Há dois anos, o PS venceu as eleições legislativas sem maioria e sem surpresa — com 36,5%, cerca de 1,8 milhões de votos. Mas desta vez o cenário é bem diferente: não há certezas sobre quem vence, menos ainda sobre maiorias possíveis no Parlamento. O ‘cisne negro’ da campanha está na tendência de subida do PSD nas sondagens. No fim de semana, duas colocaram o partido de Rui Rio na margem de erro (uma delas a escassos dois pontos do PS). A Sondagem das Sondagens, divulgada esta semana pela Rádio Renascença, aponta para uma distância de oito pontos. Parece grande, mas é a distância a que Carlos Moedas aparecia na reta final da campanha em Lisboa, numa disputa que acabou por vencer. “A tendência de recuperação do PSD tem sido mais clara no último mês e meio”, diz ao Expresso Luís Aguiar-Conraria, investigador e professor da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, responsável pelo projeto da Renascença, que agrega todas as sondagens e lhe aplica um método de valorização das últimas (e de desvalorização das que mostram tendências abruptas).
A subida é notória, mas Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa), deixa uma incógnita: a diminuição do intervalo entre o PSD e o PS deve ser confirmada por mais inquéritos, face à margem de erro associada às estimativas. E nota que esse encurtamento da distância surgiu, sobretudo, nas “duas últimas semanas, após duas sondagens que colocam o PS abaixo dos 36% e de três sondagens que mostram o PSD acima dos 30%”.
DIREITA SOBE. MAS COMO?
Não é uma situação inédita. Nas últimas duas eleições, sublinha Pedro Magalhães, ficou demonstrado que a reta final da campanha esteve “claramente associada a um declínio do PS” e a um “aumento do centro-direita” nas intenções de voto. “Não sabemos se isso se repetirá desta vez, mas há sinais que sugerem essa possibilidade”, observa.
SONDAGEM DAS SONDAGENS
“Por um lado, o desgaste acumulado do Governo de António Costa e do próprio modelo da ‘geringonça’, e, por outro, a dinâmica das eleições diretas e do próprio Congresso do PSD, de onde Rui Rio saiu com confiança renovada, também jogaram a favor dos sociais-democratas”, afirma ao Expresso André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (IEP-UCP). A principal incógnita, para Azevedo Alves, será perceber se o PSD consegue ir buscar votos ao IL e ao Chega. Porque, quanto mais as sondagens dão a ideia de que o PSD pode ganhar as eleições, há um “apelo maior ao voto útil” do lado da direita. Por outro, o posicionamento de Rui Rio, de colocar o PSD ao centro, pode “afastar” parte desse eleitorado.
António Costa Pinto, investigador do ICS, admite que o passado já demonstrou que, havendo possibilidade de o PSD vencer as eleições, tem muito “mais propensão para o voto útil” à direita do que entre o eleitorado de esquerda. “Em 2019, porque a perspetiva de o PSD ganhar as eleições era remota, para não dizer nula, era óbvia a vitória antecipada do PS, e a mobilização do PSD foi pequena. E uma parte foi para a abstenção e outra parte muito mais pequena foi para os dois partidos que, entretanto, surgiram nesse espetro político: IL e Chega. Agora, a realidade é distinta”, sustenta o politólogo.
Mas, uma vez mais, as sondagens não permitem nem podem responder a todas os enigmas destas eleições, frisa Pedro Magalhães. “Algumas mudanças” que podem vir a acontecer face a 2019 “não são atribuíveis ao tipo de fatores de muito curto prazo a que a comunicação social e os próprios políticos preferem dar atenção. Por exemplo, parece ser muito difícil que o BE possa repetir os 9,5% e os 19 deputados de 2019”. Mas o chumbo do Orçamento não pode ser a única ou sequer a principal explicação: “O BE não passou a ter 6% nas sondagens depois do chumbo do Orçamento, mas sim pelo menos desde o verão passado. O crescimento do Chega e a pressão que coloca sobre o CDS são claríssimos desde, pelo menos, a primavera de 2020”, exemplifica.
PANDEMIA E INFLAÇÃO
Costa Pinto aponta também para fatores conjunturais, como a pandemia e a subida da inflação, que poderão afetar a votação no PS. “A pandemia até há bem pouco tempo era um fator descontado, e agora não. E os portugueses há anos que não sentiam num curto espaço de tempo uma efetiva subida de produtos essenciais — e evidentemente que o Governo em funções tem alguma propensão a ser penalizado.”
Para o politólogo, a maior dúvida a 30 de janeiro diz respeito ao eleitorado de esquerda: “Até que ponto o PS, face àquilo que eventualmente vai perder para a abstenção ou inclusivamente para o PSD, vai ganhar, em contrapartida, com votos descontentes do Bloco e do PCP?”, questiona. Sendo de esperar que o partido de António Costa beneficie de alguns votos de eleitores bloquistas e comunistas que discordaram dos votos contra o Orçamento e também de eleitores que defendam a “estabilidade” ou temam eventuais alianças do PSD com o Chega. Já para o PS a margem de crescimento e compensação deverá, no entanto, ter limites: “Há uma parte do eleitorado do Bloco e PCP que dificilmente responde ao apelo do voto útil”, aponta André Azevedo Alves. Mas só a 30 de janeiro serão dissipadas todas as dúvidas. Para já, uma certeza: estas eleições serão “das mais imprevisíveis” da história recente.
SONDAGEM EXPRESSO Na próxima edição, que sai no dia 30 de janeiro, o Expresso e a SIC mostram a sondagem que dará o tiro de partida para a campanha eleitoral
FATORES A FAVOR E INCÓGNITAS PARA PS E PSD
Chumbo do Orçamento do Estado
Com os votos contra do Bloco e PCP ao Orçamento do Estado para 2022, que levaram à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições antecipadas, o PS poderá buscar votos ao eleitorado descontente da esquerda. São os dois partidos a quem o Governo atribuiu responsabilidade pela crise política. António Costa apostará em compensar alguma perda natural de eleitorado a centro — pelo desgaste da governação — com a recuperação de algum eleitorado mais à esquerda, que estará insatisfeito com a postura do Bloco e PCP.
Estabilidade
A atual crise económica e social causada pela pandemia aumenta o desejo do eleitorado pela estabilidade. E se, por um lado, o Governo de António Costa acusa desgaste, será de esperar que na campanha o PS aposte no argumento de que o país precisa de estabilidade. O apelo ao voto útil, por parte do PS, deverá levar o partido a acenar com o eventual regresso da direita ao poder, recordar os “cortes da troika” e o Governo de Passos Coelho, assim como alertar para a possibilidade de o Chega estar ligado de alguma forma a um futuro Governo de direita, admitem os politólogos ouvidos pelo Expresso.
Pandemia
Se as medidas de contenção anunciadas esta semana pelo Governo forem suficientes para travar a expansão da variante Ómicron entre a quadra natalícia e o início do ano, António Costa poderá respirar fundo na reta final da campanha eleitoral. Depois de um janeiro trágico, em 2021, quando morreram mais de 5500 pessoas por covid-19, o Executivo apostou tudo numa estratégia de contenção medida, tentando evitar uma campanha assombrada por uma sobrecarga do SNS. Mas há um senão: “Se as piores expectativas não se confirmarem, se não se fechar mais a economia, e se o mês de janeiro correr relativamente bem pode ser até um trunfo para Costa. Caso contrário, o PS sairá penalizado nas eleições”, antevê André Azevedo Alves.
Chega
A sombra de uma eventual aliança do PSD com o Chega, à medida do que aconteceu nos Açores, servirá de mote para tentar afastar do PSD parte do eleitorado do centro e direita. Apesar de Rui Rio ter recusado recentemente qualquer entendimento com o partido de André Ventura, os socialistas saíram do Congresso social-democrata a sublinhar este ponto: se houver maioria de direita, o que fará Rui Rio?
Debates e campanha
Em contexto de pandemia, com a possibilidade de uma campanha mais restrita, os (muitos) debates televisivos agendados para a primeira quinzena assumem ainda uma maior relevância para captar eleitorado. António Costa, de resto, terá um momento decisivo no duelo marcado com Rio Rio para dia 13 de janeiro, transmitido pelos três canais abertos. Se é certo que Costa “não tem tido um desempenho brilhante” em campanhas, ter as expectativas baixas pode ajudar, nota André Azevedo Alves. Mas a sua prestação em debates será importante e, sobretudo, que em campanha não se registem episódios semelhantes àquele que ocorreu em 2019, quando o primeiro-ministro se exaltou com um idoso, em Lisboa, que o acusou de ter estado de férias durante os incêndios de Pedrógão, em 2017.
Cansaço de Governo e Costa
Todas as sondagens o indicam: há um claro desgaste da imagem do Governo e do primeiro-ministro, agravado pelo atual contexto, fator que o PSD e Rui Rio tentam capitalizar desde o chumbo do Orçamento. Além da adiada remodelação governamental, da saída tardia, por exemplo, do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, as fichas dos sociais-democratas apostam mesmo num cansaço relativamente ao próprio modelo da ‘geringonça’, que acabe por se refletir na votação do PS e na incapacidade de tomar decisões na próxima legislatura.
Pandemia
Se a situação epidemiológica se agravar significativamente em janeiro, o plano de vacinação não avançar a bom ritmo e as medidas de contenção definidas pelo Governo não forem suficientes para travar a expansão da variante Ómicron, o PSD poderá capitalizar a sua posição de apoio ao combate à pandemia, visível desde o primeiro estado de emergência. Não há certezas, mas pode pesar: “No fundo, são fatores que nenhum político controla, mas que todos vão tentar jogar a seu favor. Se a coisa correr mal, será muito provavelmente pior para o Governo”, frisa Costa Pinto em declarações ao Expresso.
Mobilização
Após seis anos de governo minoritário do PS, haverá uma grande propensão nesta campanha eleitoral para mobilizar o voto centro-direita, com vista a buscar votos ao CDS, IL e Chega. Rui Rio chegou, aliás, a justificar assim a sua decisão de não fazer uma coligação pré-eleitoral com o CDS, apontando ao voto útil: “O passado diz-nos que, sempre que essa perspetiva se colocou, essa mobilização existiu”, salienta Costa Pinto. Para o politólogo, a “pessoalização será maior” em Rui Rio. O líder social-democrata terá agora a sua “estrutura de oportunidade” nas legislativas, após sair com confiança reforçada a nível interno. À esquerda, a pessoalização “não é tão significativa”, mas o desafio da mobilização eleitoral é “ainda maior” para o PS.
Abertura a negociar
Depois de Rui Rio ter sido reeleito presidente do PSD com 52,46% dos votos, nas eleições diretas em novembro, derrotando Paulo Rangel, o líder social-democrata saiu com confiança renovada. O mote da campanha de Rio foi simples: admitir que estará disposto a negociar a governabilidade do país com os socialistas, ganhe quem ganhar, se não houver outra coligação estável à mão. Depois de ter ganho a Rangel, Rio virou a mesma estratégia contra o PS. E já reclama uma resposta ao PS a que Costa ainda não respondeu: o PS estará disponível para viabilizar um Governo do PSD? Os sociais-democratas confiam que essa abertura de Rio cola com a sua característica mais valorizada nas sondagens: honestidade. E que pode trazer votos, como nas diretas.
Debates televisivos
Se o PSD mantiver a dinâmica de crescimento nas sondagens e conseguir aproveitar essa tendência para os debates televisivos e mesmo para a campanha eleitoral poderá ser “bastante problemático” para António Costa, sublinha André Azevedo Alves, apontando para as “fracas prestações” do líder socialista em campanha. E se, paralelamente, Costa não se mostrar em ‘crescendo’ na campanha na segunda quinzena de janeiro, à semelhança das últimas eleições, poderá favorecer o seu opositor. Costa Pinto admite mesmo que o primeiro-ministro terá que fazer uma “campanha muito ativa” e, sobretudo, de mobilização para o voto. Caso contrário, só ajudará Rui Rio na estrada (Expresso, texto da jornalista LILIANA COELHO)
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