Especialistas explicam o que esperar nos próximos tempos e que significam estes recordes de infeções no país. A capacidade de transmissão da Ómicron não está a gerar pressão nos hospitais, nem fez tantas vítimas mortais como nas vagas anteriores da pandemia, mas causou caos noutros serviços Apesar de estarem a ser batidos recordes atrás de recordes, há vários sinais escondidos atrás dos números dos novos casos da covid-19, que esta terça-feira atingiram os 17.172. Comparando com a mesma semana do ano passado, os contágios aumentaram 235%, mas tudo o resto baixou: as mortes caíram 78% e os internados nas enfermarias e Unidades de Cuidados Intensivos diminuíram 70%.
Segundo os especialistas contactados pela CNN Portugal, há vários dados a ter em conta para além do número absoluto: o aumento de infeções continuar a não implicar um elevado crescimento de doentes internados, o Rt , índice que indica a velocidade de contágio, parece estar agora a desacelerar, e muitos destes mais de 17 mil positivos dizem respeito a casos reportados com atraso devido ao facto de se ter estado em época festiva, sendo por isso o total um pouco inferior. Mas há também, avisam, alguns sinais preocupantes, como o descontrolo no rastreio e falhas nas quebras de cadeias de transmissão, a dificuldade em acelerar a descida de casos, a capacidade ultra rápida de transmissão da Ómicron e a pressão nos cuidados de saúde primários e saúde pública.
A caminho do pico?
“A boa notícia é que nos últimos dias o Rt parou de subir”, explica à CNN Portugal Carlos Antunes, matemático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Segundo o investigador, este Rt – que prevê o número de infetados que
resultam de cada pessoa portadora do vírus- é um indicador do estado da
pandemia. “Há três ou quatro dias começou a sentir-se uma mudança e deixou de
subir como estava a acontecer há algum tempo”, diz, explicando que, pelas suas
contas, o Rt que chegou a atingir os 1,45 está agora nos 1,4.
Significa isto que, em vez de duplicar a cada sete
dias, os casos vão passar a duplicar a cada dez. “Ainda são valores altos, mas
há sinais de que o ritmo de crescimento deixou de ser tão acelerado”.
No entanto, há que esperar, explica Carlos Antunes,
para nos próximos dias se ter a certeza de que se vai formar uma tendência de
descida do Rt, até chegar ao 1,0.
“Aí atinge-se o pico, o que ainda não acontecerá na
próxima semana”, acrescenta o matemático, lembrando que as suas estimativas
apontam para que se possa atingir 22 mil casos diários nos próximos dias. E segundo
dados do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e da Direção-geral de
Saúde, a 7 de janeiro podem atingir-se mesmo os 37 mil casos. Contas que, notou
a ministra da Saúde que esteve a comentar a pandemia no programa CNN Fim de
Tarde, foram feitos com base em ritmos de crescimento da pandemia que podem,
entretanto, estar a mudar.
Assim, apesar de os números absolutos serem muito
elevados, também se deve ter em conta esse ritmo do crescimento do vírus e do
Rt- o que neste momento pode ser uma boa notícia.
Quantas camas de UCI há disponíveis?
Também nos hospitais, em especial nos Cuidados
Intensivos, estes recordes de infeções continuam a não ter impacto de peso. “Há
três vezes mais casos do que há um ano e temos um terço dos doentes em
intensivos”, sublinha Artur Paiva, presidente do Colégio de Especialidade de
Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos.
Ou seja, apesar de se estar a assistir, com a Ómicron,
a um aumento de número de doentes a necessitar ventilação e camas de
intensivos, quando comparado com as ondas anterior o cenário é muito diferente.
Neste momento há 152 doentes em UCI, há um ano havia mais de 500. E existem camas que cheguem para estes e mais
doentes. Segundo Artur Paiva, só para doentes covid há quase 250 camas a nível
nacional, estando 100 por ocupar.
Além disso, conta, todo o cenário de Medicina
Intensiva mudou com o aparecimento da covid-19. “Antes da pandemia existiam em Portugal
nos Cuidados Intensivos, tanto covid-19 como para as outras situações, 620
camas e agora há 860”, contabiliza o especialista, recordando que se chegou a
ter de usar 1200 camas, recorrendo a equipamento extras.
Neste momento, segundo dados oficias, apenas estão
ocupadas 70% do total de camas de UCI que existem em Portugal, tanto para
doentes graves com SarsCov2, como para os outros pacientes. Por isso, ainda não
há pressão nestes serviços hospitalares. “Graças à vacina e à excelente adesão
da população portuguesa” o cenário nos hospitais é hoje diferente, considera
Artur Paiva, que dirige o serviço de Medicina Intensiva do Hospital de São
João, no Porto. O que pode ter a ver, nota o médico, com o fato de “o vírus
estar a ficar menos virulento, ou com a alta proteção da população portuguesa
com vacinação que chega aos 89%”
Serviços em rutura
A estas boas notícias, juntam-se outras menos boas. A
velocidade da nova variante, que segundo alguns estudos recentes é cinco vezes
mais contagiosa do que a Delta, deixou os serviços em rutura. A Linha de Saúde
24 já não dá resposta aos milhares de telefonemas, os médicos de família não
têm capacidade para prescrever testes e dar altas e os técnicos de saúde
pública já não consegue fazer o rastreio dos casos a tempo.
“A situação está descontrolada e já não se consegue
rastrear os casos e quebrar as cadeias de transmissão”, avisa Carlos Antunes.
Tendo em conta os números das infeções cada profissional está a fazer rastreio
a 22 pessoas quando o devia fazer a seis. “Há 490 rastreadores e, tendo em
conta a pandemia atual, deviam existir 2.200”, acrescenta este perito.
Para Carlos Antunes, é nestas áreas que pode agora
surgir a pressão: médicos de família e saúde pública. “Neste momento, a pressão
não está nos hospitais e nos UCI mas nos testes, nos rastreios e na capacidade
de quebrar as cadeias de transmissão”, concorda Artur Paiva.
À CNN Portugal, a ministra da Saúde garantiu que vão
ser feitos reforços nesses serviços, nomeadamente na Linha de Saúde 24,
nomeadamente através da mudança de algoritmo para aumentar as respostas
automáticas. Por outro lado, acrescentou Marta Temido, os vários governos
europeus estão a analisar mudanças na resposta à pandemia, debatendo-se
questões como a nova forma como fazer os rastreios. Outra alteração que pode
estar para breve é a diminuição do tempo de isolamento, como acaba de acontecer
nos EUA, onde passou de 10 para cinco dias.
Enquanto isso, os especialistas garantem que a
evolução da pandemia está dependente do resultado das medidas de contenção que
estão em curso. “É importante perceber a capacidade de parar o crescimento das
infeções e o país descer da montanha onde subiu”, alerta Carlos Antunes, que
admite ser necessário aumentar as medidas, como adiar a abertura de escolas ou
avançar com outras medidas, para que se consiga sair desta situação que pode
alastra-se e ter impacto a vários níveis (CNN-Portugal, texto da jornalista Catarina Guerreiro)
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