domingo, maio 31, 2020

Resgate da TAP em clima de tempestade

A TAP aterrou no centro da agenda política nacional. Uma guerra travada em uníssono pelo poder político contra a gestão privada da companhia, num momento em que o Estado português negoceia com a Comissão Europeia o seu plano de resgate. E em que parece cada vez mais provável, de acordo com informação recolhida pelo Expresso, que o modelo de financiamento a aplicar à companhia aérea será o de um empréstimo obrigacionista convertível em ações. O objetivo é que sejam, na prática, empréstimos (público ou privado garantido) passíveis de serem convertidos em capital, se a transportadora não os conseguir pagar. Ou seja, se a TAP falhar o pagamento do empréstimo — um cenário possível e que o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já admitiu, no Parlamento, ser provável —, o Estado reforçará a sua participação acionista na companhia e ficará com mais de 50% do capital.
O modelo de auxílio à TAP está no entanto longe de estar fechado e terá de ser negociado, passo a passo, com Bruxelas, que naturalmente irá impor condições, os chamados remédios. Basta olhar para o que está a acontecer com a poderosa Lufthansa, que trava uma dura batalha com a Direção-Geral da Concorrência Europeia para evitar a todo o custo que, a troco de uma ajuda de €9 mil milhões, lhe cortem os slots (tempos de aterragem e descolagem). Nein, dank, disse a administração da Lufthansa, deixando as negociações num impasse.

Uma coisa é clara neste momento: sem a ajuda do Estado, a TAP não sobrevive, e a urgência agrava-se a cada dia que passa. Os acionistas privados, David Neeleman e Humberto Pedrosa, detentores de 45% do capital, vão ter de se entender com o Estado. É inevitável. E embora a tensão seja grande, a informação que o Expresso tem recolhido junto de várias fontes é que as conversas tidas no seio do grupo de trabalho que está a desenhar o plano de auxílio e a ajudar nas negociações com Bruxelas têm decorrido num espírito de colaboração. O recuo imediato da gestão da TAP face ao contestado plano de voos é um sinal de que Neeleman e Pedrosa não querem nem podem levantar ondas. A ansiedade dentro da TAP é grande e a expectativa é que seja anunciada uma solução, ainda que preliminar, já na próxima semana — junho tem sido visto como um mês crítico para a companhia, cada vez mais sufocada. E a escassez da procura faz temer o pior. A TAP, segundo dados da ANAC, teve menos 2.084.458 passageiros em março e abril face a idêntico período de 2019. E os voos previstos, no plano que está agora em revisão, revelam um panorama desolador: 247 voos por mês contra os habituais 3000. A gestão da TAP, tal como o Expresso já noticiou, está a trabalhar com um plano de auxílio de Estado que se situa entre os €800 milhões e os €1,2 mil milhões — um valor que variará consoante o cenário. Quanto será a ajuda é algo que ninguém quer confirmar. A chave desta pergunta está no grupo de trabalho liderado por João Nuno Mendes, que continua a solicitar informações à TAP.
PRESSÃO OBRIGOU A RECUO
O lema desta semana foi: todos contra o plano de voos da TAP para junho e julho. Um coro de protestos onde alinharam praticamente todos os partidos, com o primeiro-ministro e o Presidente da República a afinarem pelo mesmo tom. António Costa falou mesmo em “falta de credibilidade”. A gestão privada da TAP viu-se obrigada a recuar e a fazer uma nova análise dos voos, sobretudo, a partir do Porto. É isso que está a acontecer. A TAP vai agora conversar com diferentes entidades do Norte do país — autarcas e associações empresariais —, de forma a encontrar uma solução.
Mas o que quer que seja acordado pode esbarrar na oposição da Comissão Europeia, caso sejam incluídos voos considerados não rentáveis. O exemplo da Lufthansa é elucidativo. E é algo que não pode deixar de estar presente no que vier a ser proposto. A TAP tem argumentado que é essa, precisamente, a razão que a limita nas rotas a partir do Porto. Pedro Nuno Santos já admitiu que a transportadora vai ser reestruturada e, embora a gestão executiva da companhia recuse a ideia de que Bruxelas irá impor condições, se a opção da ajuda for pelos empréstimos obrigacionistas garantidos é muito difícil que isso não aconteça.
OS VOOS QUE O NORTE QUER
Após as ondas de indignação de autarcas e líderes distritais de todos os quadrantes políticos contra o plano de confinamento da TAP para a região, o Porto e o Norte querem agora, antes de tomarem uma posição, ver o novo plano de voos da transportadora aérea de bandeira de e a partir do Aeroporto Francisco Sá Carneiro. O aviso é que irão recusar que o aeroporto do Porto seja transformado em “apeadeiro” da Portela, tendo o líder da Área Metropolitana do Porto (AMP), o socialista Eduardo Vítor Rodrigues, já advertido que se “a TAP abdicar do Porto”, a região “abdicará da TAP” e partirá para uma solução alternativa.
A Câmara Municipal do Porto assinala como “absolutamente estratégicos” os destinos Londres, Paris, Amesterdão, Genebra ou Milão. E defende que não será apenas para garantir a mobilidade dos portugueses que trabalham nessas cidades e são residente no Norte do país, mas também para assegurar agilidade económica de sectores como calçado, têxtil ou a inovação.
A estas ligações, o presidente da Associação Comercial do Porto (ACP), Nuno Botelho, acrescenta como essenciais para o turismo e a captação de investimento ligações diretas a Frankfurt. A autarquia liderada por Rui Moreira avança que o plano da TAP reduz os voos da operação a partir do Aeroporto Francisco Sá Carneiro para a Europa a 4% face a 2019 (Expresso, texto dos jornalistas ANABELA CAMPOS, LILIANA VALENTE, PEDRO LIMA E ISABEL PAULO)

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