quinta-feira, dezembro 30, 2021

Expresso: Os 5 riscos para Portugal em 2022


Governo e Banco de Portugal estão relativamente otimistas quanto ao crescimento e ao controlo dos preços no próximo ano, mas, a julgar pelos economistas ouvidos pelo Expresso, correm o risco de enfrentar uma desagradável surpresa. Se o crescimento ficar aquém do intervalo de previsões traçado por Mário Centeno e João Leão, seu antigo braço direito, a recuperação completa do colapso de 2020 (em que o Produto Interno Bruto recuou mais de 8%) não ficará completa e a retoma irá arrastar-se. Se a inflação ficar acima de 2,5% no próximo ano, como admite a média dos economistas, então estaremos perante um máximo desde 2012, altura em que atravessávamos o pior ano do resgate da troika.

Ainda que fique aquém da média europeia — 3,2% previstos pelo Banco Central Europeu (BCE), o nível mais elevado em mais de uma década —, o impacto da inflação no consumo de massas e nos rendimentos mais frágeis, como as pensões e os salários mais baixos, será marcante (ver gráficos).

OS ZIGUEZAGUES DA PANDEMIA

Mais otimismo ou mais pessimismo quanto ao crescimento económico e o surto de inflação dependem de um risco transversal: a evolução da pandemia de covid-19 no seu terceiro ano, sobre a qual continua a haver enorme incerteza. Eis um ponto em que coincidem os economistas. “Enquanto houver alfabeto grego para as variantes, nunca se sabe o que nos espera”, ironiza Alberto Castro, professor na Católica Porto Business School. A variante mais recente, Ómicron, já condicionou negativamente o arranque de 2022. “Regressar ao nível do PIB de 2019, antes da pandemia, até é possível já em 2022, mas é mais razoável que isso só venha a acontecer em 2023, tendo em conta que o próximo ano já começará marcado pela semana de contenção, o que afetará negativamente a atividade económica no curto prazo”, chama a atenção João Borges Assunção, coordenador do Forecasting Lab da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

Os colunistas do Expresso João Duque e Ricardo Reis dizem que as pessoas e as economias estão “cada vez mais perto de saber viver com a pandemia”, com os seus ziguezagues de medidas de restrição e de alívio. Mas a área mais sensível da nossa economia, o turismo, depende vitalmente do andamento da pandemia e das políticas dos países que são os principais emissores de turistas para Portugal: Alemanha, Espanha, França e Reino Unido. “A recuperação no turismo não parece muito otimista”, diz o economista Abel Mateus. A única saída é “Portugal ser visto como um destino seguro pelo turismo internacional”, conclui Mário Carvalho Fernandes, chief investment officer do Banco Carregosa.

A par do turismo, a evolução das economias dos destinos de exportação dos nossos produtos e serviços “é um fator muito relevante”, sublinha Paula Carvalho, economista-chefe do BPI. Ora, um dos problemas é que, excluin­do o Reino Unido, a dinâmica das importações em 2022 por parte dos nossos principais clientes — Espanha, França, Alemanha, EUA — vai abrandar em relação a 2021, segundo dados do Fundo Monetário Internacional.

VÁRIAS DINÂMICAS DE INFLAÇÃO

A inflação tem sido engordada de vá­rias maneiras. Uma via que pesa imenso em Portugal, chama a atenção José Reis, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, “é a inflação importada”. Ou seja, o que vem “de fora”, como a variação de preços de matérias-primas, em particular da energia, e dos custos de transporte face aos estrangulamentos das cadeias globais de fornecimento. Em 2021, o índice das principais matérias-primas disparou 40% e os fretes de transporte de um contentor à escala global mais do que duplicaram.

Mas há outra dinâmica que tem a ver com o disparo da inflação nos preços na produção. Em novembro, as economias do euro registaram subidas anuais na ordem de dois dígitos: a Irlanda liderou com quase 90%, seguida da Bélgica e de Espanha, acima de 30%. No caso de Portugal, foi de 21%. Este disparo “poderá obrigar as empresas a tomarem decisões compensatórias”, avisa Borges Assunção.

FIM DO CICLO DO DINHEIRO BARATO

Há uma certeza entre os economistas. A taxa de juro da dívida vai aumentar em 2022. Segundo as projeções do algoritmo do portal World Government Bonds, a taxa nas obrigações a 10 anos vai saltar para o dobro nos próximos 12 meses, de 0,4% para 0,8%, ainda que a um nível historicamente baixo (ver gráfico). Estamos muito longe dos 4% do início de 2017. “Está cada vez mais perto o fim do ciclo do dinheiro barato”, diz, no entanto, Nuno Fernandes, professor do IESE Business School em Espanha. Apesar da estratégia “passo a passo” defendida por Christine Lagarde, que preside ao BCE, Borges Assunção refere que “a velocidade de normalização da política monetária por parte da Reserva Federal dos EUA (Fed) acabará por influenciar a própria política monetária do euro”. Os movimentos da Fed têm um impacto global.

Mas Paula Carvalho desdramatiza: “O BCE vai manter uma presença importante no mercado secundário como comprador de dívida de longo prazo”, mesmo depois de descontinuar em março o programa espe­cial de resposta à covid-19 (conhecido pela sigla PEPP). Irá continuar com o programa mais antigo lançado por Mario Draghi em 2015 e prosseguirá com os reinvestimentos do valor dos títulos que forem vencendo nos dois programas. Só no caso de Portugal a carteira do BCE (e do Banco de Portugal) soma €84 mil milhões, sendo o principal credor, representando mais de um terço do stock da dívida pública portuguesa. Filipe Garcia, presidente da consultora Informação de Mercados Financeiros, realça que “o BCE quer evitar a todo o custo uma nova crise da dívida, por isso segurará os mercados da dívida em caso de necessidade”.

Do lado orçamental não se vislumbram riscos. “Qualquer novo Governo que saia das eleições de 30 de janeiro não tem margem de manobra para alterar significativamente o défice em torno de 3% do PIB em 2022”, refere o economista Abel Mateus. “Portugal continuará a ser o bom aluno, qualquer que seja o resultado das eleições legislativas”, conclui Filipe Garcia.

RADAR DE RISCOS

  • Pandemia não acaba
  • Recuperação atrasa-se nos primeiros trimestres.
  • Inflação sobe
  • Inflação importada e nos custos de produção.
  • Turismo não recupera
  • Dependência dos países europeus emissores de turistas.
  • Incerteza nas exportações
  • Espanha, França, Alemanha e EUA vão desacelerar as suas importações também de Portugal.
  • Fed contagia subida de juros
  • Subida dos juros pela Reserva Federal dos EUA vai ter impacto global (Expresso, texto do jornalista JORGE NASCIMENTO RODRIGUES)

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