domingo, agosto 16, 2015

Sol: "Rui Salvador, o português que burlou 1,8 milhões de pessoas"

Telexfree, Wings Network, Geteasy,  Wenyard, Dollars Flow System: todos colapsaram, mas outros surgiram entretanto no mercado. São esquemas que utilizam o chamado marketing multinível associado à venda de um produto ou serviço e ao recrutamento de novos membros, que investem as suas poupanças na expectativa de remunerações altíssimas. Rui Salvador é suspeito de ter desviado mil milhões de euros e burlado 1,8 milhões de pessoas de 26 países num esquema piramidal. O mais recente esquema em pirâmide, a LibertaGia, também já rebentou e tem como protagonista um português de 36 anos, que está na mira das autoridades. Depois das notícias de uma investigação em curso há vários meses em Espanha, a Polícia Judiciária e o Ministério Público fizeram saber esta semana que também já abriram um inquérito para investigar Rui Miguel Pires Salvador – presidente da LibertaGia, criada em Outubro de 2013 e formalmente sediada no Parque das Nações, em Lisboa, como empresa especializada na área das novas tecnologias de informação. Sob esta fachada, a empresa, registada em Portugal como Joiadmirada, Unipessoal Lda, foi ganhando filiados em todo o mundo que investiram o seu dinheiro até que deixaram de receber os rendimentos prometidos.
Alertas da Deco há mais de um ano...
O ex-motorista de autocarros e empregado de hotelaria, que vivia com a família numa luxuosa casa no Montijo, e os outros três membros da direcção da LibertaGia (dois brasileiros e uma portuguesa), são suspeitos de terem arrecadado cerca de mil milhões de euros através da LibertaGia, que tem afinal domicílio fiscal nas Bahamas. Segundo o diário espanhol El Pais, cerca de 1,8 milhões de pessoas em 26 países terão sido lesadas por este esquema em pirâmide. Em Portugal, a Associação de Defesa do Consumidor (Deco) começou a receber queixas de lesados logo no início de 2014, e sobretudo no Verão, altura em que começou a haver atrasos nos pagamentos. A Deco fez de imediato um alerta sobre a empresa, lembrando que é preciso desconfiar de qualquer entidade que exija um pagamento para aderir. “Para recuperar o investimento inicial, terá que efectuar um volume significativo de vendas e angariações” e “não existe qualquer garantia de que a empresa cumpra os compromissos assumidos, uma vez que os produtos comercializados não são financeiros e a LibertaGia não é supervisionada pelos reguladores” – alertava em Fevereiro de 2014 a Deco, que já tinha detectado, dois anos antes, ligações de Rui Salvador ao esquema piramidal da Banners Broker. “A Liberta Gia era uma estrutura relativamente complexa, o que tem sido comum a todos os esquemas em pirâmide, em que as modalidades de participação vão sendo alteradas. Prometem sempre imenso, mas criam dificuldades no levantamento dos rendimentos. O que lhes interessa é o dinheiro que entra”, explicou ao SOL André Gouveia, analista financeiro da associação de defesa do consumidor.  A LibertaGia prometia a quem aderisse receber até cerca de 300% de dividendos ao ano. Em troca, era preciso fazer uma série de tarefas diárias como, por exemplo, clicar em anúncios e visitar sites – o que dava direito a cerca de 60 euros no final do mês. A entrada podia ser gratuita, embora fosse sempre cobrado a todos os investidores uma comissão mensal (a que chamavam “comissão de activação”). Ao mesmo tempo, havia níveis de filiação que implicavam o pagamento de determinadas quantias à cabeça (900 e 1.500 euros). Estas pessoas eram aliciadas com produtos de luxo (como carros topo de gama) e receberiam tanto mais quanto mais membros pagantes conseguissem recrutar para a empresa. Foi esta lógica que verdadeiramente sustentou o esquema durante algum tempo até que a bolha rebentou.
“Trabalhei dois anos, todos os dias. Investi $1.600 dólares e nunca retirei qualquer centavo. Após atingir $6.000, a conta foi bloqueada e o ‘dinheiro do backoffice’ é falso. Foi embolsado pela LibertaGia. Cuidado com esse sistema. Ele é conduzido por trambiqueiros”, queixou-se um cidadão brasileiro na página de Facebook da empresa – de onde entretanto já foram eliminados os comentários negativos dos lesados.
... e do Banco de Portugal
Recorde-se que já em 9 de Janeiro deste ano o Banco de Portugal fez um aviso sobre os esquemas em pirâmide. Mais recentemente, em Maio, o relatório de estabilidade financeira do supervisor alertou para o facto de um contexto de baixas taxas de juro poder levar a uma alteração do perfil de risco dos particulares: “Não é possível excluir um eventual aumento da procura por produtos com rendimentos mais elevados e com um maior nível de risco (…) Em situações mais extremas, este fenómeno pode vir a suscitar um desvio de recursos para esquemas de pirâmide financeira ou outros esquemas de burla”.
‘Sessões de esclarecimento’ continuam na Madeira
Na Madeira, muitos ainda fazem contas aos prejuízos que tiveram com a Telexfree – nome de fachada de uma empresa brasileira com sede fictícia nos EUA em que investiram milhões de pessoas, incluindo portugueses (e sobretudo madeirenses). Permitia ganhar dinheiro de forma rápida, pela colocação de anúncios na internet e angariação de novos investidores, mas abriu falência em Abril do ano passado. A ex-líder da Telexfree na Madeira, Graça Luísa, foi uma das vítimas do esquema e está no top 30 mundial dos credores, reclamando cerca de 300 mil dólares no âmbito do processo de insolvência que decorre nos Estados Unidos. A 27 de Fevereiro deste ano foi divulgada uma lista de credores, em que constam cerca de 600 nomes portugueses. Entretanto, na Madeira, continuam as ‘sessões de esclarecimento’ como a que aconteceu a 17 de Abril último, num hotel no Funchal. E não raras vezes, disseminado pela internet ou pelas redes sociais, aparecem anúncios que, aproveitando-se de dissabores alheios, prometem reaver os montantes perdidos noutras redes. Também no Funchal, recentemente, foi organizado um grande evento corporativo por uma empresa líder na venda directa mas que tem, também, associado um plano de marketing multinível (texto dos jornalistas Emanuel Silva e Sónia Graça do Sol, com a devida vénia)

Sem comentários: