sábado, abril 03, 2021

Onde guardam os portugueses o dinheiro?

 


A taxa de poupança disparou em 2020 e materializou-se, sobretudo, em contas bancárias. Agora deve cair e poderá haver €7,5 mil milhões para consumir até 2023. Em ano de pandemia, a poupança das famílias em Portugal atingiu níveis que não eram vistos há quase 20 anos. E, apesar de o retorno ser quase zero, o foco esteve nos depósitos bancários. Mas o aumento foi apenas temporário, consideram os economistas. A melhoria da situação sanitária e a redução da incerteza deve levar à queda progressiva da taxa de poupança para o patamar pré-crise. Quem ganha é o consumo, puxando pela retoma da economia.

Em 2020, a taxa de poupança das famílias atingiu 12,8% do rendimento disponível, o valor mais alto desde 2002 e que compara com 7,1% em 2019. São mais 5,7 pontos percentuais, o maior incremento anual da série do Instituto Nacional de Estatística (INE), que começa em 1995. Um resultado que refletiu, sobretudo, a queda nominal de 5% do consumo privado em 2020 — o maior tombo desde pelo menos 1995. Já o rendimento disponível das famílias aumentou 1%, refletindo fatores como o aumento do salário mínimo e as políticas públicas de proteção do emprego e de apoio às famílias no contexto da crise pandémica.

Onde colocaram os portugueses esta poupança? “A maior parte dos aforradores tem aplicado em depósitos bancários”, reponde António Ribeiro, analista da Deco/Proteste. Pedro Brinca, economista e professor da Nova SBE, aponta no mesmo sentido: “Muito do aumento da poupança materializou-se num aumento dos depósitos.”

Os dados do Banco de Portugal (BdP) confirmam. Entre o fim de fevereiro de 2020 e o fim de fevereiro de 2021 — período da pandemia — os depósitos bancários dos particulares aumentaram quase €13,2 mil milhões (8,7%), para €163,8 mil milhões, o mais alto de sempre. A subida foi mais do dobro do registado entre final de fevereiro de 2019 e final de fevereiro de 2020, quando os depósitos subiram cerca de €5,8 mil milhões (4%).

Também as aplicações em Certificados de Aforro e Certificados do Tesouro aumentaram, mas longe do incremento observado nos depósitos, tanto em termos absolutos, como percentuais. “São os produtos de capital garantido, sem risco, que têm maior procura”, nota António Ribeiro, apontando que “devido à pandemia as famílias têm maior preferência pela liquidez, para conseguirem fazer face a dificuldades que possam surgir”. O reverso da medalha é que “o rendimento é muito baixo, sobretudo nos depósitos”, vinca (ver caixa).

Quanto a produtos com maior risco, a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP) indica que em 2020 os Fundos Mobiliários tiveram quase €1,5 mil milhões de subscrições líquidas (mais 55% do que em 2019), o valor mais alto desde 2009.

POUPANÇA DEVE RECUAR

E agora, o que vai acontecer à taxa de poupança? Pedro Brinca aponta para uma diminuição, já que o aumento em 2020 resultou de fatores temporários, associados à pandemia, como as medidas de confinamento, maior precaução das famílias e redução do consumo de bens que implicam elevado contacto social, por receio do contágio pela covid-19. “A baixa das taxas de juro irá ser uma constante dos próximos anos, e uma vez que a vacinação permita o fim do condicionamento da atividade económica e a reposição da confiança dos consumidores, não se vislumbra nenhuma alteração permanente ou fundamental que possa motivar uma alteração permanente da taxa de poupança”, defende.

Sendo certo que “elevadas taxas de poupança que sustentem o investimento e consequente criação de capital produtivo e aumento da produtividade do trabalho são fundamentais”, no curto/médio prazo a sua redução “pode ser uma fonte de estímulo à economia por via do consumo e do investimento”, destaca Pedro Brinca.

O Boletim Económico de março do BdP — que não incorpora a última informação divulgada pelo INE — aponta para uma redução da taxa de poupança de 12% em 2020, para 11,7% em 2021, 8,1% em 2022 e 6,9% em 2023, o nível pré-pandemia. “A evolução da taxa de poupança é uma condicionante importante da projeção para o consumo privado. A redução da taxa de poupança ao longo do período 2021-23 implica que o consumo privado cresce a uma taxa superior à que seria possível sem essa redução”, diz o BdP em resposta ao Expresso. Recorde-se que o banco central espera que o consumo privado cresça 2% em 2021, 4,8% em 2022 e 2,3% em 2023, em termos reais. Quanto ao produto interno bruto, aponta para incrementos de 3,9% em 2021, 5,2% em 2022 e 2,4% em 2023.

Qual a dimensão do estímulo? Tendo em conta o cenário do BdP, “se, por simplificação, assumirmos que a diferença das taxas de poupança de 2019 para 2020 refletem o montante potencial dessa poupança acumulada, estamos a falar de cerca de €7,5 mil milhões de recursos que potencialmente poderão ser usados no estímulo ao consumo nos anos seguintes, um pouco menos de 4% do PIB de 2020”, quantifica Pedro Brinca. O economista deixa, contudo, um alerta: “O nível de destruição de empresas e emprego, em particular com o fim gradual dos apoios extraordinários, irá ter um efeito muito importante nas famílias e empresas e, em última análise, ditar a capacidade que esta poupança acumulada terá de suster a retoma da procura.”

DEPÓSITOS BANCÁRIOS RENDEM POUCO MAIS DE ZERO

O aumento da poupança das famílias em Portugal desde o início da pandemia materializou-se, sobretudo, em depósitos bancários. O problema é que, num contexto de taxas Euribor negativas, o retorno que recebem é pouco mais de zero. “Um depósito a 12 meses rende, em média, 0,1% em termos líquidos, a melhor oferta no mercado é de 0,7%, e entre os seis maiores bancos nacionais o melhor que se encontra não chega a 0,1%”, destaca António Ribeiro, analista de mercados financeiros da Deco/Proteste. Quando se considera a inflação, o retorno pode mesmo tornar-se negativo. Em 2020, a inflação foi nula, mas a previsão do Banco de Portugal para este ano é de 0,7%. A recomendação da Deco/Proteste para aforradores que querem produtos de capital garantido e sem risco passa pelos Certificados de Aforro (rendimento líquido de 0,33% ao ano) e pelos Certificados do Tesouro (rendimento líquido de 0,5% no primeiro ano e crescente com o prazo de aplicação). Já para quem admite algum risco, “os Fundos de Investimento têm vindo a apresentar-se como um excelente instrumento de aplicação das poupanças, especialmente na atual conjuntura de taxas de juro nulas (ou mesmo negativas)”, vinca João Pratas, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP). Lembrando que “outros produtos financeiros que tradicionalmente têm maior peso na estrutura da poupança financeira dos particulares (como os depósitos bancários) têm apresentado níveis de remuneração muito baixos”, este responsável aponta vantagens aos Fundos de Investimento, “como a gestão profissional, a supervisão atenta da CMVM, a transparência e a liquidez” (Expresso, texto da jornalista SÓNIA M. LOURENÇO)

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