"No dia 18 do mês que ontem terminou, o Diário da República publicou um Decreto Legislativo Regional da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira sobre aplicação naquela Região de um também recente diploma do Governo da República que estabelece o regime jurídico do concebido dispositivo electrónico de matrícula de veículos automóveis. Trata-se em substância, para os menos atentos, de um “chip”, identificador à distância do veículo onde é instalado, que um conjunto de três decretos-lei publicados no mês de Maio obriga todos os cidadãos portugueses a colocarem nos seus automóveis a partir de 2010. Tal sofisticado equipamento baptizado por DEM – Dispositivo Electrónico de Matrícula - continuo a explicação para os que acreditam que do Estado só fluem coisas boas - é um pequeno equipamento que deve ser posto no vidro dianteiro do automóvel, com valências funcionais para o automobilista tão diferentes como: passar nas portagens pela “via verde”, prescindir do “bilhete” nos estacionamentos pagos, ser detectado no momento da prática de infracções ao Código de Estrada, saber identificado o seu veículo quando acidentado ou desaparecido, poder accionar seguros apenas quando o veículo circular, e por fim, permitir que serviços públicos directos ou concessionados acompanhem seu veículo automóvel para onde quer ele vá ou onde quer que ele esteja. É um verde fruto da árvore tecnológica que não pára de crescer e de inspirar medidas de política. Devo dizer que os diplomas em questão passaram todos os crivos políticos e regulatórios: Presidente da República, que os promulgou; Comissão Nacional de Protecção de Dados que, embora envolta em dúvidas, se terá deixado vencer pelos irresistivéis apelos das ninfas tecnológicas lançados em versos canoros repletos de loas à segurança de pessoas como à recuperabilidade de bens desaparecidos ou, ainda, ao benefício, para a conta de exploração das auto-estradas, com portagens decorrente do equipamento em causa, já conhecido também como “Big Brother”. A Assembleia Legislativa da Madeira através do supra referido Decreto Regional determinou que os Decretos-Lei aprovados pelo Governo da República sobre o DEM não se aplicam na Madeira e que se mantém em vigor a legislação nacional anterior com as adaptações regionais aprovadas pelos órgãos de governo próprio. Quer tudo isso dizer o que é simples de intuir: DEM na Madeira, não! A Madeira não irá dispor de cobrança electrónica de portagens... porque estas não existem na rede viária regional, mas não só. Pode ler-se também no Relatório no Decreto madeirense, que o respectivo Representante da República não vetou, que foi não afastado o “receio de um big brother” e de se estar a “atentar contra direitos fundamentais que não podem deixar de constituir um limite inultrapassável aos avanços tecnológicos, por mais aliciantes que estes se apresentem”. O Parlamento da Madeira tem razão, às carradas. O Decreto-Lei não reveste a natureza de uma lei reservada aos órgãos de soberania. O dito dispositivo identificador não é configurável como um bilhete de identificação nacional, nem como um número nacional de automóveis, nem se vê razão para que o seja, nem a sua aplicação nas Regiões Autónomas importa à unidade do País. A discriminação dos automóveis insulares comportará alguma desigualdade? Qual? Um benefício vedado aos habitantes das Ilhas? Em que consiste o benefício? Não existem portagens nas Ilhas, nem se justificam. O do pagamento dos seguros, também não, só traria problemas de toda a ordem. Como se sabe, pelo menos os que vivem em ilhas, não é fácil esconder ou retirar um veículo automóvel duma ilha. Um sacrifício ao qual quer a Madeira eximir-se? Mas não é de um sacrifício de que se trata, pois a aquisição do DEM pressupõe uma contrapartida traduzida num serviço ou numa funcionalidade. O sacrifício do qual se eximiram os Madeirense será o de perderem privacidade sem qualquer vantagem. Mas teria de ser suportado em nome de quem ou de que valores? A Madeira não ficou por aqui. No dia 25 de Agosto, o Presidente do Governo da Madeira, receando a colocação de agentes dos serviços secretos SIS e SIESD na Madeira através de protocolos de cooperação entre aquelas polícias e os serviços públicos regionais, lavrou um Despacho que determina: “Os serviços, institutos e empresas públicas sob tutela do governo regional não são instituições do Estado”. Descontado o exagero jurídico, a verdade é que a autonomia não permite que os serviços centrais emitam directivas dirigidas aos serviços regionais ou emitam orientações que estes tenham de respeitar. Os órgãos de governo próprio da Madeira já se opuseram à aplicação naquela Região de outras leis consideradas nacionais: como foi no caso da denominada lei do aborto, ou da lei do fumo de tabaco em recintos fechados. Quanto ao aborto, a Madeira acabaria por ceder. Relativamente às restrições legais ao fumo de tabaco, conseguiu uma adaptação regional menos restritiva, ou seja, menos agressiva para a principal actividade económica do arquipélago: hotelaria, restauração, animação. Tenha-se do Presidente do Governo da Madeira a opinião que se tiver, a verdade é que as más não têm durado muito tempo, ao longo dos já muitos anos do seu mandato continuadamente renovado, que sempre recebeu em eleições democráticas e justas, tem mantido uma coerência pouco comum entre políticos. Comprovadamente, ele nunca permitiu que medidas governativas ou legislativas da iniciativa dos órgãos de soberania sendo contrárias aos interesses específicos da Madeira e da sua população fossem, sem mais, eficazes naquela Região Autónoma. As posições políticas definidas, independentemente do seu conhecido modo de falar nunca põem em causa a nacionalidade, mas o propósito caracterizadamente centralista de impor na Madeira com prejuízo ou sacrifício para ela os estereótipos continentais. Vale a pena recordar, a propósito de tudo isso, um escrito de 31 de Março de 1892, de Aristides Moreira da Mota, na apresentação da primeira proposta, de que há memória, dum de Decreto Autonomista. As autonomias locais (regionais) são favoráveis à educação dos cidadãos, ao desenvolvimento da riqueza, à fecunda aplicação das receitas públicas (...) servem para acendrar o patriotismo e o amor da liberdade; para mostrar quanto a centralização tem em si a explicação das nossas irrisórias lutas políticas, da desnacionalização do nosso carácter...” (por Manuel Velho, no Correio dos Açores)
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