quarta-feira, abril 07, 2021

Cronologia: Os dias que levaram ao pedido de resgate há 10 anos


Assinalam-se esta terça-feira dez anos do pedido de resgate português. Foi no dia 6 de abril de 2011 que José Sócrates, pressionado pelo seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, comunicou aos portugueses a decisão que há muito se temia. Recorde o filme desses dias e de como Portugal acabou por capitular por pressão dos mercados financeiros depois de mais de um ano no olho do furacão

Foram 13 meses de calvário no segundo governo chefiado por José Sócrates, desde que fez aprovar, com a abstenção do PSD, o orçamento para 2010, até que a 6 de abril de 2011, encostado à parede pelos bancos e pelo seu ministro das Finanças, veio à televisão anunciar o pedido de resgate.

Pelo meio, o governo apresentou quatro Programas de Estabilidade e Crescimento até que o último foi rejeitado por uma coligação negativa de todas as oposições no Parlamento. Sócrates pediu a demissão e o governo ficou em gestão.

O custo do endividamento disparou e ultrapassou a linha vermelha que o ministro das Finanças Teixeira dos Santos considerara o ponto de não retorno para um pedido de apoio à troika - Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional - que entretanto se formara para resgatar a Grécia e a Irlanda.

2010

12 de março – Aprovado Orçamento de Estado para 2010 do segundo governo de José Sócrates, com votos a favor do PS (agora em minoria no Parlamento) e abstenção do PSD e CDS. A economia portuguesa apresentava dois desequilíbrios fundamentais nas contas públicas: o défice subira significativamente em 2009 (para perto de 10% do PIB) e o endividamento público estava perto de 90% do PIB.


15 de março – Governo apresenta o primeiro Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), que ficou conhecido como PEC I, iniciando as políticas de austeridade. Apontava para um ajustamento orçamental até 2013, com os défices a descerem sucessivamente para 6,6% em 2011, 4,6% e 2,8% nos anos seguintes. O corte nas despesas iniciar-se-ia em 2011 e somaria uma redução acumulada de 3,9 pontos percentuais em 2013. Previa ainda um plano de privatizações que não chegou a ser iniciado. O programa previa, depois da crise de 2009 (quebra de 3,1%) , uma recuperação económica progressiva com um crescimento do PIB de 0,7% em 2010 (acabaria por ser superior), 0,9% em 2011, 1,3% em 2012 e 1,7% em 2013 – nestes três últimos anos, o país registou uma recaída em recessão em virtude das medidas tomadas pela troika.

5 de abril – Em Madrid, na reunião do Ecofin (encontro dos ministros das Finanças da União Europeia), o académico italiano Alberto Alesina, professor em Harvard, Boston, defende que, segundo a experiência histórica, as políticas de consolidação orçamental são “expansionistas”, ou seja, resultam em crescimento económico nas economias com desequilíbrios macroeconómicos. O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, que também assistiu à reunião na capital espanhola, é um dos mais entusiastas desta ‘terapia de choque’ nas economias mais frágeis da zona euro.

23 de abril – Grécia anuncia pedido de resgate.

7 de maio – Cimeira europeia em Bruxelas pressiona Portugal para reforçar a estratégia de austeridade orçamental.

10 de maio – BCE inicia o programa SMP de aquisição de dívida pública e privada da zona euro

11 de maio -- União Europeia lança o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira com uma capacidade máxima de 60 mil milhões de euros para empréstimos aos Estados-Membros da área do euro que necessitassem

13 de maio -- Governo acorda com o PSD, o principal partido da oposição, o PEC II. Antecipa metas orçamentais ainda mais baixas, para 4,6% em 2011, 3% em 2012, e 2% em 2013. E reduz o objetivo do défice em 2010 para 7,3%.


18 de maio – É aprovado o primeiro Resgate à Grécia. Juros da dívida portuguesa sofrem contágio da crise grega.

7 de junho – Os estados-Membros da zona euro criam o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), fornecendo garantias no montante de total de 440 mil milhões de euros.

30 de Setembro -- Governo avança com PEC III, com algumas medidas negociadas com o PSD para viabilizar o orçamento de 2011. Redução da despesa pública é superior à redução na receita e impõe-se um primeiro corte nos salários da função pública.

9 de Outubro -- Em entrevista ao Expresso, o ministro das Finanças estabelece uma linha vermelha nos juros da dívida a 10 anos no mercado secundário. "Se os juros da dívida chegarem aos 7%, o Governo tem de colocar a hipótese de recorrer ao FMI e ao fundo europeu", refere Teixeira dos Santos.

10 de novembro – Juros das obrigações portuguesas a 10 anos ultrapassam, pela primeira vez, a barreira dos 7% no mercado secundário da dívida.

20 de novembro – Irlanda anuncia pedido de resgate.

26 de novembro – Orçamento para 2011 é aprovado com votos do PS e a abstenção do PSD.

29 de novembro – Aprovado resgate à Irlanda.

2011

8 janeiro – Sócrates garante que cumpriu meta do défice de 6,8% do PIB em 2010 e que não vai pedir resgate como fizeram Grécia e Irlanda no ano anterior. Verificou-se, mais tarde, aquando da divulgação das contas do ano anterior, que o défice fecharia em 11,4% do PIB, o mais elevado em democracia, e que o endividamento ultrapassaria a barreira dos 100% do PIB, pela primeira vez desde 1914. A recessão económica portuguesa começara já, entretanto, no 4º trimestre de 2010.

12 janeiro – No leilão de dívida a 10 anos, Portugal paga 6,7% na colocação de €599 milhões, já perto do limiar vermelho de 7% definido pelo ministro das Finanças Teixeira dos Santos em entrevista ao Expresso em outubro passado.

2 março – José Sócrates reúne-se com Angela Merkel em Berlim. Na conferência de imprensa que se segue ao encontro, o primeiro-ministro português diz que o país "tem condições para resolver os seus problemas sozinho" e a chanceler alemã classifica de "corajosas" as reformas do executivo de Sócrates.

9 março – No leilão de dívida a 2 anos, Portugal paga 5,993%. Cavaco Silva toma posse do segundo mandato como presidente


11 março – Teixeira dos Santos apresenta PEC IV com novas medidas de austeridade para 2011 a 2013, entre as quais congelamentos e cortes nas pensões de reforma acima de 1500 euros e a revisão e limitação dos benefícios e deduções fiscais, em sede de IRS e IRC. Anuncia ainda alterações nos subsídios de desemprego. O programa foi elaborado em Lisboa no ministério já com a presença de equipas da Comissão Europeia e do BCE.

12 março – Manifestações do movimento ‘Geração à rasca’

19 de março -- O primeiro-ministro revela que não está disponível para governar com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e reafirma que Portugal não precisa de ajuda externa.

23 março – O Parlamento aprova cinco moções de rejeição do PEC IV com votos de toda a oposição de direita e de esquerda. Faca à 'coligação negativa' na Assembleia da República o governo pede demissão e entra em gestão.

24 março - O presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, considera “apropriado” um resgate a Portugal no valor de 75 mil milhões de euros.

25 março - O BCE suspende a compra de dívida em toda a zona euro através do programa SMP até 8 de agosto. O que é, mais tarde, considerado por muitos economistas como um dos erros capitais do banco central que agravaria a crise das dívidas.

31 março – O Instituto Nacional de Estatistica revê o défice de 2010 para 8,6%, quase 2 pontos percentuais acima do garantido por Sócrates. Cavaco Silva anuncia a marcação de eleições legislativas antecipadas para 5 de Junho, depois de ouvir o Conselho de Estado. Teixeira dos Santos defende, na altura, que "o Governo não está em condições de solicitar ajuda externa" e que nem tem poderes para o fazer. "O Governo não tem legitimidade para negociar seja o que for", disse, então, Teixeira dos Santos em conferência de imprensa.

1 abril – Último leilão de dívida obrigacionista antes do resgate. Portugal coloca 1,6 mil milhões de euros a 18 meses pagando 5,793%. Só voltaria a realizar leilões de obrigações em abril de 2014. A agência de notação Fitch corta o rating da dívida portuguesa em três níveis baixando-o de A- para BBB-, apenas um nível acima da notação de 'lixo financeiro', e sinalizando perspetiva negativa (susceptível de vir a cortar ainda mais a notação em avaliações futuras).

3 de abril - José Sócrates admite, em entrevista à RTP, que "as coisas ficaram mais difíceis agora", mas continua a recusar qualquer pedido de ajuda externa, justificando que o "país perderia reputação e prestígio" e "ficaria afastado dos mercados durante muito tempo".

5 de abril - O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, reitera que a União Europeia está pronta para responder a um eventual pedido de ajuda de Portugal. Sublinha, no entanto, desconhecer a possibilidade de uma “ajuda intercalar” ao governo de gestão até à realização de eleições antecipadas.

6 de abril -- o dia do pedido de resgate

O presidente da Associação Portuguesa de Bancos considera “urgente” que Portugal peça ajuda externa, já que os bancos nacionais não têm mais dinheiro para emprestar ao Estado.

A agência de notação financeira Fitch baixa o rating das obrigações hipotecárias de seis bancos portugueses, na sequência do corte da notação da dívida portuguesa a 1 de abril.

No mercado secundário da dívida, os juros a cinco anos negociaram na sessão da manhã acima dos 10%, enquanto os registados para o prazo a 10 anos estavam acima de 8,7%.

O Tesouro ainda colocou no mercado 1005 milhões de euros em dívida de curto prazo, em Bilhetes com maturidades em outubro desse ano e março de 2012, pagando nesta última um juro de 5,9%.

Foi “o dia mais longo e difícil” de Teixeira dos Santos, em que admite em entrevista ao Jornal de Negócios que é “necessário recorrer aos mecanismos de financiamento disponíveis no quadro europeu”. O Conselho de ministros reúne-se extraordinariamente e Sócrates anuncia à noite o pedido de resgate. Os juros das obrigações a 10 anos fecham a sessão no mercado secundário em 8,8%. "Sempre encarei um pedido de ajuda externa como um último recurso. Tudo tentei, mas em consciência julgo que chegámos ao momento em que não tomar essa decisão acarretaria riscos", concluiu o primeiro-ministro (Expresso, texto do jornalista Jorge Nascimento Rodrigues)

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