sábado, julho 11, 2020

PS admite viabilizar projeto de financiamento eleitoral do PSD. Rio quer libertar partidos de dívidas não aprovadas pela sede

Líder do PSD defende responsabilização de quem faz dívida em nome do partido sem autorização da sede nacional, situação que em campanhas autárquicas tem gerado “milhões de euros de passivo” e condenações em tribunal. Se há quem contraia dívidas em nome do PSD é um problema do PSD, contrapõe ex-presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. O Parlamento debate, esta sexta-feira, seis projetos de lei de para alterar o regime do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. O grupo parlamentar, que não apresenta diploma, admite viabilizar o diploma do PSD, que propõe, entre outras medidas, por fim à responsabilização dos partidos políticos por despesas de campanha realizadas sem autorização a nível central.
Esta posição foi transmitida à Lusa pelo deputado socialista Jorge Lacão, adiantando que o PS votará contra os projetos do PCP, CDS-PP, PAN, Iniciativa Liberal e Bloco de Esquerda. Para o antigo ministro socialista, o projeto do PSD de alteração à lei de financiamento dos partidos e das campanhas centra-se numa “questão de clarificação das responsabilidades de gestão por parte dos mandatários financeiros das campanhas eleitorais” nas autárquicas.

Uma das alterações propostas passa a permitir empréstimos bancários para financiar campanhas eleitorais, desde que “fiquem associados à conta das despesas comuns e centrais da campanha ou que sejam contraídos pelos próprios partidos políticos e entregues às campanhas sob a forma de adiantamentos, a reembolsar após o recebimento da subvenção”.
O diploma prevê também que passem a ser contados como despesas de campanha os juros de empréstimos bancários contraídos para as financiar e que sejam expurgadas das contas as dívidas a fornecedores que prescreverem. Na semana passada, Rui Rio apontou a necessidade de “responsabilização daqueles que fazem dívida em nome do partido sem serem autorizados” pela sede nacional, algo frequente em campanhas eleitorais autárquicas. Esta situação, de acordo com o presidente do PSD, tem gerado “milhões de euros de passivo” e até condenações em tribunal.
Em relação aos restantes projetos em discussão e votação, Jorge Lacão considerou que “rompem com o consenso estabelecido em matéria de financiamento dos partidos políticos - uma razão de fundo que levará o PS a votar contra todos esses diplomas”. O diploma do CDS-PP propõe acabar com a isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), apontando que os partidos declararam em 2019 no seu conjunto imóveis num total de € 50 milhões, a maioria dos quais está isenta.
O projeto de lei da Iniciativa Liberal reduz a subvenção pública para os partidos e para as campanhas, mantém apenas a isenção de IRC e revoga as isenções dos restantes impostos. Por outro lado, quer atribuir aos deputados únicos e aos deputados não inscritos os mesmos “direitos e obrigações de natureza fiscal estabelecidos na lei para os partidos políticos”.
O Bloco de Esquerda volta a propor o fim da isenção do IMI mas vai mais longe ao eliminar a isenção do IMT (Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e demais impostos sobre o património. O projeto de lei do PCP pretende a redução do financiamento público dos partidos, propondo uma redução de cerca de 40% do montante da subvenção. Quanto às campanhas, o PCP defende que as subvenções sejam reduzidas a metade para as eleições legislativas, Presidência da República e para o Parlamento Europeu.
O PAN também propõe a redução das subvenções públicas aos partidos e a eliminação de vários benefícios fiscais, acabando com a isenção do pagamento imposto sobre sucessões e doações, do IMI do IMT e do imposto automóvel nos veículos que adquiram para a sua atividade.
EX-PRESIDENTE DA ENTIDADE DE CONTAS CRITICA PROPOSTA DO PSD
Quem já se pronunciou contra o projeto dos sociais-democratas foi Margarida Salema, que classificou como “absolutamente inaceitáveis” algumas alterações que vão a votos. A ex-presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) opõe-se a que os juros dos empréstimos bancários contraídos para financiar as campanhas sejam considerados despesas eleitoral, criticando ainda que sejam retiradas das contas dos partidos as dívidas a fornecedores que tenham prescrito.
Contactada pela Lusa, Margarida Salema, atualmente docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, frisou que "o problema" do projeto do PSD é que a lei 19/2003 não permite que as candidaturas recorram a empréstimos bancários para financiar as campanhas eleitorais, havendo jurisprudência do Tribunal Constitucional a confirmar que “o empréstimo bancário não é uma receita eleitoral”.
Quem pode contrair empréstimos bancários são os partidos políticos mas, para passar esses montantes às candidaturas, os partidos têm de o fazer sob a forma de “contribuições do partido político”. Margarida Salema admite que tenha havido “uma confusão muito grande no projeto de lei do PSD” sobre o que são as receitas legais dos partidos e as receitas das campanhas.
Se a lei não permite como receita eleitoral os empréstimos bancários, “como é que é possível que os juros possam ser considerados despesas eleitorais para efeitos, nomeadamente, de subvenção?”, questionou. “É absolutamente impensável que este tipo de alterações possa ver a luz do dia”, lamentou Margarida Salemta, que esteve oito anos à frente da entidade que fiscaliza as contas eleitorais e partidárias, entre 2009 e 2017.
Outro aspeto considerado "inaceitável” é o artigo que prevê que as dívidas dos partidos ou coligações a fornecedores que prescreverem “são expurgados da contabilidade dos partidos políticos, nos termos das regras contabilísticas aplicáveis”. Para a ex-presidente da ECFP, com esta alteração “estaria encontrada a forma de as empresas poderem financiar” os partidos [o que é ilegal], bastando para isso emitirem faturas por despesas que não vão ser pagas e que, depois de prescritas, são retiradas das contas anuais.
Questionada sobre o aspeto que o PSD destacou na exposição de motivos do diploma – a necessidade de os partidos não serem responsabilizados por dívidas realizadas que não tenham tido autorização central - Margarida Salema refutou que essa matéria deva ser tratada na legislação, considerando que visa resolver “um problema do foro interno do PSD” e “não tem dignidade legislativa”. “Se há pessoas que contraem dívidas em nome do PSD isso é um problema do PSD”, declarou.
Em declarações à Lusa, Rui Rio apontou como principal razão para mexer na lei a necessidade de “responsabilização daqueles que fazem dívida em nome do partido sem serem autorizados” pela sede nacional, uma situação que disse frequente em campanhas eleitorais autárquicas (Expresso, texto da jornalista Isabel Paulo com Lusa)

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