"A alteração da Taxa Social Única, com um grande aumento para os trabalhadores e uma redução substancial para as empresas, poderá funcionar na prática como uma ajuda indirecta ao sistema financeiro. Os bancos poderão assim evitar mais crédito mal - parado e até encaixar dinheiro de que precisam para cobrir imparidades que estão a aumentar; as empresas, altamente endividadas, poderão reduzir o incumprimento ou até pagar algumas dívidas aos bancos. Se não é esta a causa, parece ser este o efeito. Desconhece-se se a Troika e o Governo combinaram as alterações da TSU com o objectivo de ajudar indirectamente os bancos. Seria um processo de intenções afirmá-lo taxativamente. Mas a verdade é que, até agora, quase ninguém compreendeu a medida anunciada com tanto dramatismo por Pedro Passos Coelho, no dia 7 de Setembro, dizendo que a situação era muito difícil. As alterações da TSU são um erro económico porque reduzem a procura interna e destroem emprego em vez de o criarem; são um erro de finanças públicas porque não combatem o défice, só geram 500 milhões de receita, uma gota de água face às necessidades adicionais de cobertura do défice do Estado, avaliadas em 4.900 milhões de euros pelo próprio Governo; são um erro político, porque minam a base de confiança e a aceitação de qualquer outra medida de austeridade que o Governo tome ou venha a tomar – e são uma injustiça social, porque representam uma transferência de recursos do trabalho para o capital. Como quase toda a gente diz isto, continua sem se perceber a insistência do Governo na medida. Remodelada, calibrada, modulada, acrescida, parcialmente diminuída, seja como for, apesar da crise política que está a provocar, continua sobre a mesa.
Vejamos melhor: quase toda a gente está contra, mas nem toda a gente se pronunciou.
Os principais banqueiros do país, habituados a comentar qualquer nova medida de política económica, financeira e fiscal, mantém silêncio sobre esta matéria. A excepção foi José Maria Ricciardi, presidente executivo do BES Investimento, que elogiou a medida em declarações feitas fora do país. Entre as grandes empresas do chamado sector de bens e serviços não transaccionáveis, a atitude é de discrição. Só o presidente executivo da EDP falou em público sobre a medida, para a elogiar e sugerir que, em contrapartida, até pode baixar os preços da electricidade. Mas não disse que vai criar novos empregos, principal razão invocada por Passos Coelho e Vítor Gaspar para justificar a alteração da TSU. Enquanto a polémica sobe de tom, a SIC dá conta de que o grupo Caixa Geral de Depositos vai ter de registar ainda mais imparidades em 2012 do que no ano passado, acima de 1,2 mil milhões de euros. Os resultados líquidos do banco público, no final do ano, arriscam-se a ultrapassar os 400 milhões de euros de prejuízo de 2011. Mas não é só este grupo que está a ser afectado pelo aumento das imparidades. A SIC confirmou junto de fontes altamente colocadas no sector bancário que os principais bancos portugueses vai ter de reconhecer mais imparidades ainda este ano e também em 2013. Boa parte devida à compra de acções na bolsa cujas perdas ainda não foram completamente reconhecidas; Outra parte devida a apostas em investimentos imobiliários que entretanto perderam parte substancial do valor que ainda está contabilizado. Só no Algarve, as perdas a reconhecer poderão atingir vários milhares de milhões de euros…
Neste cenário, poderia encarar-se o recurso a novas ajudas aos bancos, directamente pelo Estado e através da reserva de 12 mil milhões de euros disponibilizada no âmbito do Programa de Assistência Financeira para a recapitalização da banca. Mas se este já foi um processo tão traumático para os actuais accionistas, que tentaram condicionar a entrada de representantes do Estado e as regras impostas pelo financiador público, porque não pensar em alternativas?
Voltemos então à proposta para a alteração da TSU, que a esmagadora maioria dos portugueses continua a não entender.
Os trabalhadores sofrem um aumento de 64 por cento da taxa de desconto para a Segurança Social – que sobe de 12 para 18 por cento, garantindo uma receita de 2.800 milhões de euros. As empresas beneficiam de um cheque imediato de 2.300 milhões de euros de devolução desta receita, com a baixa da taxa de 23,75 para 18 por cento. Todas as empresas beneficiam. As que exportam e as que não exportam, as que enfrentam a concorrência e as que estão em mercados protegidos. Praticamente nenhuma vai criar emprego, já o disseram. E as empresas orientadas para o mercado interno vão enfrentar uma queda ainda maior da procura dos seus bens e serviços.
Mas há, de facto, um efeito em cascata que é preciso considerar.
Com algum dinheiro em caixa, as micro e pequenas empresas que já estão em risco, evitam fechar portas mais cedo. Poderão ir à falência, mas um pouco mais tarde. Os créditos à banca poderão continuar a ser pagos por mais algum tempo…o mal - parado bancário continuará a subir, mas menos. As médias empresas terão também mais algum tempo para respirar. Algumas adiam a falência, outras aguentam o negócio… outras até juntam alguns milhares de euros e, com esforço acrescido, até pagam antecipadamente algumas responsabilidades à banca. Dinheiro muito importante para o sistema financeiro – mais liquidez, menos mal-parado, menos imparidades a reconhecer e contabilizar… O mesmo para as grandes empresas. Com mais alguns milhões nos cofres, continuam a garantir o pagamento das responsabilidades à banca, até aceleram alguma amortização…dinheiro precioso para o sistema financeiro.
Neste quadro, as alterações à TSU, parecem começar a fazer sentido.
A lógica não é económica, não é de finanças públicas, não é do sistema de previdência e de protecção social, não é de justiça social - é a perspectiva do sistema financeiro. O dinheiro gerado pela medida acaba por afluir ao sistema como se fosse através de um funil aplicado a toda a economia. Mesmo o que não aflui, fica no circuito e impede que o tecido económico apodreça mais rapidamente em alguns sectores e unidades de negocio. Isto é, a medida ou dá liquidez ou adia mal – parado.
Tem lógica. Poderá explicar muita coisa que aparentemente não fazia sentido.
E agora, a medida vista assim é necessariamente má?
Não.
O sistema financeiro é o coração da economia de mercado, que por sua vez sustenta as democracias politicas em que vivemos.
Não temos outro sistema alternativo - conhecemos outro, o de planificação, mas não o queremos, jamais o quereremos de regresso. Temos é de melhorar este.
Os nossos banqueiros fizeram alguns erros?
Fizeram.
Tiveram um papel decisivo para o crescimento de Portugal nas últimas décadas, na maior parte dos casos potenciando a melhor aplicação de recursos financeiros?
Sim, sem dúvida. Não tomemos a árvore pela floresta.
Os nossos bancos e banqueiros merecem ser ajudados?
Merecem. Tudo deve ser feito para evitar desequilíbrios do sistema financeiro que podem aparecer com o agravar da crise económica.
Mas a melhor maneira de ajudar será através do aumento da TSU para os trabalhadores e da devolução às empresas?
Pode garantir um alívio a curto prazo, mas pode agravar a situação de todo o país a médio e longo prazo
Mas se a medida foi tomada, entre outras razões como forma de ajudar indirectamente o sistema financeiro, porque é que o Governo não explicou claramente este objectivo aos portugueses?
Se era isto, devia tê-lo explicado com toda a clareza...
Se não era isto, então o que era?" (artigo de opinião de José Gomes Ferreira, Subdiretor de Informação SIC, com a devida vénia)