Importa fazer uma distinção conceptual. Na aceção mais comum do termo, os eleitores-fantasma referem-se à permanência nos cadernos eleitorais de registos de pessoas já falecidas devido a inércia administrativa. Uma versão mais abrangente do termo pode incidir também sobre eleitores emigrados, isto é, pessoas que já não residem habitualmente em Portugal (logo, estão fora das estimativas do INE) mas que conservam o seu recenseamento eleitoral por cá. Estes eleitores são diferentes dos eleitores-fantasma ‘clássicos’, desde logo porque podem votar se se deslocarem a Portugal.
Como tem sido a evolução do número de eleitores-fantasma?
Foram dados passos importantes no sentido da resolução do problema em meados da década de 90 e especialmente numa reforma administrativa de 2008. Essa reforma foi eficiente a lidar com os óbitos, mas menos com a emigração, que é um problema mais complicado. A melhor explicação para a discrepância estará hoje justamente na emigração, mais do que nas mortes não atualizadas nos cadernos eleitorais. Tinha a expectativa de que a Lei nº 47/2018, de 13 de agosto, que alterou o Regime Jurídico do Recenseamento Eleitoral, levasse a um aumento muito pronunciado do número de recenseados no estrangeiro, ao mesmo tempo que reduziria substancialmente o número de inscrições em território nacional. Contudo, apesar de a primeira expectativa se ter concretizado, a segunda expectativa não se verificou até hoje.
A presença de eleitores-fantasma nos cadernos eleitorais é insanável? E quais as consequências?
Dificilmente deixará de haver desvios entre residentes e inscritos nos cadernos eleitorais. O que está em causa em Portugal é a grande magnitude do desvio, que dificulta a leitura e a interpretação dos níveis de participação e abstenção. Se medirmos a participação eleitoral em função da estimativa de residentes, e não de recenseados, obtemos um valor praticamente 10 pontos percentuais mais elevado. Isto importa, porque as perceções de valores como 55% e 65% de participação eleitoral, por exemplo, são distintas. Em todo o caso, temos de pensar se o rigor estatístico deve ser o único fator a ter em conta. Medidas muito apertadas de controlo dos cadernos eleitorais podem ter efeitos perversos, impedindo pessoas de votar, o que seria um atentado a um direito fundamental de participação democrática. Não julgo que as consequências sejam muito substanciais, mas, ainda assim, podem existir. A implicação mais plausível diria respeito à existência de uma assimetria territorial no desvio entre recenseados e população efetivamente residente. O número de deputados atribuídos a cada círculo eleitoral varia em função do número de eleitores recenseados. Supondo que há um dado círculo eleitoral com um número muito maior de recenseados do que de residentes, isso significará um maior número de deputados atribuídos a esse círculo eleitoral em comparação com outros. É teoricamente possível que uma diferença de apenas um deputado possa alterar as perspetivas de eleição de um dado partido (Expresso)
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