terça-feira, maio 05, 2020

Como 16 juizes alemães ameaçam o programa de compra de dívida do BCE

Esta terça-feira de manhã, 16 juízes do Tribunal Constitucional alemão vão pronunciar-se sobre a legalidade do programa de aquisição de dívida pública lançado em 2015 por Draghi. Se derem razão aos queixosos, a política monetária do BCE fica em maus lençóis. As consequências são imprevisíveis. Apolítica monetária do Banco Central Europeu (BCE) está nas mãos de 16 juízes de toga vermelha do Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht) sediado em Karlsruhe. Esta terça-feira pelas 9 horas (hora de Portugal) o tribunal comunicará a sua decisão sobre quatro queixas colocadas em 2015, lideradas por economistas e juristas alemães, contra o programa de aquisição de dívida pública iniciado pelo BCE em março de 2015, acusando-o de ser ilegal à luz das regras impostas pelos Tratados da União Europeia que proíbem o financiamento direto dos Estados pelo BCE. E, desse modo, ser ilegal à luz da constituição alemã, que proíbe que o banco central desempenhe esse papel.

Uma decisão negativa sobre este programa - que foi reativado em novembro do ano passado - vai colocar em causa a parte mais importante da política monetária do BCE, que já levou à aquisição de 2,2 biliões de euros em títulos de dívida pública desde 2015, e implicará, certamente, o surgimento de novas queixas junto do Constitucional alemão agora contra o programa de emergência contra a pandemia lançado pelo BCE em março.
Um sinal vermelho dos juízes de toga vermelha alemães diz também aos investidores que a política do BCE tem a oposição constitucional da maior economia do euro e fragiliza, de imediato, a resposta de emergência dada pela equipa de Christine Lagarde à pandemia.
Se o programa lançado em 2015 pelo BCE for considerado "ilegal", o Bundesbank (o banco central alemão), o governo de Angela Merkel e o Parlamento (Bundestag) terão de agir em conformidade, por imposição constitucional, contra o coração da política monetária do BCE.
As consequências em concreto da decisão são imprevisíveis, uma vez que uma situação destas seria inédita, mas, desde já, o tribunal poderia interditar a participação do Bundesbank no programa ou colocar exigências muito estritas que dificultariam a 'flexibilidade' na sua aplicação e a duração da sua atuação (incluindo o programa de reinvestimentos dos montantes que vão vencendo na carteira do BCE). O Bundesbank deixaria de comprar dívida pública alemã, considerada um investimento de refúgio seguro, no mercado secundário. O Bundesbank tem em carteira títulos no valor de 534 mil milhões de euros, quase 1/4 do montante total do PSPP. E, mesmo assim, abaixo da chave de capital respetiva.
Uma vez que o processo em tribunal questiona o programa iniciado em 2015 (conhecido pelo acrónimo PSPP, de Public sector purchase programme), não tem implicações legais imediatas sobre o atual programa de combate à pandemia (conhecido pela sigla PEPP, para Pandemic Emergency Purchase Programme) anunciado pelo BCE em março e que passa pela compra até ao final do ano de 750 mil milhões de euros em ativos. Contudo, uma sentença positiva abriria a porta a uma outra ação legal, análoga, agora contra o PEPP, por partes de queixosos.
Além disso, uma decisão contra uma das 'bazucas' do BCE para evitar crises de dívida na zona euro teria repercussões muito negativas no mercado da dívida, com os investidores a colocarem, de novo, em causa a solidez da zona euro, face a divergências tão nítidas sobre a legitimidade constitucional da atuação do BCE.
UM EXPEDIENTE PARA CONTORNAR UMA PROIBIÇÃO
As queixas junto do Constitucional alemão contra o programa do BCE baseiam-se na interpretação de que as compras de dívida no mercado secundário são um expediente que contorna a proibição de financiamento dos Estados.
Mesmo sendo realizadas no mercado secundário, com a aquisição dos títulos aos investidores, e não diretamente aos Estados no momento de emissão das obrigações no mercado primário, o carácter massivo e o período temporal alargado da duração servem de sinal aos investidores de que a dívida pública que comprarem é, depois, em larga medida, garantida por compras futuras pelo BCE.
Nomeadamente aos bancos comerciais da zona euro, que são um dos investidores institucionais ativos na aquisição de dívida pública dos estados membros (o que fazem financiando-se a taxa negativa junto do próprio BCE), mas também à comunidade internacional de investidores que vê no BCE a garantia de que uma parte do seu investimento em títulos (pelo menos, até 33% de cada linha obrigacionista e da dívida de cada estado membro) terá um comprador "final" certo, enquanto durarem os programas de aquisição de ativos.
A acusação alega que os investidores funcionariam, deste modo, como meros 'intermediários' de um esquema de financiamento pelo BCE do endividamento dos Estados membros.
O processo, desde as queixas iniciais, levou o Tribunal federal alemão a 18 de junho de 2017 a emitir uma opinião de que o programa do BCE era ilegal, mas, em agosto do mesmo ano, os juízes de Karlsruhe pediram um parecer ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Foi a segunda vez que a ele recorreram, depois de, em 2015, os juízes da União terem considerado legal um outro programa de compras anterior do BCE, o OMT (lançado em 2012 por Draghi, mas nunca ativado), mas colocando um conjunto de exigências muito estritas na sua aplicação, que satisfizeram os juízes alemães, que, em junho de 2016, considerarem o OMT legítimo e permitiram ao Bundesbank nele participar.
Como o programa nunca chegou a ser usado, as condições estritas colocadas pelos juízes europeus nunca foram testadas.
TRIBUNAL DA UNIÃO TROCA AS VOLTAS AOS ALEMÃES
Mas, da segunda vez, os juízes alemães ficaram surpreendidos. A 11 de dezembro de 2018, o Tribunal de Justiça da União considerou que o programa lançado em março de 2015 pelo BCE era conforme à lei, o que seguia, sem surpresa, a decisão tomada sobre o OMT.
Mas, desta vez, não colocaram exigências estritas para o seu cumprimento - o que apanhou, de surpresa, os alemães. Pelo contrário, consideraram, nomeadamente, que os investidores não podiam ter certeza de que o BCE lhes compraria os títulos no futuro.
O juízes alemães apreciaram o parecer dos juízes europeus a 30 e 31 de julho de 2019 e agendaram para 2020 uma decisão final.
Desta vez, sem restrições colocadas pelos juízes europeus - a não ser a de que não pode haver "seletividade" nas compras, ou seja, que nenhum estado membro pode ser excluído ou privilegiado em detrimento dos outros -, os juízes federais alemães enfrentam uma decisão crítica, em que poderão ir contra o parecer dos europeus (Expresso, texto do jornalista JORGE NASCIMENTO RODRIGUES)

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