Sei que há uma Comissão na Madeira que está
empenhada em promover condignas e adequadas comemorações dos 50 anos do 25 de
Abril. Não precisamos nem de fanfarronices saudosistas, porque o tempo evolui,
não pára... no tempo, nem fantochadas elitistas, porque provavelmente esse tem
sido um dos erros destas comemorações ao longo dos anos, nem de cerimónias
cheias de discursos de circunstância que nada dizem às pessoas, nem precisamos
de palhaçadas político-partidárias, das quais emergem os conhecidos e habituais
"donos" do 25 de Abril, os mesmos que iam dando cabo da revolução
graças à fracassada tentativa de imposição de uma nova ditadura a um pais e a
um povo que tinham acabado de libertar-se das amarradas de outra ditadura, de
sinal contrário à que queriam impor e foram travados pelas força e pela razão.
No nosso caso da Madeira - onde o 25 de Abril chegou um ou dois dias depois dos acontecimentos, porque vivíamos numa região que vendia jornais no dia os jornais da véspera e ou as redacções recebiam os "rolos de papel" com as notícias da véspera, tudo isto num tempo sem telemóveis, com uma televisão apenas, com menos de uma mão cheia de rádios, sem telecomunicações dignas desse nome, sem ada de moderno, eficaz e rápido neste domínio, tais os níveis de desenvolvimento precário então existentes - é fácil falar do 25 de Abril, porque sem ele não havia Autonomia, nem teríamos dado os passos, com defeitos e virtudes, porque na vida nada é perfeito, rumo a um futuro que há 50 anos ninguém sabia bem até onde nos levaria. O 25 de Abril que nos trouxe a Europa e com essa porta aberta trouxe condições para que Portugal e as suas regiões insulares dessem um salto qualitativo, desenvolvendo-se, modernizando-se, dando aos seus povos condições de vida e meios de afirmação que antes não dispunham. Não reconhecer isto é distorcer a História, negar esta evidência é desonestidade perante a verdade. Claro que o 25 de Abril trouxe a liberdade, mas também trouxe ameaças, devido a erros e abusos cometidos por uma "casta" se pseudointelectuais de pacotilha, que emergiu com os acontecimentos, fenómenos que tiveram que ser derrotados porque não passaram de encapotadas ameaças de imposição de totalitarismos encapotados, com base em modelos sociais e políticos fracassados na Europa e no mundo, de restrições à liberdade, às famílias, ao ensino, etc, tudo isso realidades concretas, não ficções. Factos incómodos nem sempre assumidos por falta de coragem e de dignidade na abordagem da História com verdade, por incapacidade de reconhecer os méritos e as virtudes do 25 de Abril, mas sem a dignidade e a coragem de reconhecerem os erros e as ameaças que a própria revolução gerou.
e a revolução demorou a chegar à Madeira
já os acontecimentos do PREC, os extremismos, a intolerância ideológica que
influenciou muitas amizades e afastou pessoas umas das outras, as manifestações
violentas, as ameaças, os exageros, etc, tudo isso aconteceu ao mesmo ritmo do
que se passava no resto do país. Sem esquecer movimentos separatistas e
fenómenos de violência a eles associados e que se julgavam impensáveis numa
terra habitualmente vista como serena.
Hoje os tempos não são nem para patéticos
ajustes de contas nem para saudosismos tendenciosos e desadequados. É sabido
que a geração que viveu o 25 de Abril, há 50 anos, percebe que tudo mudou, que
hoje tudo é diferente.
As comemorações devem ser oportunidades
para alertar as pessoas para as novas ameaças que pairam sobre as sociedades
dos nossos dias, mais modernas e evoluídas que há 50 anos, mas quiçá mais
indefesas, distraídas e vulneráveis. Os tempos hoje, sobretudo no domínio das
comunicações, das redes sociais, dos telemóveis, da proliferação dos satélites,
da imprensa livre e generalizada, impedem que não se façam projecções
comparativas. Não há lugar a isso.
Cada momento, cada tempo, foi um momento e
um tempo no seu momento e no seu tempo próprios. A mudança social, a mudança de
mentalidades, etc, são realidades que obrigaram a mudanças nos comportamentos.
Obviamente que isto não significa que
tenhamos sido todos exemplos de sucesso. O falhanço do próprio sistema
político, as insuficiências e contradições do regime democrático, os casos de
abusos de poder, o lastimável fenómeno da corrupção, etc, tudo isso gerou
frustrações nos cidadãos e estimulou o aparecimento de propostas partidárias
mais radicalizadas, cada vez mais apoiantes, incentivadas e militadas por
pessoas que querem forçar o chamado arco de governação, o poder legislativo e
executivo, a inflectirem muitos dos seus comportamentos e autismos.
O problema não é perder tempo a tentar perceber
como esses fenómenos aparecem ou o que dizem os que os defendem. O problema é
identificar o que eles escondem, qual a chamada agenda secreta que se propõem
implementar, como e com que propósitos.
E o 25 de Abril, se continuar a insistir em
saudosismos e fantochadas deslocadas no tempo, não vai conseguir sequer
identificar essas ameaças, muito menos resisti-las.
Espero e desejo que a Comissão para a
Comemoração dos 50 anos do 25 de Abril na Madeira olhe com pragmatismo para
todo este enquadramento. O que as pessoas esperam são propostas e respostas
concretas aos problemas, sobretudo os jovens em relação aos quais temo que o
espírito do 25 de Abril esteja a falhar, graças a uma sociedade capitalista e
especulativa onde os milhões e o lucro se transformaram no epicentro de tudo e
numa espécie de pandemia obsessiva, os pobres para com os quais o espírito do
25 de Abril falhou e tem responsabilidades acrescidas, para com os idosos que
têm direito a um fim de vida com dignidade e bem-estar em vezes de serem
desumanamente olhados como um qualquer "encargo" social, uma abominável
"chatice" próprias das mediocridades éticas de uma sociedade
descontrolada e concorrencial, privada de valores essenciais no quadro das
relações e das prioridades humanas, muitos deles nem respeitados são pelas
famílias; falhou para com os doentes que não podem esperar tempo demasiado a
serem atendidos nas suas necessidades prementes de saúde, etc; falhou com as
mulheres que não podem continuar
inferiorizadas numa sociedade que tem o dever se ser equilibrada, respeitadora
da igualdade que o 25 de Abril trouxe consigo; falhou porque não propicia
salários dignos, não fomenta rendimentos capazes de propiciar uma adequada
capacidade de resposta a todas as famílias perante as exigências do seu
quotidiano e da sua vida, falhou no emprego porque precisamos valorizar os
nossos recursos humanos, sobretudo os mais jovens e preparados em vez de os
atirar para o pesadelo do desemprego ou o desespero da emigração, etc.
Confesso que não sei se o 25 de Abril, 50
anos depois de ter iniciado o seu percurso irreversível, consegue perceber onde
residem as insuficiências e os fracassos, em vez de se distrair apenas a louvar
e endeusar méritos e virtudes que obviamente também têm, e são muitos. O
problema é que, como em tudo na vida, uma moeda tem sempre duas faces.
Falamos dos 50 anos do 25 de Abril o que realmente deve ser feito, sem nada der exagerado e pomposo, sem saudosismos, sem fantochadas, mas com rigor, verdade e uma lógica de percepção do caminho feito e do caminho que continua a ter que ser cumprido num tempo que nada tem a ver hoje com o que era 1974 para Portugal e os portugueses. Basta-nos isso. O problema é que há quem, erradamente insista em parar no tempo, em 1974, como se tudo acabasse nesse ano e numa qualquer data desse ano (LFM)
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