílias e as empresas já sem margem de manobra e sem rendimentos
disponíveis para mais despesas. Penso que caminhamos para a implosão social da
responsabilidade exclusiva deste governo desprezível e dos partidos que o
suportam"
(JM)