domingo, março 06, 2016

Tribunal de Contas Europeu: Assistência financeira prestada a países em dificuldades (Síntese do Relatório Especial nº 18/2015)

Há sete anos, a Europa enfrentava uma crise financeira que se transformaria numa crise da dívida soberana. A crise da dívida soberana foi uma consequência de muitos factores, nomeadamente uma supervisão bancária deficiente, políticas orçamentais inadequadas e as dificuldades sentidas pelas instituições financeiras de grande dimensão (bem como os custos resultantes dos resgates suportados pelas populações). A crise atravessou os Estados-Membros da UE em duas fases, afectando inicialmente os países não integrados na área do euro em 2008-2009 e alastrando-se mais tarde pela própria área do euro.
Contudo, esta turbulência foi bem anulada? Foi criado um conjunto de instrumentos jurídicos para a prestação de assistência financeira. Os Estados-Membros não integrados na área do euro podiam recorrer ao mecanismo de apoio à balança de pagamentos existente. A Irlanda e Portugal receberam apoio através dos recém-criados Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) e do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Apenas o mecanismo de apoio à balança de pagamentos e o MEEF foram estabelecidos enquanto instrumentos da UE com base no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, dado que o FEEF é um veículo intergovernamental fora do âmbito da UE.
O presente relatório analisa a gestão, por parte da Comissão, da assistência financeira prestada a cinco Estados-Membros (Hungria, Letónia, Roménia, Irlanda e Portugal) e formula recomendações à Comissão no âmbito desse processo
O que auditámos? Âmbito de auditoria
A auditoria abrangeu a gestão, por parte da Comissão, da assistência financeira prestada ao abrigo do mecanismo de apoio à balança de pagamentos e do MEEF, para a qual a Comissão contraiu empréstimos nos mercados de capitais com recurso ao orçamento da UE como garantia. A auditoria englobou a assistência financeira desembolsada à Hungria, Letónia, Roménia (dois primeiros programas), Irlanda e Portugal, centrando-se no papel da Comissão nesses programas. Analisou-se ainda a cooperação da Comissão com os seus parceiros (BCE e FMI), mas estes não foram auditados.
Não foram auditadas as decisões tomadas no plano político da UE, tendo o âmbito da auditoria sido restringido em vários aspectos. Não foi tomado em consideração o cenário contrafactual da ausência de assistência financeira ou a exequibilidade de resolver as crises por outros meios (por exemplo, uma mutualização da dívida soberana). Também não foi avaliada a sustentabilidade da dívida ou a probabilidade de reembolso dos empréstimos. Além disso, não se avaliou se o Conselho optou pelas metas do défice ou pelas condições estruturais mais adequadas para resolver a crise. A auditoria da cooperação da Comissão com os restantes parceiros não aferiu se a participação destes últimos se justificava.
Questões de auditoria
A auditoria avaliou se a Comissão geriu os programas de assistência financeira de forma adequada, incidindo nas subquestões que se seguem:
1.     O aumento dos riscos orçamentais foi detectado atempadamente?
2.     Os processos foram concebidos de forma satisfatória para contribuir plenamente para as decisões relativas aos programas?
3.     A Comissão contraiu empréstimos às melhores taxas possíveis e de acordo com as boas práticas de emissão de dívida?
4.     Os programas de assistência financeira cumpriram os seus principais objectivos?
O que constatámos? Alguns sinais de alerta passaram despercebidos
Cumpre lembrar que já existia antes da crise um quadro orientado para o acompanhamento dos orçamentos dos Estados-Membros. Competia à Comissão alertar o Conselho para os crescentes desequilíbrios orçamentais. A Comissão não estava preparada para os primeiros pedidos de assistência financeira. O Tribunal concluiu que a Comissão estimou uma maior robustez dos orçamentos públicos em relação à situação que viriam a revelar. Uma importante insuficiência nas avaliações da Comissão anteriores a 2009 foi a falta de prestação de informações sobre a acumulação de passivos contingentes do sector público que, não raras vezes, se tornaram passivos reais durante a crise. A Comissão também não prestou a atenção suficiente à relação entre os fluxos financeiros estrangeiros de grande dimensão, a saúde financeira dos bancos e, em última análise, das finanças públicas. As reformas ao Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2011, 2013 e 2014 pro- curaram dar resposta às insuficiências do período anterior à crise, introduzindo uma maior supervisão macroeconómica. No entanto, em 2008, a Comissão não estava preparada para gerir a assistência financeira quando os países começaram a apresentar os seus pedidos.
Estar à altura do desafio - Tentar recuperar o atraso
A Comissão logrou, todavia, assumir as suas novas funções de gestão dos pro- gramas, que incluíam conversações com as autoridades nacionais, a preparação das previsões dos programas e das estimativas dos défices de financiamento, bem como a identificação das reformas necessárias. Atendendo às restrições de tempo numa primeira fase e à reduzida experiência na matéria, tratou-se de um feito. A Comissão foi, regra geral, minuciosa na obtenção das informações de que necessitava. De forma crescente, reuniu os seus conhecimentos internos e empreendeu esforços junto de um amplo leque de intervenientes nos países que pediram ajuda.
Instrumentos complexos
A elaboração de previsões macroeconómicas e do défice não era uma actividade nova. A Comissão recorreu a uma ferramenta de previsão já existente e deveras complexa, baseada em folhas de cálculo. O controlo da qualidade limitou-se essencialmente à reconciliação das várias partes das previsões, não tendo a gestão procurado obter esclarecimentos quanto ao raciocínio subjacente aos pressupostos das previsões. Foi muito difícil avaliar a razoabilidade de pressupostos fundamentais, como os multiplicadores orçamentais, não só em eventuais revisões subsequentes, mas também, por parte da gestão, durante a efectiva elaboração das previsões.
Problemas relacionados com a inexperiência
Os programas de assistência estavam solidamente alicerçados, atendendo às políticas prevalecentes ao nível da UE e aos conhecimentos económicos nessa altura. No entanto, a falta de documentação constituía uma insuficiência comum nos procedimentos da Comissão, que não estavam concebidos de modo que permitissem recuar no tempo para avaliar as decisões tomadas. Não foi possível validar algumas das informações essenciais facultadas ao Conselho, tais como as estimativas iniciais do défice de financiamento em determinados programas. Esta lacuna pode, em parte, explicar-se pelo contexto de crise, pela pressão de tempo numa primeira fase e pela novidade da gestão de programas para a Comissão. A disponibilidade dos registos melhorou ao longo do tempo, mas até os programas mais recentes tinham alguns documentos essenciais em falta. A maioria das condições previstas nos memorandos de entendimento foi justificada remetendo especificamente para a decisão do Conselho. Porém, as condições nem sempre incidiram suficientemente nas condições gerais de política económica estipuladas pelo Conselho
Abordagens diferentes
O Tribunal encontrou diversos exemplos de países que não foram tratados da mesma forma num cenário comparável. As condições da assistência foram geridas de forma diferente em cada programa. Em alguns programas, foram globalmente menos rigorosas, o que facilitou o seu cumprimento. Comparando países com fragilidades estruturais semelhantes, concluiu-se que as reformas exigidas nem sempre foram proporcionais aos problemas enfrentados ou que esses países seguiram percursos muito diferentes. Algumas das metas do défice dos países, mas não todas, foram objecto de uma redução superior àquilo que a respectiva situação económica, em princípio, justificaria.
Controlo de qualidade limitado
Entre outros motivos, as insuficiências referidas resultavam do facto de a concepção e o acompanhamento dos programas estar, em grande parte, nas mãos das equipas dos programas da Comissão. Antes de chegarem ao Conselho ou à Comissão, os principais documentos resultantes do trabalho de uma equipa eram objecto de revisão, o que, no entanto, se revelou insuficiente em vários aspectos. Os cálculos subjacentes não foram revistos por um técnico exterior à equipa, o trabalho dos especialistas não foi examinado em pormenor e o processo de revisão não foi bem documentado.
Margem para a introdução de melhorias
Como aspecto positivo, os documentos dos programas, que constituem a base das decisões adoptadas pela Comissão ou pelo Conselho, melhoraram significativamente desde o primeiro pedido de assistência financeira. Para isso contribuíram a afectação de mais pessoal à gestão dos programas, o aumento da experiência adquirida e uma melhor preparação. Contudo, até os documentos dos programas mais recentes careciam de algumas informações essenciais.
Para efeitos de acompanhamento, a Comissão utilizou metas do défice com base na contabilidade de exercício. Este processo garante a coerência com o procedimento relativo aos défices excessivos, mas implica igualmente que, ao ser tomada uma decisão sobre a continuação de um programa, a Comissão não pode informar com segurança se um Estado-Membro beneficiário cumpriu a meta do défice, uma vez que o défice com base na contabilidade de exercício só pode ser apurado após um determinado período de tempo. A forma de elaborar relatórios sobre o cumprimento das condições não foi sistemática. Foram utilizados muitos termos diferentes para dar conta das situações de incumprimento, o que gerou confusão. Algumas condições não foram incluídas nos relatórios e, por outro lado, um pequeno número de condições foi dado como cumprido, quando tal não correspondia à realidade. Os empréstimos cobriram as necessidades de financiamento, ainda que as circunstâncias iniciais dificultassem a aplicação sistemática de boas práticas.
A emissão de dívida por parte da Comissão foi um êxito, uma vez que todas as emissões de obrigações atraíram uma procura suficiente nos mercados de capitais para serem inteiramente subscritas. A Comissão procedeu atempadamente à emissão das obrigações. O custo final da dívida foi consentâneo com os níveis de mercado e homólogos. No que se refere ao processo na prática, os níveis de preços foram, em alguns casos, superiores ao nível indicado inicialmente pelos principais bancos. Nos primeiros anos registaram-se algumas lacunas no processo de gestão da dívida. Estas omissões podem ser parcialmente explicadas pelo escasso número de funcionários da Comissão afectados a esta actividade. As lacunas não tiveram um impacto demonstrável no resultado dos empréstimos. As referidas lacunas foram, em grande parte, colmatadas nas emissões de obrigações mais recentes, pelo que a recomendação diz respeito às insuficiências que foram consideradas ainda não resolvidas durante a auditoria.
Os programas cumpriram os seus objectivos
As metas do défice revistas foram cumpridas, salvo algumas excepções. À medida que a actividade económica retraiu em 2009, os países tomaram consciência das perdas de receita que, inclusivamente, anularam os ganhos gerados pelas novas medidas de receitas. As reformas fiscalmente neutras ou de compensação fiscal geraram custos fiscais adicionais no curto prazo, tendo alguns países adoptado medidas fiscais suplementares para compensar o decréscimo dos rácios de receita fiscal em relação ao PIB. Os défices estruturais melhoraram, mas com ritmos variáveis. Parte do ajustamento orçamental foi efectuada de forma não duradoura. Os países recorreram a medidas extraordinárias para cumprirem as metas.
Os Estados-Membros cumpriram a maioria das condições estabelecidas nos respectivos programas, apesar de alguns atrasos provocados essencialmente por factores que escapam ao controlo da Comissão. No entanto, a Comissão estipulou, por vezes, prazos irrealistas para reformas de grande amplitude. Um elevado nível de cumprimento não significa que todas as condições importantes tenham sido cumpridas. Além disso, constatou-se que os Estados-Membros tendiam a adiar para a fase final da vigência do programa o cumprimento das condições importantes. Os programas lograram dar origem a reformas. Os países prosseguiram, em grande parte, com as reformas desencadeadas pelas condições dos programas. As inversões eram raras à data da auditoria. Foram compensadas por reformas alternativas, cujo impacto potencial não tinha, regra geral, uma dimensão equivalente. Em quatro dos cinco países, o ajustamento das transações correntes foi mais rápido do que previsto, o que pode explicar-se, em grande parte, pela melhoria inesperada na balança de rendimentos e, em menor grau, pela melhoria inesperada na balança comercial.
O que recomenda o Tribunal?
a) A Comissão deve estabelecer um quadro aplicável a toda a instituição para permitir uma rápida mobilização dos seus recursos humanos e conhecimentos especializados caso surja a necessidade de um programa de assistência financeira. A Comissão deve igualmente desenvolver procedimentos no contexto dos regulamentos do chamado «Two Pack».
b)  O processo de elaboração de previsões deve ser objecto de controlos de qualidade mais sistemáticos.
c) Com vista a assegurar que os factores subjacentes às decisões relativas aos programas sejam internamente transparentes, a Comissão deve reforçar a manutenção de registos, à qual deverá prestar atenção nos exames da qualidade.
d)  A Comissão deve assegurar procedimentos adequados de revisão da qualidade da gestão de programas e do conteúdo dos documentos dos programas.
e) Para fins de acompanhamento orçamental, a Comissão deve incluir, nos memorandos de entendimento, variáveis que pode recolher com desfasamentos temporais curtos.
f)   A Comissão deve distinguir as condições em função da sua relevância e centrar-se nas reformas verdadeiramente importantes.
g)  Em eventuais futuros programas, a Comissão deve tentar formalizar a cooperação interinstitucional com os outros parceiros nos programas.
h)  O processo de gestão da dívida deve ser mais transparente.
i)  A Comissão deve analisar de forma mais aprofundada os principais aspectos do ajustamento dos países.
Sobre o mecanismo de apoio à balança de pagamentos/MEEF
Esta assistência financeira visava ajudar os países a saldarem ou financiarem a sua dívida na data de vencimento ou os seus défices. Previa uma reserva para facilitar a execução dos programas de ajustamento necessários em cada país para responder aos problemas subjacentes. Em termos gerais, os mecanismos deram resposta à necessidade de salvaguardar a estabilidade da área do euro ou da UE no seu todo, de limitar o risco de contágio e de evitar um choque súbito para as economias dos Estados-Membros beneficiários.Os objectivos de cada programa diferiam em questões de pormenor, mas as finalidades globais da assistência financeira consistiam em devolver aos Estados-Membros uma boa saúde macroeconómica ou financeira e restaurar a sua capacidade de cumprir as respectivas obrigações relativas ao sector público (área do euro) ou à balança de pagamentos (fora da área do euro).
O cronograma da assistência financeira prestada aos cinco Estados-Membros abrangidos pela auditoria do Tribunal foi o seguinte:
Principais características dos mecanismos de concessão de empréstimos aos cinco países

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