sábado, maio 02, 2020

A Suécia é o modelo do futuro ou só o maior espalhanço europeu?

País de 10 milhões de habitantes contrariou toda a Europa e manteve a vida quase normal, sem fecho de comércio nem pânico. 10,2 milhões de habitantes, 119 500 testes feitos, 21 520 infetados, 2653 mortos por covid-19. Não é o quadro de Portugal, é o da Suécia, e é a realidade de hoje no 7.º país com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Mundo. O nosso país, que tem os mesmos 10,2 milhões de habitantes e é o 40.º no programa da ONU para o desenvolvimento, tem números incontestavelmente melhores no combate à doença respiratória do novo coronavírus: apesar de possuir mais infetados diagnosticados (25 351), soma menos de metade dos mortos (1007) e já realizou mais do triplo de testes (395 771).
Como explicar a diferença? Com as circunstâncias que nos cercam: desde meados de março, Portugal declarou três quinzenas sucessivas de estado de emergência (que termina este sábado e muda para o menos restritivo estado de calamidade), e fechou fronteiras, escolas e comércio, trancando os seus cidadãos em casa, como a generalidade da Europa.
O que fez a Suécia? Manteve fronteiras e jardins abertos, restaurantes e bares continuaram a servir, deixou infantários, escolas primárias e secundárias até aos 16 anos a lecionar. Cabeleireiros, salões de ioga, ginásios e até alguns cinemas mantiveram os seus negócios, fechando-se só os eventos de massas em estádios e museus. No final de março, foram proibidas visitas a lares de 3.ª idade. E... é isso.

"Aprendam connosco"
Basicamente, a Suécia pediu aos suecos, eles que não promovem como nós a proximidade intergeracional de netos com avós, que continuassem a ser... suecos. Desaconselharam viagens (mas não as proibiram), incentivaram o teletrabalho, popularizaram a boa higiene, mas não policiam ninguém e quase não há multas - a polida Polícia não dá ordens, só pede às pessoas que não se juntem mais de 50 e cumpram distância social de dois metros. Ninguém usa máscara, e quem ousa é olhado com a estranheza dos marcianos.
Serão os suecos melhores do que nós - ou saberão mais do que nós, os da fama lasseira e das contas más do Sul europeu?
Olhemos de novo para cima: o país dos Abba e de Bergman está pior que a vizinha Dinamarca (5,8 milhões de habitantes, 9311 infetados, 460 mortos) e muito pior que a Finlândia (5,5 milhões de habitantes, 5051 casos, só 218 mortes). O que foi diferente, já que a frieza social será a mesma no empinado norte europeu? Dinamarca e Finlândia, como nós, tamparam tudo.
Nas últimas horas, a Suécia recebeu um inesperado apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), que disse que o país já está no futuro. "Se queremos alcançar uma nova normalidade, acho que a Suécia é um modelo a seguir para o desconfinamento", disse Michael Ryan, um dos diretores da OMS.
O incentivo chegou em boa hora à Agência de Saúde Pública da Suécia, órgão independente do Governo e que gere a crise. "Sim, é lisonjeiro para a Suécia. Tentaremos estar à altura dessas expectativas", disse o epidemiologista Anders Tegnell, cérebro da "experiência sueca" e alvo de críticas do Mundo quase todo (ler ao lado). Mais viril foi Johan Giesecke, ex-epidemiologista estatal: "O surto foi mal tratado em todos os países, exceto na Suécia. Talvez os outros possam aprender alguma coisa connosco", disse, empavonado.
Prognósticos no fim
"A pandemia é uma maratona, não é um sprint", avisou Ann Lindle, a ministra sueca dos Negócios Estrangeiros. "Queremos salvar vidas, impedir o avanço do vírus, garantir que o sistema de saúde pode lidar com a situação e mitigar consequências para negócios e empregos", disse. E vincou que "a vida deve ser sustentável a longo prazo".
Embora o plano tenha provocado ceticismo no Mundo - até o comprovado ignaro presidente Trump, dos EUA, criticou a "pesada fatura de mortos na Suécia, que não se quis confinar" -, 3/4 dos suecos expressaram alta ou muito alta confiança na Agência de Saúde Pública, diz uma sondagem da Novus. A popularidade do primeiro-ministro, Stefan Lofven, também aumentou e mais de seis em cada 10 suecos confiam no tratamento da crise pelo Governo. Também aqui, como em muitas ciências que desconhecemos mas à partida não devemos negar, os prognósticos só se farão no fim do jogo.
O estratega da "imunidade em bando"
Anders Tegnell, funcionário público de 64 anos que há dois meses era uma anonimidade no Mundo, é o cérebro da singular "experiência sueca". Médico, epidemiologista e chefe da Agência de Saúde Pública, aplicou com firmeza aquilo que o Reino Unido ainda tentou, mas depois teve medo e recuou: não fechou o país, não ordenou testes em massa, pediu só distância aos mais velhos. O que pretendia? Que os suecos enfrentassem o vírus. Como? Contraíssem a doença e a vencessem no seu sistema imunológico. À falta de vacina, adquiririam assim a famosa "imunidade em bando". E resulta? Tegnell diz que sim. E a maioria dos suecos concorda: o epidemiologista é agora, relata o tabloide "NY Post", a figura mais popular nos salões de... tatuagens, com centenas de suecos a gravarem na pele a cara inexpressiva de lábios finos de Tegnell (Jornal de Notícias, texto do jornalista José Miguel Gaspar)

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