domingo, maio 24, 2020

Aviação: Pilotos com futuro incerto mas não ‘atiraram a toalha ao chão’

O regresso a conta-gotas dos voos comerciais está a deixar os pilotos de aviação mais otimistas, embora não acreditem que a crise causada pela pandemia seja ultrapassada antes de 2023. Pior, dizem, foram os tempos após o ataque às Torres Gémeas, em Nova Iorque, a 11 de setembro de 2001, altura em que a confiança dos passageiros desceu a níveis perigosos e “muitos analistas vaticinavam que mais ninguém ia querer andar de avião”, lembra Miguel Silveira, presidente da Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea. “É óbvio que está a registar-se um abrandamento causado pela covid-19, mas mais cedo ou mais tarde vai aparecer uma vacina para combater o vírus. Para o terrorismo não há qualquer tipo de comprimido.” Um dos bons sinais é que não tem havido “desistências significativas” nas escolas de pilotagem, o que, a ocorrer, poderia indiciar uma desmotivação dos jovens alunos para entrar na profissão, numa altura em que praticamente não se voa pelo mundo. Este comandante lembra que a restruturação feita pela generalidade das companhias aéreas portuguesas tem passado por colocar os pilotos em lay-off, um mal menor quando comparado com outras soluções mais drásticas. “Fala-se muito em reformas antecipadas mas não tem havido despedimentos”, afirma.

Filipe Conceição, um dos veteranos comandantes da TAP, assume que a covid-19 tem levado “a um abanão” na profissão, mas com gradações diferentes entre a classe — “os mais novos estão mais nervosos, porque são os que têm mais a temer”. Também prevê que as escolas de aviação “vão sofrer” e que algumas podem mesmo “ir ao fundo” caso a pandemia se prolongue por muito tempo. Ainda assim, defende que dois meses de paragem não são assim um drama tão grande. “Estar em terra deixa alguns muito nervosos pois estamos habituados a uma vida ativa, com idas e voltas pelo mundo. Mas não somos assim tão frágeis.” Ainda que devagar, acredita que a aviação “vai começar a mexer”.
90 MIL PILOTOS DESEMPREGADOS
Quem não tem dúvidas de que vai haver despedimentos é o psiquiatra José Gameiro, que é também piloto, sobretudo nas companhias low cost que vão aproveitar para dispensar quem tem contrato a termo. “Os pilotos vão perder valor com esta pandemia.” José Gameiro acredita que o período de pleno emprego e de grande procura de jovens para se formarem como pilotos “acabou” com a chegada do novo coronavírus. Para os que se encontram em início de carreira, tendo um salário mais baixo e estando atualmente em lay-off, antevê problemas financeiros. “Vão ter dificuldades já que perdem um terço do rendimento, embora não sejam as mesmas dificuldades de quem ganha o salário mínimo.”
Miguel Costa, presidente do conselho da administração da companhia aérea White Airways, cita os estudos internacionais que preveem que no fim da pandemia haja 90 mil pilotos no desemprego em todo o mundo. “A profissão de piloto tem futuro mas nem todas as empresas do sector vão conseguir ultrapassar a crise.”
O gestor lembra que o investimento inicial para alguém se tornar piloto é muito elevado, sendo por isso normal que haja pessoas a querer desistir por “medo” de um futuro incerto. Ainda assim, nenhum dos 200 pilotos que tem em formação nas fileiras da White mandou para já a toalha ao chão. “Eles fazem-nos muitas perguntas: Como vamos sair disto? Qual vai ser o ajustamento necessário? E se? E se?” Mas neste momento ninguém tem respostas concretas para lhes dar. “O desconfinamento vai ser lento e as pessoas estão desconfiadas. E temos um outro problema: o do teletrabalho, que vai atrasar a apetência por viajar de avião.” (Expresso, texto do jornalista HUGO FRANCO)

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