Há sete
anos, a Europa enfrentava uma crise financeira que se transformaria numa crise
da dívida soberana. A crise da dívida soberana foi uma consequência de muitos
factores, nomeadamente uma supervisão bancária deficiente, políticas orçamentais
inadequadas e as dificuldades sentidas pelas instituições financeiras de grande
dimensão (bem como os custos resultantes dos resgates suportados pelas
populações). A crise atravessou os Estados-Membros da UE em duas fases,
afectando inicialmente os países não integrados na área do euro em 2008-2009 e
alastrando-se mais tarde pela própria área do euro.
Contudo,
esta turbulência foi bem anulada? Foi criado um conjunto de instrumentos
jurídicos para a prestação de assistência financeira. Os Estados-Membros não
integrados na área do euro podiam recorrer ao mecanismo de apoio à balança de
pagamentos existente. A Irlanda e Portugal receberam apoio através dos
recém-criados Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) e do Fundo
Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Apenas o mecanismo de apoio à
balança de pagamentos e o MEEF foram estabelecidos enquanto instrumentos da UE
com base no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, dado que o FEEF é
um veículo intergovernamental fora do âmbito da UE.
O presente
relatório analisa a gestão, por parte da Comissão, da assistência financeira
prestada a cinco Estados-Membros (Hungria, Letónia, Roménia, Irlanda e
Portugal) e formula recomendações à Comissão no âmbito desse processo
O que auditámos? Âmbito de auditoria
A
auditoria abrangeu a gestão, por parte da Comissão, da assistência financeira
prestada ao abrigo do mecanismo de apoio à balança de pagamentos e do MEEF,
para a qual a Comissão contraiu empréstimos nos mercados de capitais com
recurso ao orçamento da UE como garantia. A auditoria englobou a assistência
financeira desembolsada à Hungria, Letónia, Roménia (dois primeiros programas),
Irlanda e Portugal, centrando-se no papel da Comissão nesses programas.
Analisou-se ainda a cooperação da Comissão com os seus parceiros (BCE e FMI),
mas estes não foram auditados.
Não foram
auditadas as decisões tomadas no plano político da UE, tendo o âmbito da
auditoria sido restringido em vários aspectos. Não foi tomado em consideração o
cenário contrafactual da ausência de assistência financeira ou a exequibilidade
de resolver as crises por outros meios (por exemplo, uma mutualização da dívida
soberana). Também não foi avaliada a sustentabilidade da dívida ou a
probabilidade de reembolso dos empréstimos. Além disso, não se avaliou se o
Conselho optou pelas metas do défice ou pelas condições estruturais mais
adequadas para resolver a crise. A auditoria da cooperação da Comissão com os
restantes parceiros não aferiu se a participação destes últimos se justificava.
Questões de auditoria
A
auditoria avaliou se a Comissão geriu os programas de assistência financeira de
forma adequada, incidindo nas subquestões que se seguem:
1.
O aumento dos riscos orçamentais foi
detectado atempadamente?
2.
Os processos foram concebidos de forma
satisfatória para contribuir plenamente para as decisões relativas aos
programas?
3.
A Comissão contraiu empréstimos às melhores
taxas possíveis e de acordo com as boas práticas de emissão de dívida?
4.
Os programas de assistência financeira
cumpriram os seus principais objectivos?
O que constatámos? Alguns sinais de alerta
passaram despercebidos
Cumpre
lembrar que já existia antes da crise um quadro orientado para o acompanhamento
dos orçamentos dos Estados-Membros. Competia à Comissão alertar o Conselho para
os crescentes desequilíbrios orçamentais. A Comissão não estava preparada para
os primeiros pedidos de assistência financeira. O Tribunal
concluiu que a Comissão estimou uma maior robustez dos orçamentos públicos em
relação à situação que viriam a revelar. Uma importante insuficiência nas
avaliações da Comissão anteriores a 2009 foi a falta de prestação de
informações sobre a acumulação de passivos contingentes do sector público que,
não raras vezes, se tornaram passivos reais durante a crise. A Comissão também
não prestou a atenção suficiente à relação entre os fluxos financeiros
estrangeiros de grande dimensão, a saúde financeira dos bancos e, em última análise,
das finanças públicas. As
reformas ao Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2011, 2013 e 2014 pro-
curaram dar resposta às insuficiências do período anterior à crise,
introduzindo uma maior supervisão macroeconómica. No entanto, em 2008, a
Comissão não estava preparada para gerir a assistência financeira quando os
países começaram a apresentar os seus pedidos.
Estar à altura do desafio - Tentar
recuperar o atraso
A Comissão
logrou, todavia, assumir as suas novas funções de gestão dos pro- gramas, que
incluíam conversações com as autoridades nacionais, a preparação das previsões
dos programas e das estimativas dos défices de financiamento, bem como a
identificação das reformas necessárias. Atendendo às restrições de tempo numa
primeira fase e à reduzida experiência na matéria, tratou-se de um feito. A Comissão
foi, regra geral, minuciosa na obtenção das informações de que necessitava. De
forma crescente, reuniu os seus conhecimentos internos e empreendeu esforços
junto de um amplo leque de intervenientes nos países que pediram ajuda.
Instrumentos complexos
A
elaboração de previsões macroeconómicas e do défice não era uma actividade nova.
A Comissão recorreu a uma ferramenta de previsão já existente e deveras
complexa, baseada em folhas de cálculo. O controlo da qualidade limitou-se
essencialmente à reconciliação das várias partes das previsões, não tendo a
gestão procurado obter esclarecimentos quanto ao raciocínio subjacente aos
pressupostos das previsões. Foi muito difícil avaliar a razoabilidade de pressupostos
fundamentais, como os multiplicadores orçamentais, não só em eventuais revisões
subsequentes, mas também, por parte da gestão, durante a efectiva elaboração das
previsões.
Problemas
relacionados com a inexperiência
Os
programas de assistência estavam solidamente alicerçados, atendendo às
políticas prevalecentes ao nível da UE e aos conhecimentos económicos nessa
altura. No entanto, a falta de documentação constituía uma insuficiência comum
nos procedimentos da Comissão, que não estavam concebidos de modo que
permitissem recuar no tempo para avaliar as decisões tomadas. Não foi possível
validar algumas das informações essenciais facultadas ao Conselho, tais como as
estimativas iniciais do défice de financiamento em determinados programas. Esta
lacuna pode, em parte, explicar-se pelo contexto de crise, pela pressão de
tempo numa primeira fase e pela novidade da gestão de programas para a Comissão.
A disponibilidade dos registos melhorou ao longo do tempo, mas até os programas
mais recentes tinham alguns documentos essenciais em falta. A maioria
das condições previstas nos memorandos de entendimento foi justificada
remetendo especificamente para a decisão do Conselho. Porém, as condições nem
sempre incidiram suficientemente nas condições gerais de política económica
estipuladas pelo Conselho
Abordagens diferentes
O Tribunal
encontrou diversos exemplos de países que não foram tratados da mesma forma num
cenário comparável. As condições da assistência foram geridas de forma
diferente em cada programa. Em alguns programas, foram globalmente menos
rigorosas, o que facilitou o seu cumprimento. Comparando países com fragilidades
estruturais semelhantes, concluiu-se que as reformas exigidas nem sempre foram
proporcionais aos problemas enfrentados ou que esses países seguiram percursos
muito diferentes. Algumas das metas do défice dos países, mas não todas, foram
objecto de uma redução superior àquilo que a respectiva situação económica, em
princípio, justificaria.
Controlo de qualidade limitado
Entre
outros motivos, as insuficiências referidas resultavam do facto de a concepção
e o acompanhamento dos programas estar, em grande parte, nas mãos das equipas
dos programas da Comissão. Antes de chegarem ao Conselho ou à Comissão, os
principais documentos resultantes do trabalho de uma equipa eram objecto de
revisão, o que, no entanto, se revelou insuficiente em vários aspectos. Os
cálculos subjacentes não foram revistos por um técnico exterior à equipa, o
trabalho dos especialistas não foi examinado em pormenor e o processo de
revisão não foi bem documentado.
Margem para a introdução de melhorias
Como
aspecto positivo, os documentos dos programas, que constituem a base das
decisões adoptadas pela Comissão ou pelo Conselho, melhoraram significativamente
desde o primeiro pedido de assistência financeira. Para isso contribuíram a
afectação de mais pessoal à gestão dos programas, o aumento da experiência
adquirida e uma melhor preparação. Contudo, até os documentos dos programas
mais recentes careciam de algumas informações essenciais.
Para
efeitos de acompanhamento, a Comissão utilizou metas do défice com base na
contabilidade de exercício. Este processo garante a coerência com o procedimento
relativo aos défices excessivos, mas implica igualmente que, ao ser tomada
uma decisão sobre a continuação de um programa, a Comissão não pode informar
com segurança se um Estado-Membro beneficiário cumpriu a meta do défice, uma
vez que o défice com base na contabilidade de exercício só pode ser apurado
após um determinado período de tempo. A forma de elaborar relatórios sobre o
cumprimento das condições não foi sistemática. Foram
utilizados muitos termos diferentes para dar conta das situações de
incumprimento, o que gerou confusão. Algumas condições não foram incluídas nos
relatórios e, por outro lado, um pequeno número de condições foi dado como
cumprido, quando tal não correspondia à realidade. Os
empréstimos cobriram as necessidades de financiamento, ainda que as
circunstâncias iniciais dificultassem a aplicação sistemática de boas práticas.
A emissão
de dívida por parte da Comissão foi um êxito, uma vez que todas as emissões de
obrigações atraíram uma procura suficiente nos mercados de capitais para serem
inteiramente subscritas. A Comissão procedeu atempadamente à emissão das
obrigações. O custo final da dívida foi consentâneo com os níveis de mercado e
homólogos. No que se refere ao processo na prática, os níveis de preços foram,
em alguns casos, superiores ao nível indicado inicialmente pelos principais
bancos. Nos
primeiros anos registaram-se algumas lacunas no processo de gestão da dívida.
Estas omissões podem ser parcialmente explicadas pelo escasso número de
funcionários da Comissão afectados a esta actividade. As lacunas não tiveram um
impacto demonstrável no resultado dos empréstimos. As referidas lacunas foram,
em grande parte, colmatadas nas emissões de obrigações mais recentes, pelo que a
recomendação diz respeito às insuficiências que foram consideradas ainda não
resolvidas durante a auditoria.
Os programas cumpriram os seus objectivos
As metas
do défice revistas foram cumpridas, salvo algumas excepções. À medida que a
actividade económica retraiu em 2009, os países tomaram consciência das perdas
de receita que, inclusivamente, anularam os ganhos gerados pelas novas medidas
de receitas. As reformas fiscalmente neutras ou de compensação fiscal geraram
custos fiscais adicionais no curto prazo, tendo alguns países adoptado medidas
fiscais suplementares para compensar o decréscimo dos rácios de receita fiscal
em relação ao PIB. Os défices estruturais melhoraram, mas com ritmos variáveis.
Parte do ajustamento orçamental foi efectuada de forma não duradoura. Os países
recorreram a medidas extraordinárias para cumprirem as metas.
Os
Estados-Membros cumpriram a maioria das condições estabelecidas nos respectivos
programas, apesar de alguns atrasos provocados essencialmente por factores que
escapam ao controlo da Comissão. No entanto, a Comissão estipulou, por vezes,
prazos irrealistas para reformas de grande amplitude. Um elevado nível de
cumprimento não significa que todas as condições importantes tenham sido
cumpridas. Além disso, constatou-se que os Estados-Membros tendiam a adiar para
a fase final da vigência do programa o cumprimento das condições importantes. Os
programas lograram dar origem a reformas. Os países prosseguiram, em grande
parte, com as reformas desencadeadas pelas condições dos programas. As
inversões eram raras à data da auditoria. Foram compensadas por reformas
alternativas, cujo impacto potencial não tinha, regra geral, uma dimensão
equivalente. Em quatro
dos cinco países, o ajustamento das transações correntes foi mais rápido do que
previsto, o que pode explicar-se, em grande parte, pela melhoria inesperada na
balança de rendimentos e, em menor grau, pela melhoria inesperada na balança
comercial.
O que
recomenda o Tribunal?
a) A Comissão deve estabelecer um quadro
aplicável a toda a instituição para permitir uma rápida mobilização dos seus
recursos humanos e conhecimentos especializados caso surja a necessidade de um
programa de assistência financeira. A Comissão deve igualmente desenvolver
procedimentos no contexto dos regulamentos do chamado «Two Pack».
b) O processo de elaboração de previsões deve
ser objecto de controlos de qualidade mais sistemáticos.
c) Com vista a assegurar que os factores
subjacentes às decisões relativas aos programas sejam internamente
transparentes, a Comissão deve reforçar a manutenção de registos, à qual deverá
prestar atenção nos exames da qualidade.
d) A Comissão deve assegurar procedimentos
adequados de revisão da qualidade da gestão de programas e do conteúdo dos
documentos dos programas.
e) Para fins de acompanhamento orçamental, a
Comissão deve incluir, nos memorandos de entendimento, variáveis que pode
recolher com desfasamentos temporais curtos.
f) A Comissão deve distinguir as condições em
função da sua relevância e centrar-se nas reformas verdadeiramente importantes.
g) Em eventuais futuros programas, a Comissão
deve tentar formalizar a cooperação interinstitucional com os outros parceiros
nos programas.
h) O processo de gestão da dívida deve ser
mais transparente.
i) A Comissão deve analisar de forma mais
aprofundada os principais aspectos do ajustamento dos países.
Sobre o mecanismo de apoio à balança de
pagamentos/MEEF
Esta
assistência financeira visava ajudar os países a saldarem ou financiarem a sua
dívida na data de vencimento ou os seus défices. Previa uma reserva para facilitar
a execução dos programas de ajustamento necessários em cada país para responder
aos problemas subjacentes. Em termos gerais, os mecanismos deram resposta à
necessidade de salvaguardar a estabilidade da área do euro ou da UE no seu
todo, de limitar o risco de contágio e de evitar um choque súbito para as
economias dos Estados-Membros beneficiários.Os
objectivos de cada programa diferiam em questões de pormenor, mas as finalidades
globais da assistência financeira consistiam em devolver aos Estados-Membros
uma boa saúde macroeconómica ou financeira e restaurar a sua capacidade de
cumprir as respectivas obrigações relativas ao sector público (área do euro) ou à
balança de pagamentos (fora da área do euro).
O
cronograma da assistência financeira prestada aos cinco Estados-Membros
abrangidos pela auditoria do Tribunal foi o seguinte:
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