sexta-feira, julho 24, 2020

Expresso: Como, peça a peça, Pedro Nuno Santos ganhou terreno no aparelho para o pós-Costa

O tempo não é de disputa na liderança: o PS está esmagadoramente com António Costa e assim vai continuar. Mas o futuro vai-se preparando com trabalho de formiguinha, no aparelho - e esse é favorável a Pedro Nuno Santos, atento ao futuro pós-Costa. Vistos à lupa, os resultados das eleições nas federações socialistas vieram comprovar isso mesmo. As eleições para as distritais socialistas que decorreram este fim de semana marcam uma espécie de fase intermédia (mas importante) da estratégia de Pedro Nuno Santos, há muito apontado (e nunca auto-excluído) como candidato à liderança do PS. O atual ministro das Infraestruturas e da Habitação viu a sua influência reforçada em vários pontos do país rosa, com a eleição de figuras do partido que lhe são próximas, partindo de um trabalho de bastidores que vem sendo feito há muito. Mas para perceber o ‘pedronunismo’ é preciso perceber o horizonte temporal de quem o pensa: ninguém, nem Pedro Nuno nem os líderes distritais agora eleitos ou reeleitos, tem intenção de desafiar António Costa, até porque a maioria dos dirigentes (senão a totalidade) revê-se no atual líder; é o futuro pós-Costa que continua a ser forjado no aparelho socialista a pensar a médio e longo prazo. Com um picante extra: é destas estruturas agora eleitas que vão sair muitos candidatos às próximas eleições autárquicas; cumprindo-se a lógica, muitos dos próximos autarcas socialistas serão também eles próximos de Pedro Nuno.

Voltando às Federações do PS, Pedro Nuno Santos conseguiu este fim de semana manter ou reforçar a influência que já tinha no aparelho. Foi assim em Lisboa, onde Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e braço direito do ministro, conseguiu a reeleição com 95% dos votos. E também em Aveiro, onde Jorge Sequeira, que há dois anos sucedeu a Pedro Nuno Santos como presidente daquela federação, logrou ser reeleito com 96% dos votos. Nos dois casos, não tiveram sequer oposição. Mas esses são os bastiões - concorrência nem vê-la.
Porém, até nos dois distritos mais sensíveis, Braga e Porto, os homens de Pedro Nuno tiveram sucesso. Joaquim Barreto, presidente da Federação bracarense e um simpatizante do ministro, foi reeleito com 56% contra o challenger Ricardo Costa. Recorde-se que a escolha de candidatos a deputados pelo círculo de Braga (uma competência da distrital) chegou a causar 'sururu' no partido nas últimas eleições, com Pedro Nuno Santos a enfrentar abertamente Ana Catarina Mendes, então secretária-geral adjunta do partido, pela excessiva intervenção da direção nacional na composição das listas. Não foi ela quem respondeu; António Costa chamou o assunto a si e comprou a guerra com Pedro Nuno Santos em plena comissão política do partido. Vingou a vontade da direção contra a vontade da estrutura local.
No Porto, Manuel Pizarro, que chegou a ser internamente muito contestado pela forma como geriu a aliança com Rui Moreira (e, pior, o divórcio), derrotou sem dificuldade José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara Municipal de Valongo e figura próxima de José Luís Carneiro, a quem Costa entregou a chave do aparelho socialista. O agora eurodeputado esteve desde o primeiro minuto com António Costa; mas quando o líder socialista “entregar os papéis para reforma” — expressão que próprio usou para se referir à sua sucessão e, à boleia, aconselhar “calma” aos espíritos mais apressados — não há grandes dúvidas sobre com quem estará Manuel Pizarro: Pedro Nuno Santos.
Só aqui — Lisboa, Porto, Braga e Aveiro — estão representadas as quatro maiores estruturas do partido. Além destes, também Miguel Alves (Viana do Castelo), Jorge Gomes (Bragança) e Luís Graça (Algarve), ambos próximos de Pedro Nuno Santos, conseguiram ser reeleitos para os respetivos cargos sem grande esforço.
E depois há os casos de Coimbra e Viseu, onde foram derrotados candidatos muitas vezes associados ao 'pedronunismo'... Mas quem venceu está bem longe de ser 'anti'-Pedro Nuno. Também nestas federações, as fontes ouvidas pelo Expresso sublinham que não é possível traçar uma dicotomia entre os percursos de António Costa e Pedro Nuno Santos: o tempo é indiscutivelmente do secretário-geral do PS e estar com o primeiro-ministro agora não implica estar contra Pedro Nuno no futuro.
Em Viseu, João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, era visto como próximo de Pedro Nuno e perdeu a corrida, mas isso não significa que o opositor, José Rui Cruz, não simpatize ou tenha uma boa relação com o ministro. As contas dos apoiantes de Pedro Nuno mostravam, aliás, que o governante poderia estar confortável nestas eleições precisamente porque em várias das disputas não haveria um candidato ‘anti’ Pedro Nuno - ambos seriam próximos ou pelo menos favoráveis ao ministro.
Foi o caso de Viseu, onde, depois de uma das corridas mais renhidas do país, fonte da federação relembra ao Expresso que não existe “nenhum sinal de que a liderança [do PS] esteja em causa” e sublinha que José Rui Cruz tem “uma boa relação” com Pedro Nuno. Ou seja: o lugar de secretário-geral “não está vago”, mas mesmo que estivesse esta não seria uma candidatura contra o ministro. Ao Expresso, o novo presidente resume: a candidatura é resultado de um “trabalho de continuidade” em relação ao que vinha sendo feito pela liderança anterior, de António Borges, e pode assim inserir-se mais na lógica de uma disputa local do que no contexto de uma disputa nacional pelo futuro do partido, que ainda não existe.
Em Coimbra, a história repete-se. O presidente eleito, Nuno Moita, é amigo de longa data do ministro e assegura ao Expresso que uma leitura que o coloque como o candidato ‘anti’ Pedro Nuno contra o perdedor, João Portugal, “não tem sentido” e “é incorreta”. De novo, a garantia de que as eleições locais não se organizaram na lógica de duas linhas políticas, ou de apoio a ‘candidatos’, em disputa: “A luta não se fez dessa maneira. Aqui em Coimbra, foi um não-assunto”.
SEM PAR NO APARELHO
O controlo do aparelho é fundamental para quem ambiciona chegar à liderança de qualquer partido, em particular no caso de PSD e PS. Olhando para os nomes que se posicionam para enfrentar Pedro Nuno Santos no futuro pós-António Costa, Ana Catarina Mendes e, sobretudo, Fernando Medina, não estão, aparentemente, nas mesmas condições que o aveirense.
A atual líder parlamentar do PS tem no irmão António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e líder reeleito do PS/Setúbal, o seu maior apoio caso queira disputar um dia liderança do partido; já Fernando Medina perde mesmo a jogar a casa — Duarte Cordeiro, presidente da FAUL e ex-vice da Câmara de Lisboa, tem a sua rede de afinidades bem alimentada.
As eleições deste fim de semana trouxeram mais novidades. Dos que se estreiam nas funções de presidente da Federação, Alexandre Lote (Guarda), Hugo Costa (Santarém), Luís Dias (Évora) e Nelson Brito (Beja) são próximos de Pedro Nuno Santos e estarão com ele no dia em que a discussão sobre a sucessão de António Costa se colocar.
Seja como for, não há pressas, como recordava há semanas Carlos César, aconselhando futuros candidatos a "esperar sentados" pelo momento de disputar a sucessão de Costa. Pedro Nuno Santos não tem pressa em precipitar o processo e a ideia é deixar o partido maduro o suficiente para um dia colher os frutos. Até lá, no entanto, não há dúvidas: António Costa é o líder incontestável (Expresso, texto dos jornalistas Mariana Lima Cunha e Miguel Santos Carrapatoso)

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