domingo, maio 24, 2020

Vice da Comissão quer subsídios para Portugal. Mas Berlim exige reformas

O vice-presidente executivo da Comissão Europeia não tem dúvidas de que Portugal deve ser um dos beneficiários das subvenções do novo Fundo de Recuperação, que Bruxelas apresentará na próxima quarta-feira, juntamente com a revisão do Orçamento Comunitário para 2021-27. "Essa é a intenção, porque vemos que, no caso de Portugal, a dívida pública está a subir substancialmente. Este ano deverá ultrapassar os 131% do PIB", afirma Valdis Dombrovksis ao Expresso, sublinhando que o Instrumento "terá uma forte componente de subsídios", para apoiar o investimento dos países sem lhes pesar na dívida, e essa é uma questão fundamental a sul, sobretudo em Itália e Espanha, os dois países mais afetados. Contudo, não será dinheiro grátis, nem sem condições. A recente proposta franco-alemã para um criar fundo de 500 mil milhões de euros prevê que "os Estados-Membros se comprometam a seguir boas políticas económicas e uma agenda ambiciosa de reformas". Berlim quer que o dinheiro seja transferido para as regiões e setores mais afetadas pela pandemia seja gasto de forma orientada para o futuro, em linha com as novas prioridades europeias como o digital e a economia verde. A ideia não é transferir dinheiro a fundo perdido para repor o que estava, mantendo práticas do passado, mas garantir que as transferências - que não são empréstimos - vão contribuir para uma modernização da estrutura económica. Fonte alemã adianta que cabe à Comissão Europeia propor agora os critérios de atribuição de verbas e aos 27 decidir as condições.

Mas é desde já claro, que a proposta de França e Alemanha pressupõe uma maior coordenação e supervisão das políticas económicas e orçamentais a nível europeu, ou seja, um maior controlo de Bruxelas do dinheiro gasto através do fundo de recuperação, com consequências na vigilância das contas públicas nacionais.
Esta lógica deverá estar também na proposta que a Comissão Europeia está a finalizar, e na qual o grosso do dinheiro do fundo (cerca de 80%) será canalizado através de um Mecanismo de para a Resiliência e Recuperação. Segundo Dombrovskis é preciso garantir que o dinheiro será utilizado da melhor forma possível, por isso, haverá "uma ligação entre o financiamento europeu e a implementação das recomendações específicas por país". Ou seja, o dinheiro estará sujeito à orientação de Bruxelas e dos ministros das Finanças, tal como está previsto no chamado Orçamento da Zona Euro - ou Instrumento orçamental para a Convergência e Competitividade, no jargão europeu - os países propõem as reformas que querem fazer e os projetos a financiar, mas têm de ter em conta a orientação do Eurogrupo e a decisão é tomada a nível europeu.
EUROBONDS DISFARÇADOS
É a outra face da moeda da chamada mutualização da dívida, que a Alemanha acaba por aceitar. O documento negociado entre a chanceler alemã e o presidente francês não o diz, mas o princípio de uma emissão de dívida cujo reembolso é garantido por todos está lá. Não é a primeira vez que Berlim aceita que a Comissão vá buscar dinheiro aos mercados, mas é a primeira vez que não exige que esse dinheiro seja emprestado aos países, numa lógica de cada um no final paga o seu (aconteceu recentemente com o programa de 100 mil milhões de euros em empréstimos para apoiar os sistemas nacionais de layoff). Desta vez, abre a porta a uma injeção de 500 mil milhões de euros adicionais no próximo Quadro Financeiro Plurianual- sobretudo nos primeiros anos - que serão pagos através dos orçamentos europeus seguintes por todos os seus contribuintes. "Solidariedade é receber na medida do impacto do novo coronavírus e reembolsar o dinheiro em função das capacidades económicas", resumiu esta semana o ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire. Só a Alemanha deverá assegurar 27% do pagamento.
"Tem uma estrutura muito semelhante com o que muitos chamam de Eurobond ou Coronabond, sem que seja usado esse nome", diz ao Expresso o analista do Think Tank Bruegel Zsolt Darvas, apontando para uma "redistribuição entre estados-membros, sabendo que os contribuintes alemães e holandeses suportariam as regiões e setores italianas e espanholas mais afetadas pela crise". Ao mesmo tempo sublinha que se trata de um instrumento temporário, para "usar uma só vez" por causa da pandemia.
A questão passa agora por saber se os 500 mil milhões de euros serão incorporados na proposta a apresentar pela Comissão Europeia. O montante está longe de estar fechado e mesmo que o executivo comunitário siga esta indicação, os valores da emissão de dívida terão depois de ser sujeitos a uma negociação entre países que ditará ainda quanto deste dinheiro será despesa orçamental (subsídios) e quanto serão empréstimos.
"Empréstimos não seriam úteis", diz Darvas, mas admite que o compromisso final também deverá incluí-los, tendo em conta a pressão dos Países Baixos, Dinamarca, Suécia e Áustria. Para o analista, é "muito infeliz que os quatro frugais tenham imediatamente indicado que discordam" da proposta franco-alemão, insistindo numa solidariedade através de crédito. Em Berlim, esta divergência não é vista com preocupação, mas como parte do diálogo democrático. No entanto, não há para já sinais de que Haia, Viena, Estocolmo e Copenhaga sigam o exemplo de Angela Merkel e aceitem mais do que estavam dispostos a dar no início da pandemia.
"Ela já não tem muito a perder", afirma o analista alemão Philipp Sälhoff ao Expresso, lembrando que a chanceler que está no último mandato nem sequer era umas grandes opositoras à mutualização da dívida dentro dos conservadores. "Ela e Macron são europeístas convictos", continua, sublinhando que esta crise é uma oportunidade para mais "integração europeia" e que as sondagens mostram que o passo de Merkel - "um marco histórico" - tem o apoio da maioria dos eleitores (socialistas, verdes e até entre os conservadores), disponíveis para mais solidariedade financeira através de um fundo e da mutualização.
Darvas também não se surpreende com a pirueta política da chancelar. "A Alemanha claramente beneficia da pertença à UE e da Zona Euro", afirma, acrescentando que "é do interesse" do país ajudar os países mais a atingidos e com menor margem orçamental para reagir. O Governo alemão tem a noção que se não o fizer "arrisca uma crise ainda maior", com consequências para o mercado interno, mas também políticas. No caso italiano, isso poderia significar ter o líder nacionalista Matteo Salvini "como o próximo primeiro ministro", com políticas eurocéticas, como tirar o país do euro. E isso não interessa à Alemanha (Expresso, texto da correspondente em Bruxelas, a jornalista SUSANA FREXES)

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