terça-feira, março 08, 2016

Opinião: não cometam o erro de confundir e misturar o Vinho da Madeira com bordados e obras de vimes

O Governo Regional da Madeira tem que perceber que um dos problemas do Instituto que gere o Vinho da Madeira com os Bordados e Artesanato é que esta mistura revelou-se uma trapalhada.  Sempre foi. Será por acaso que alguém ousa confundir as potencialidades e possibilidades de crescimento, por exemplo, da produção do vinho, com a realidade do sector do artesanato - com a obra-de-vimes a atravessar uma crise com pelo menos 20 anos de existência - ou pode ignorar a triste realidade do sector dos bordados em que longe vão os tempos em que esta actividade empregava centenas de pessoas por esses campos fora? Será que se esqueceram - pelo menos foi isso que ouvi há dias - que a bordadeira mais jovem que ainda exerce esta actividade está à beira dos 50 anos. Acham que há um futuro garantido para o bordado da Madeira com tudo o que isso implica e significa? E quem foram os culpados disto, da desvalorização do trabalho dos artesãos e das bordadeiras, dos valores pagos à produção, nalguns casos uma vergonhosa migalha que nem para comer dava?

Ora as potencialidades do vinho da Madeira estão num outro patamar, pelo que colocar um organismo a misturar alhos com bugalhos, por muito que Paula Cabaço tenha interesse, disponibilidade e empenho em responder a todos os sectores, às pressões dos empresários de dos bordados ainda resilientes, etc, dificilmente terá sucesso. A ideia de criar uma estrutura separada, integrada no Instituto, pode ser uma solução, mas  não pode servir de obstáculo à afirmação e crescimento autónomo do vinho. Se persistirem por este caminho vamos bater de frente e por este andar daqui a uns anos não temos nada para exportar.
Deixamos alguns indicadores para recordar do que estamos a falar e do que se passou. Segundo os indicadores de comercialização de Vinho generoso da Madeira para os diferentes mercados, em 2015, apurou-se um valor final anual de exportações de 3,3 milhões de litros, correspondentes a 18 milhões de euros, menos 1,3% na produção exportada e mais 0,5% nas receitas propiciadas, comparativamente a 2014.
Já na rubrica de comercialização de bordados, tapeçarias e artigos de guarnição por mercados as exportações que eram de 2,4 milhões de euros em 2007 passaram para 1,2 milhões de euros em 2012 e agora cerca de 950 mil euros em 2015. Em 1997 as exportações de Bordados, tapeçarias e artigos de guarnição totalizaram 7,1 milhões de euros contra 230 mil euros referentes às exportações de obras de vime.
Para além da concorrência internacional - que afectou os bordados e vimes - a dimensão das nossas empresas, a falta de modernização dos meios de produção, as dificuldades financeiras, a dimensão do mercado regional, a falta de renovação de recursos humanos devido a uma realidade empresarial pouco ou nada atractiva, etc foram alguns dos factores que acabaram por ditar a sorte dos vimes e daqui por algum tempo do bordado, caso não sejam tomadas medidas que sejam capazes de formar os mais jovens e de atrai-los para uma actividade sobretudo caseira, mas que é pouco ou nada atractiva devido às vergonhosas remunerações que garante. Pessoalmente tenho muitas dúvidas quanto a isso.
Em 2009 um jornal regional escrevia que "o artesanato vive dias difíceis na Madeira – e não é só por culpa da crise económica mundial. Os ganhos são poucos, os incentivos praticamente inexistentes e as perspectivas de futuro incertas, por isso são cada vez menos aqueles que querem fazer vida na produção de peças de vimes, nos bordados e nas tapeçarias, já para não falar no pequeno artesanato de menor tradição e impacto na sociedade madeirense. Os jovens voltam-lhes as costas e são os mais velhos, seja por amor à arte ou por inexistência de alternativas de ganhar a vida, que vão assegurando a continuidade destas actividades tradicionais que dão fama à Região. O vime é o sector que mais vem sentindo as consequências negativas. Por envelhecimento, doença e morte, o número de artesãos tem vindo a diminuir nos últimos anos, até porque, como já se referiu, não se têm registado novas entradas de jovens na profissão. Para além disso, a própria matéria-prima também já começa a escassear". Sabe-se, apesar de não existirem estudos concretos, que a mão-de-obra nos sectores dos bordados e indústria de vimes perdeu cerca de 93% dos seus efectivos comparativamente a 2000.
Rigorosamente esta realidade mantém-se nos dias que correm e não se pode exigir a Paula Cabaço que com um simples toque de magia mude tudo e transforme o lixo em ouro.
O decreto regional que em 1977 criou o Instituto do Bordado, Tapeçarias e Artesanato da Madeira referia que "a actividade económica representada pelos bordados e tapeçarias da Madeira, apesar do estado de crise com que se debate há muito tempo, ainda ocupa o primeiro lugar na balança comercial de exportação da Região, com o valor à volta de 155000 contos anuais e 30000 contos de vendas no mercado interno. O artesanato de obra de vimes, com uma exportação no valor anual de 100000 contos acrescidos das vendas locais, revela-se também um elemento de grande importância para a Região, atendendo a que utiliza apenas matéria-prima e mão-de-obra da Madeira".
Em 2006 foi aprovada pelo parlamento regional a orgânica do Instituto do Vinho, Bordado e do Artesanato da Madeira, I. P. O diploma explicava esta opção: "Perante os desafios que se colocam a esses sectores no mundo de hoje, dominado por um mercado cada vez mais global, a aposta na qualidade e racionalização de meios assume um papel crucial nos capítulos da competitividade e da produtividade. Numa lógica de aperfeiçoamento e simplificação dos modelos de gestão daqueles sectores, torna-se imperioso concentrar a sua coordenação, orientação e promoção sob a alçada de um único organismo. A opção pela criação do IVBAM procura dar continuidade à política de apoio aos sectores da vinha, do vinho e do artesanato e preservar todo o capital de credibilidade conquistado pelo IVM e pelo IBTAM, ao longo da sua existência".
Que tal se pensassem nesta realidade com alguma inteligência e pragmatismo e deixassem de ser pressionados por pequenotes grupos de pressão - ia chamar-lhes lobbies mas recuei porque na realidade não têm importância e dimensão para tal  - que apenas defendem os seus interesses induzindo muitas vezes os governos a atitudes precipitadas e erradas? (LFM)

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