segunda-feira, julho 20, 2020

Encargos com o crédito à habitação tendem a terminar após a reforma

Mais de metade dos montantes em dívida segundo a idade no final do contrato de crédito à habitação será pago por pessoas em situação de reforma. Esta é uma das conclusões do estudo “Habitação Própria em Portugal numa Perspetiva Intergeracional”, divulgado esta quarta-feira pela Fundação Calouste Gulbenkian. O estudo revela ainda que encargos das famílias com a habitação mais do que duplicaram em 26 anos, que só um quarto dos jovens é que tem acesso ao crédito e que os jovens portugueses até aos 35 anos são dos que mais tarde saem de casa dos pais na Europa, só ultrapassados por gregos e italianos.
“Este é um primeiro estudo que identifica sinais de alerta que comprometem a justiça intergeracional nas políticas públicas. Começámos pela habitação, e iremos estudar também as contas nacionais, o mercado de trabalho e o ambiente”, afirma Luís Lobo Xavier , diretor de Palneamento e Estratégia da FCG e responsável pela coordenação do projeto. “O objetivo é trazer a justiça intergeracional para a discussão pública. Sabemos que uma decisão política tomada hoje tem impacto não só na atual geração, mas também nas seguintes”, acrescentou.
O peso da habitação na despesa anual média das famílias mais do que duplicou em 26 anos, passando de 12% em 1990 para 32% em 2016, revela o estudo da autoria de Romana Xerez, Elvira Pereira e Francielli Dalprá Cardoso, do Centro de Administração e Políticas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.
“Em sentido contrário, a despesa pública com habitação diminuiu 42% entre 1995 e 2017”, alerta o documento.
REFORMADOS CONTINUAM A PAGAR
Uma das dinâmicas identificadas pelos autores é que os encargos com empréstimos à habitação tenderão a terminar depois da idade da reforma.
Os montantes em dívida em 2018, segundo o Banco e Portugal, tendo em conta a idade no final do contrato de crédito à habitação, revelam que mais de metade do crédito à habitação é detido por pessoas que só o acabarão de pagar depois da idade de reforma.Portugal é um dos países europeus com o valor mais elevado da maturidade média dos créditos à habitação, chegando a 33 anos no final de 2016.
“É um risco relevante. Pois a passagem da vida ativa para a reforma implica, geralmente uma diminuição de rendimento”, salienta Luís Lobo Xavier.
O responsável reconhece que nessa altura grande parte do capital em divida já terá sido amortizados, mas não deixa de ser um risco. “Seria interessante conhecer a sua evolução. Não existem séries estatísticas publicadas”, acrescenta. “É preciso analisar se estamos a criar as condições certas para o acesso ao crédito à habitação”, acrescenta.
SÓ UM QUARTO DOS JOVENS TEM ACESSO A HABITAÇÃO
Quanto ao acesso das famílias mais jovens – com menos de 30 anos- à habitação, verifica-se uma interrupção do crescimento sustentado que existia desde os anos 1980, quando em crescimento sustentado desde os anos 1980 que em atingiu um pico de 64% em 2001. Depois do acesso acesso dos jovens à habitação ter caído para 45% em 2011, “os dados mais recentes do INE revelam que esse valor está nos 24%”, adianta Luís Lobo Xavier. Em termos de familias com encargos de crédito hipotecário, os valores baixam de 34% em 2011 para 15% em 2017.
Por outro lado, existe uma quebra da riqueza líquida das famílias. Os dados do Banco de Portugal, revelam que o agregados familiares com menos 35 anos perdem metade (50%) da riqueza entre 2010 e 2017.
Para Lobo Xavier, o cruzamento entre estes dois dados constitui um sinal de alerta preocupante. “Por um lado, menos riqueza, por outro regras mais apertadas de acesso ao crédito, para corrigir o boom do crédito”, explica.
O responsável salienta que regras tão apertadas e uma análise de crédito com base no salário atual de um jovem de 25 anos que vai contratar um empréstimo a 40 anos, ignora os futuras atualizações salariais. “No fundo, estamos a por os jovens fora do acesso ao crédito para comprar casa”, salienta.
GERAÇÃO DO MILÉNIO É A MAIS AFETADA
“Ao contrário das duas gerações anteriores, só uma baixa percentagem de Millennials - as pessoas nascidas entre 1982 e 2000 - é proprietária com hipoteca antes dos 30 anos”, concluiem os autores do estudo. E a tendência é para agravar esta a disparidade. Em 2011, existiam 43% de jovens com menos de 30 anos que possuíam crédito à habitação, valor que cai para 15% em 2017. Já no que respeita à geração anterior – entre os 30 e os 44 anos- 56% tinha crédito hipotecário em 2011, aumentando essa proporção para 61% em 2017.
Não é por isso de estranhar que os jovens portugueses sejam dos que mais tarde saem de casa dos pais. Quase dois terços (64%) dos jovens portugueses entre os 18 e os 34 anos vive ainda em casa dos pais, situação só ultrapassada pelos gregos (68%) e italianos (66%). Segundo as estatísticas comunitárias, a média da União Europeia é de 49% e no campo oposto são os jovens escandinavos os que mais rapidamente saem de casa dos pais.
Para os autores , esta mudança na geração do milénio, reflete as alterações estruturais das condições de acesso à habitação e do efeito da crise global de 2008, e “pode constituir uma fonte de desigualdade comparativamente às gerações anteriores e ser um importante risco que deverá ser mitigado pelas políticas públicas” (Expresso, texto dos jornalistas Helder C. Martins e Sofia Miguel Rosa)

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