domingo, abril 26, 2020

TAP China salva, enquanto Estado mantém impasse?

Acionistas privados propõem ao Estado uma emissão obrigacionista de €350 milhões para ajudar a TAP a sobreviver à paragem forçada. Irá David Neeleman, o acionista privado norte-americano da TAP, levar a sua avante e conseguir que o apoio do Estado português se fique por garantir apenas o financiamento à companhia aérea de bandeira, sem que haja um reforço da sua posição e do seu poder? Dificilmente, mas é uma resposta que só o tempo dará. Para já, David Neeleman está a ganhar terreno. A Comissão Executiva da TAP fez chegar, a 19 de março, uma carta à Parpública pedindo autorização para avançar com uma emissão de obrigações no valor de €350 milhões, com garantia do Estado. Uma emissão que seria colocada e tomada firme por dois bancos chineses, o Haitong Bank, com presença em Portugal, e o ICBC Spain — Industrial and Commercial Bank of China. Uma espécie de balão de oxigénio para a transportadora, que está neste momento praticamente sem receita e que, apesar de ter uma tesouraria confortável e 90% dos seus trabalhadores em lay-off, precisa de apoio. O Haitong Bank, ex-BESI, ajudou a colocar a emissão obrigacio­nista que a TAP fez em 2019.
Já passou um mês, e o Governo ainda está a avaliar a proposta da TAP à Parpública, empresa onde está depositada a participação do Estado. Detentor de 50% do capital, o Estado terá uma palavra a dizer em relação à solução patrocinada pelo acionista norte-americano, que já afirmou ter também instituições financeiras europeias disponíveis para financiar a TAP. O Ministério das Infraestruturas não quis fazer comentários, como tem sido habitual. Há, pelo menos aparentemente, um impasse. A reserva tem sido total face à solução desejada pelo Governo para a TAP. Admite-se que Pedro Nuno Santos possa levantar a ponta do véu sobre o futuro da companhia na próxima quarta-feira na Assembleia da República.
Se a emissão obrigacionista avançar nos moldes propostos por Neeleman e tornados públicos esta semana, a TAP acabará por ser financiada por bancos chineses, numa altura em que a Europa levanta uma bandeira vermelha ao investimento chinês e reforça o apelo a que se trave a sua entrada em sectores estratégicos. Em Portugal, o Império do Meio continua, de certa forma, a ser uma tábua de salvação, tal como foi na altura da troika.
O assunto terá sido discutido esta semana entre o núcleo mais próximo do primeiro-ministro. O dossiê da TAP — uma empresa que tem sido considerada estrutural para o país — está a ser tratado ao mais alto nível, com a intervenção direta do primeiro-ministro, envolvendo ministros de peso, como o das Finanças, Mário Centeno, o ministro da Tutela, Pedro Nuno Santos, e o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, que conhece bem o dossiê da TAP. Foi a sociedade de advogados Linklaters, de que o ministro foi sócio até entrar no Governo, que assessorou a entrada de Humberto Pedrosa no capital da transportadora aérea.
Travará o Governo esta operação do agrado de Neeleman? Com 10 mil trabalhadores e uma fatura de leasing de aeronaves pesada, a TAP precisa de uma almofada para sobreviver ao terramoto que a pandemia de covid-19 está a provocar nas companhias aéreas mundiais. E esta é uma solução rápida.
Os €350 milhões serão a boia de salvação de que a TAP precisa? É provável que não seja suficiente, tendo em conta os pacotes que estão a ser negocia­dos com os governos europeus e norte-americanos nos últimos dias pelas grandes companhias mundiais e que em muitos casos são de milhares de milhões de euros. Dificilmente a TAP escapará, ainda que mais à frente, a um cenário de reforço de capital e de poder do Estado, é essa a convicção de fontes do sector e governamentais, ainda que isso desagrade aos investidores privados.
MIL MILHÕES PARA A AVIAÇÃO?
Muito aguardado é também o superpacote para apoio às empresas do sector da aviação português e que abrangerá desde a TAP à SATA, passando pela EuroAtlantic, a Groundforce e a Portway, entre outras empresas mais pequenas e de serviços associados. Embora esteja ainda em fase de negociação e a ser ultimado, o Expresso apurou que este pacote poderá rondar os €1000 milhões. São estímulos e medidas de financiamento e fiscais que terão de passar ainda pelo crivo de Bruxelas. Ou seja, apoios que ainda podem demorar a chegar às empresas.
O objetivo é evitar que a espiral negativa varra do mercado empresas que empregam dezenas de milhares de pessoas e funcionam em cadeia. A IATA, Associação Internacional de Transporte Aéreo, estima que, este ano, o sector da aviação em Portugal possa sofrer perdas de, pelo menos, €2,7 mil milhões. Os números, citados numa carta enviada pelas 19 companhias aéreas que operam em Portugal ao Ministério das Infraestruturas, apontam para a realização de menos 21,3 milhões de viagens envolvendo Portugal, com um impacto potencial sobre cerca de 140 mil postos de trabalho. Um cenário devastador.
Pode haver mais ajuda a caminho. A Eurocontrol, organização responsável pela segurança da navegação europeia, está a negociar um empréstimo global para financiar instituições europeias. Ao qual Portugal, sabe o Expresso, poderá recorrer para apoiar instituições como a NAV e a ANAC, que vivem de taxas aeroportuárias e que viram as suas receitas cair a pique.
Ainda que o cenário possa não ser tão extremado como se antevê agora e que as pessoas retomem, embora moderadamente, as viagens, será preciso tempo para recuperar. Por isso, fontes do sector admitem que algumas empresas em Portugal avançarão com processos de reestruturação. E isso significará corte de custos e redução do número de trabalhadores. Um movimento que poderá afetar as grandes empresas do sector, inclusive a TAP. “Não me espantaria que algumas empresas que agora estão em lay-off avancem mais tarde para um processo de reestruturação”, afirmou um administrador de uma companhia de aviação. Um cenário provável para um sector que vive a maior paragem da sua história.
RETRATO
► A IATA estima que o sector da aviação em Portugal possa vir a sofrer uma perda de €2,7 mil milhões por causa da pandemia. A Associação Internacional de Transporte Aéreo admite que a crise terá um impacto sobre 141 mil postos de trabalho e poderá gerar uma redução de criação de riqueza no valor de €5,5 mil milhões.
► São aos milhares os trabalhadores nas grandes empresas de aviação em Portugal, e a larga maioria está em lay-off. O grupo TAP, onde está incluída a Portugália, lidera o ranking com 10 mil trabalhadores. Depois vem a empresa de handling Groundforce, com cerca de 2500 trabalhadores. A sua concorrente Portway tem à volta de 1700 trabalhadores. A açoriana SATA apresenta-se com 1300 trabalhadores. Ainda no campeonato das grandes está a ANA, com 1200 pessoas. A concessionária é a única que não tem trabalhadores em lay-off (Expresso, texto da jornalista Anabela Campos)

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