quinta-feira, maio 28, 2020

A TAP conseguiu um raro consenso político: todos contra os gestores

A companhia aérea agoniza com as paralisações impostas pela pandemia. O sector vive a maior crise de sempre, mas a TAP tinha problemas antigos e o poder político está agora a jogar com isso. A guerra entre Estado e privados saiu da mesa das negociações e anda agora na praça pública.  A música que ainda se ouve na TAP foi um hit lançado com estrondo em 2016. António Costa empunhou a bandeira do novo acordo - em que o Estado ficou com 50% da empresa, mas não entraria na gestão do dia-a-dia - e que foi visto como um dos seus primeiros sucessos no arranque da governação. A música ainda continua a tocar. Mas agora, a pandemia desafinou (mais) os resultados da empresa, provocou uma queda inimaginável nas receitas, mandou quase nove mil trabalhadores para o layoff e o Governo quer mudar o disco.
Primeiro, houve desentendimentos entre o ministro que tutela a pasta, Pedro Nuno Santos, e o primeiro-ministro sobre qual seria o tempo de entrada, o ritmo e o género da nova melodia. Já no ano passado, Pedro Nuno Santos, tinha criticado a gestão da TAP em público, considerando inaceitável o pagamento de prémios, em ano de prejuízos, dando apenas a uma pequena parte dos trabalhadores: 180.

O ministro das Infraestruturas voltou à carga este ano com a perspectiva de o acionista privado insistir na entrega de prémios em 2020, apesar de 2019 ter sido, de novo, um ano com prejuízos acima dos 100 milhões de euros. Desta vez, Pedro Nuno Santos falou “em falta de respeito” pelos trabalhadores e disse que tinha comunicado à gestão que não iria permitir que isso acontecesse. As críticas diretas à gestão da TAP fizeram-se sentir sempre que a companhia vinha à baila, com o ministro a dizer que o plano estratégico não estava a ser cumprido pela equipa de Antonoaldo Neves, o presidente executivo, e que as promessas de lucro tardavam em chegar.
Entretanto, ministro e primeiro-ministro acertaram agulhas (mesmo que o tom continue a ser diferente) e juntaram ao coro o Presidente da República, o PS, o PSD, o Porto e a Madeira. Tudo, num uníssono que promove pressão sobre os privados, em plena negociação do plano de recuperação da companhia.
A TAP está agora não só sob grande pressão financeira, como também política. O Expresso noticiou esta semana que a gestão estima que a companhia precise, no cenário mais depressivo, até 1,2 mil milhões de euros. Há uma guerra aberta à gestão privada da TAP, e o poder político está alinhado: o plano de rotas pós-Covid-19, anunciado esta quinta-feira é um argumento que está a pesar. Agora a música passará a ser outra?
A crítica à gestão
A metáfora foi utilizada pelo ministro da Habitação e Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, na famosa intervenção no Parlamento que lhe valeria milhares de partilhas online e variadas críticas ao seu estilo “fanfarrão”. “A música agora é outra”, disse. Estávamos a 29 de abril e Pedro Nuno Santos deixava avisos na praça pública à Comissão Executiva da TAP. “Se o povo português paga, é bom que seja o povo português a mandar”, disse na altura. Nessa intervenção, Pedro Nuno criticava a gestão da TAP: “Não é por eu ser ministro que vou passar a dizer que a empresa é bem gerida. Faço uma apreciação negativa da gestão da TAP, como já fazia antes da Covid-19. Acho que a TAP antes da covid-19 já não estava bem", disse.
Na substância, o que o ministro fez naquela intervenção, além da crítica veemente à gestão da TAP, foi dizer que a proposta que os administradores da TAP tinham feito, para o Estado garantir um empréstimo de 350 milhões de euros, não era a solução que queria seguir. “É uma fezada acreditar que a companhia vai pagar os 350 milhões do empréstimo mais os 850 milhões de dívida".
Empréstimo fora. Restavam todas as outras alternativas, incluindo a nacionalização.
O controlo e a nacionalização
Quinze dias depois, Pedro Nuno Santos, voltava ao Parlamento. Apesar de prometer mais ponderação, voltou a ser duro com a gestão da transportadora aérea, dizendo mesmo diretamente que o Estado ia meter mais dinheiro, mas queria mais poder executivo e mais capacidade de controlo na gestão. Apontou inclusive onde: caixa, frota e rotas. E foram as novas rotas que entonaram o caldo no Norte do país. O ministro das Infraestruturas questionou ainda o contrato de aluguer dos aviões da Azul, companhia do acionista privado da TAP, David Neeleman. Afirmou que a TAP iria ser reestruturada, porque como está agora “não é sustentável”. E admitiu um cenário novo: o de insolvência.
Este cenário veio juntar-se ao de nacionalização da TAP, que tem estado em cima da mesa desde o início da pandemia - que levou ao chão a quase totalidade dos 105 aviões da TAP -, e foi admitido pelo próprio primeiro-ministro. “Neste quadro, não podemos excluir a necessidade de nacionalizar a TAP ou outra empresa que seja fundamental para o país, para não correr o risco de a perder no final desta crise”, disse António Costa em entrevista ao Observador no dia 13 de Abril.
Mas quinze dias depois desta entrevista, um dia a seguir à intervenção do ministro, houve um desalinho no tom. Costa baixava o ritmo e recusou fazer “especulações” sobre a gestão da TAP. “As negociações entre sócios não se devem fazer através da comunicação social”, respondeu em entrevista à RTP. O destinatário era o ministro, que desde então passou a ter mais cautela na forma, chegando mesmo a fazer um mea culpa, prometendo“humildade” e “cuidado” na forma como falava em público.
Nessa mesma entrevista, Costa acrescentava ainda um ponto ao conteúdo daquilo que estava a ser negociado. Para o primeiro-ministro, não se “devem fazer revisões dos planos estratégicos” da empresa sobretudo no cenário de incerteza. Primeiro, aguentar e salvar, depois criar uma estratégia. “É altura para parar, aguentar, ver e depois pensar quando tivermos dados suficientemente sólidos para antever aquilo que é o futuro".
Pelo meio, entre debates quinzenais e outras entrevistas e declarações, Costa e Pedro Nuno mostraram que as conversas com os privados não estavam a ser fáceis e que os dois estavam a querer entrar no mesmo ritmo. Evitar a desunião pública para, ao mesmo tempo, evitar que os privados prevalecessem.
Primeiro foi sobre o controlo da empresa. No debate quinzenal do início de Maio, António Costa defendeu que deveria haver uma “ponte” temporal entre a solução de emergência para a TAP e o futuro da companhia, pensando em termos estratégicos. Mas, sem dizer como, defendeu que terá de haver um aumento do controlo por parte do Estado: “Apoio haverá, apoio sem controlo não haverá”, disse. Ou seja, se a relação accionista mudar (Estado ficar com mais), então, a “relação de poderes tem de se alterar", afirmou. “Não pode ser um cheque em branco, mas com modelo de negócio".
Também afinariam a mensagem quanto aos prémios, não Costa diretamente, mas através de Miguel Frasquilho. O presidente do conselho de administração da TAP veio dar um puxão de orelhas à gestão, dizendo que a administração, onde estão os representantes do Estado, nada sabia sobre os prémios, e que a situação não se voltaria a repetir.
Porto, partidos e Marcelo entram em jogo
Por fim, o plano de voos. Foi a última gota de água. Assim que foi conhecido o plano da companhia para retoma das rotas na era pós-Covid, quase todos os partidos criticaram a TAP, incluindo o PS. No mais recente episódio da saga, entraram vários pesos pesados em ação, desde o Presidente da República ao primeiro-ministro, fazendo pender a balança da pressão para o lado do Estado. O plano de voos seria o ponto de viragem na política, na relação entre o Estado e a direcção da companhia aérea portuguesa.
O PS, pela voz do secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, pediu a audição urgente do presidente da TAP, Miguel Frasquilho, dizendo que o plano da TAP “lesa o interesse nacional”. O PCP disse que o plano de voos mostrava como o Estado devia controlar a empresa; o BE, que a companhia aérea estava a transformar o Aeroporto Sá Carneiro num “apeadeiro”.
Depois foram também feitas duras críticas por Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, que ironizou dizendo que a TAP estava a impor “um confinamento ao Porto e ao Norte”. Na mesma linha, Rui Rio usou do mesmo recurso estilístico para dizer que se a TAP “é regional” não pode ter apoios nacionais. Não é a primeira vez que o autarca do Porto, Rui Moreira, se incompatibiliza com a TAP, tinha feito o mesmo em 2015 quando a companhia cortou algumas rotas, nomeadamente Milão e Bruxelas. Na altura, Rui Moreira acabou por dizer que iria esquecer a TAP e virar-se para as low-cost.
Os defensores da TAP têm afirmado que o país é relevante para a companhia mas ela não pode viver apenas dele - 80% das receitas vêm de voos para fora de Portugal, e isso acontece porque Lisboa é uma placa giratória, de ligação entre a Europa, os EUA, o Brasil e África. Além disso, sublinham, a gestão não está interessada em fazer voos que não sejam rentáveis. A TAP não recebe dinheiro público há duas décadas.
Por fim, o topo da hierarquia do Estado. O Presidente da República disse compreender os críticos. Em declarações à Lusa, Marcelo Rebelo de Sousa disse que “acompanha a preocupação manifestada por vários partidos políticos e autarcas relativamente ao plano de retoma de rotas da TAP, em particular no que respeita ao Porto".
A este consenso, faltava a voz do primeiro-ministro e este fê-lo esta quarta-feira por duas vias, em declarações à Lusa e no Twitter. Aí, António Costa destruiria o plano da TAP dizendo que este “não tem credibilidade” até porque não cumpriu a “prévia informação sobre a estratégia de reabertura de fronteiras definida pela República Portuguesa".
Desta vez, o ministro Pedro Nuno Santos ficaria calado, deixando a mensagem do Governo passar por António Costa. Seria a primeira vez que o primeiro-ministro criticava em público a gestão da companhia, de forma dura. “Vejo-me obrigado a recordar à Comissão Executiva da TAP os deveres legais de gestão prudente e responsável, que não são compatíveis com a definição, divulgação e promoção de planos de rotas cuja viabilidade depende da vontade soberana da República na gestão das suas fronteiras”, escreveu. Para meio entendedor, meia letra de música basta (Expresso, texto das jornalistas Liliana Valente  e Anabela Campos) 

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