A crise da energia começou com as sanções à
Rússia de Vladimir Putin?
Não. A União Europeia não consegue produzir
energia suficiente para as suas necessidades (em 2020 importou 57,5% do que
consumiu). Se a isso aliarmos um plano de transição energética a meio caminho e
outros fatores já teríamos suficientes problemas para assegurar um
abastecimento regular e seguro de energia.
Que outros fatores?
Antes da pandemia o preço do gás era baixo e as reservas eram abundantes. Quando a produção de petróleo e de gás baixou de forma drástica à medida que as economias pararam, as reservas foram consumidas devido a um inverno particularmente rigoroso na Europa. No mar do Norte o vento teimou em soprar com pouca força, pelo que a energia produzida pelos parques eólicos marinhos caiu a pique. Por outro lado, com o regresso à atividade, as empresas a operar na China, país que estava com baixas reservas de carvão, começaram a consumir muito mais gás natural liquefeito. Uma das regras básicas do mercado funcionou, ou seja, o aumento do preço devido à maior procura. No espaço de um ano, o preço do gás na Ásia mais do que decuplicou.
A transição para uma economia verde é
responsável pelo estado das coisas?
Também. A Comissão Europeia reviu em alta a
meta no corte de emissões de gases com efeito de estufa de 40% em 2030 para 55%
e mantém o objetivo de chegar a 2050 em neutralidade carbónica. Para tal, o
desempenho das energias renováveis é essencial, mas até agora está longe de
substituir as restantes fontes de energia. Em 2020, a maior fatia de energia
produzida na UE já era de renováveis, 40,8%. Mas - e aqui há um grande mas - a
parte de leão cabe à biomassa, uma forma subsidiada de mascarar as
estatísticas, alegam cientistas e ambientalistas, uma vez que a queima de
madeira de florestas também emite gases e ameaça a biodiversidade. Do lado dos
hidrocarbonetos cortou-se na produção e importação de carvão e, em sua
substituição, o gás natural impôs-se, por ser menos poluente e barato.
Quais os produtores de gás?
A Rússia é o país com as maiores reservas de
gás natural, seguido do Irão, Qatar e EUA, e tem sido o principal fornecedor da
UE. Entre os 27, só os Países Baixos produzem e, caso o governo não mude de
rumo, irá cessar no máximo em 2024. A produção estava em mínimos há vários anos
devido aos tremores de terra associados à extração do campo de Groningen, mas
um grande tremor, em 2018, foi o canto do cisne. Fora da UE, a Noruega tem um
papel cada vez mais preponderante. O gasoduto Báltico, que liga o país nórdico
à Polónia, via Dinamarca, começou a operar há menos de um mês, e um dia após as
explosões que tornaram inoperacionais os gasodutos russos Nord Stream 1 e 2.
Há uma política coerente europeia de energia?
Não. A UE - e em especial Berlim - confiou no
regime autocrático russo para se abastecer de gás (e petróleo e carvão) sem
considerar outras fontes. "Infelizmente, a estratégia de alguns estados
membros de satisfazer as necessidades energéticas nos próximos 30-40 anos,
durante o que será provavelmente um período de transição dramático na evolução
da tecnologia energética, parece basear-se na premissa de que a Rússia não só
depende mutuamente dos seus parceiros europeus, mas também continuará a agir de
forma fiável e a não explorar a sua crescente posição de monopólio,
particularmente nos mercados de gás natural. Esta seria uma política pouco
sensata a seguir", concluía um relatório datado de 2008 do Marshall
Center. Há outros problemas. Na Península Ibérica a importação de gás argelino
ficou reduzida quando, no ano passado, Argel decidiu deixar expirar o contrato
do gasoduto que ligava Espanha via Marrocos, devido ao contencioso com Rabat
sobre o Saara Ocidental. Ainda assim, Madrid e Lisboa querem ligar os terminais
com um gasoduto até à Alemanha, mas o francês Emmanuel Macron não se mostra
sensibilizado.
Energia nuclear, não, obrigado?
Cada país segue o seu caminho atómico. Em
julho, resultado da invasão da Ucrânia, os eurodeputados rejeitaram uma
proposta que iria vetar a proposta da Comissão que classifica a energia nuclear
e o gás natural de investimentos verdes enquanto ferramentas necessárias para a
transição energética. A Bélgica encerrou o primeiro reator e até 2025 deverá fechar
os restantes. A Alemanha decidiu prolongar a vida de três centrais até abril,
devido à crise energética. Em sentido inverso, a Finlândia inaugurou um reator
na semana passada, o que em conjunto com outros dois irá produzir 40% da
eletricidade que o país consome.
A Alemanha tem sido criticada porquê?
O chanceler Olaf Scholz tem vindo a recusar
uma resposta europeia - à imagem da compra das vacinas anticovid - e apresentou
um programa de 200 mil milhões de euros para proteger os consumidores e em
especial as empresas, o que é visto pelos outros estados-membros como uma
distorção ao mercado único.
E as sanções a Moscovo?
As sanções acabaram por desencadear respostas da Gazprom que apertaram (a exigência do pagamento em rublos) ou fecharam a torneira (a suspensão do Nord Stream), o que levou a presidente da Comissão Ursula von der Leyen a proclamar no discurso do estado da União: "Temos de nos livrar desta dependência em toda a Europa." Enquanto isso, a Hungria de Orbán recebe gás russo graças a um acordo renovado em agosto (DN-Lisboa, texto do jornalistra César Avó)
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