Assinalam-se esta terça-feira dez anos
do pedido de resgate português. Foi no dia 6 de abril de 2011 que José
Sócrates, pressionado pelo seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos,
comunicou aos portugueses a decisão que há muito se temia. Recorde o filme
desses dias e de como Portugal acabou por capitular por pressão dos mercados
financeiros depois de mais de um ano no olho do furacão
Foram 13 meses de calvário no segundo
governo chefiado por José Sócrates, desde que fez aprovar, com a abstenção do
PSD, o orçamento para 2010, até que a 6 de abril de 2011, encostado à parede
pelos bancos e pelo seu ministro das Finanças, veio à televisão anunciar o
pedido de resgate.
Pelo meio, o governo apresentou quatro
Programas de Estabilidade e Crescimento até que o último foi rejeitado por uma
coligação negativa de todas as oposições no Parlamento. Sócrates pediu a
demissão e o governo ficou em gestão.
O custo do endividamento disparou e ultrapassou a linha vermelha que o ministro das Finanças Teixeira dos Santos considerara o ponto de não retorno para um pedido de apoio à troika - Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional - que entretanto se formara para resgatar a Grécia e a Irlanda.
2010
12 de março – Aprovado Orçamento de
Estado para 2010 do segundo governo de José Sócrates, com votos a favor do PS
(agora em minoria no Parlamento) e abstenção do PSD e CDS. A economia
portuguesa apresentava dois desequilíbrios fundamentais nas contas públicas: o
défice subira significativamente em 2009 (para perto de 10% do PIB) e o endividamento
público estava perto de 90% do PIB.
15 de março – Governo apresenta o primeiro Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), que ficou conhecido como PEC I, iniciando as políticas de austeridade. Apontava para um ajustamento orçamental até 2013, com os défices a descerem sucessivamente para 6,6% em 2011, 4,6% e 2,8% nos anos seguintes. O corte nas despesas iniciar-se-ia em 2011 e somaria uma redução acumulada de 3,9 pontos percentuais em 2013. Previa ainda um plano de privatizações que não chegou a ser iniciado. O programa previa, depois da crise de 2009 (quebra de 3,1%) , uma recuperação económica progressiva com um crescimento do PIB de 0,7% em 2010 (acabaria por ser superior), 0,9% em 2011, 1,3% em 2012 e 1,7% em 2013 – nestes três últimos anos, o país registou uma recaída em recessão em virtude das medidas tomadas pela troika.
5 de abril – Em Madrid, na reunião do
Ecofin (encontro dos ministros das Finanças da União Europeia), o académico
italiano Alberto Alesina, professor em Harvard, Boston, defende que, segundo a
experiência histórica, as políticas de consolidação orçamental são
“expansionistas”, ou seja, resultam em crescimento económico nas economias com
desequilíbrios macroeconómicos. O presidente do Banco Central Europeu (BCE),
Jean-Claude Trichet, que também assistiu à reunião na capital espanhola, é um
dos mais entusiastas desta ‘terapia de choque’ nas economias mais frágeis da
zona euro.
23 de abril – Grécia anuncia pedido de
resgate.
7 de maio – Cimeira europeia em
Bruxelas pressiona Portugal para reforçar a estratégia de austeridade
orçamental.
10 de maio – BCE inicia o programa SMP
de aquisição de dívida pública e privada da zona euro
11 de maio -- União Europeia lança o
Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira com uma capacidade máxima de 60
mil milhões de euros para empréstimos aos Estados-Membros da área do euro que
necessitassem
13 de maio -- Governo acorda com o PSD,
o principal partido da oposição, o PEC II. Antecipa metas orçamentais ainda
mais baixas, para 4,6% em 2011, 3% em 2012, e 2% em 2013. E reduz o objetivo do
défice em 2010 para 7,3%.
18 de maio – É aprovado o primeiro Resgate à Grécia. Juros da dívida portuguesa sofrem contágio da crise grega.
7 de junho – Os estados-Membros da zona
euro criam o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), fornecendo
garantias no montante de total de 440 mil milhões de euros.
30 de Setembro -- Governo avança com
PEC III, com algumas medidas negociadas com o PSD para viabilizar o orçamento
de 2011. Redução da despesa pública é superior à redução na receita e impõe-se
um primeiro corte nos salários da função pública.
9 de Outubro -- Em entrevista ao
Expresso, o ministro das Finanças estabelece uma linha vermelha nos juros da
dívida a 10 anos no mercado secundário. "Se os juros da dívida chegarem
aos 7%, o Governo tem de colocar a hipótese de recorrer ao FMI e ao fundo
europeu", refere Teixeira dos Santos.
10 de novembro – Juros das obrigações
portuguesas a 10 anos ultrapassam, pela primeira vez, a barreira dos 7% no
mercado secundário da dívida.
20 de novembro – Irlanda anuncia pedido
de resgate.
26 de novembro – Orçamento para 2011 é
aprovado com votos do PS e a abstenção do PSD.
29 de novembro – Aprovado resgate à
Irlanda.
2011
8 janeiro – Sócrates garante que
cumpriu meta do défice de 6,8% do PIB em 2010 e que não vai pedir resgate como
fizeram Grécia e Irlanda no ano anterior. Verificou-se, mais tarde, aquando da
divulgação das contas do ano anterior, que o défice fecharia em 11,4% do PIB, o
mais elevado em democracia, e que o endividamento ultrapassaria a barreira dos
100% do PIB, pela primeira vez desde 1914. A recessão económica portuguesa
começara já, entretanto, no 4º trimestre de 2010.
12 janeiro – No leilão de dívida a 10
anos, Portugal paga 6,7% na colocação de €599 milhões, já perto do limiar
vermelho de 7% definido pelo ministro das Finanças Teixeira dos Santos em
entrevista ao Expresso em outubro passado.
2 março – José Sócrates reúne-se com
Angela Merkel em Berlim. Na conferência de imprensa que se segue ao encontro, o
primeiro-ministro português diz que o país "tem condições para resolver os
seus problemas sozinho" e a chanceler alemã classifica de
"corajosas" as reformas do executivo de Sócrates.
9 março – No leilão de dívida a 2 anos,
Portugal paga 5,993%. Cavaco Silva toma posse do segundo mandato como
presidente
11 março – Teixeira dos Santos apresenta PEC IV com novas medidas de austeridade para 2011 a 2013, entre as quais congelamentos e cortes nas pensões de reforma acima de 1500 euros e a revisão e limitação dos benefícios e deduções fiscais, em sede de IRS e IRC. Anuncia ainda alterações nos subsídios de desemprego. O programa foi elaborado em Lisboa no ministério já com a presença de equipas da Comissão Europeia e do BCE.
12 março – Manifestações do movimento
‘Geração à rasca’
19 de março -- O primeiro-ministro
revela que não está disponível para governar com a ajuda do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e reafirma que Portugal não precisa de ajuda externa.
23 março – O Parlamento aprova cinco
moções de rejeição do PEC IV com votos de toda a oposição de direita e de
esquerda. Faca à 'coligação negativa' na Assembleia da República o governo pede
demissão e entra em gestão.
24 março - O presidente do Eurogrupo,
Jean-Claude Juncker, considera “apropriado” um resgate a Portugal no valor de
75 mil milhões de euros.
25 março - O BCE suspende a compra de
dívida em toda a zona euro através do programa SMP até 8 de agosto. O que é,
mais tarde, considerado por muitos economistas como um dos erros capitais do
banco central que agravaria a crise das dívidas.
31 março – O Instituto Nacional de
Estatistica revê o défice de 2010 para 8,6%, quase 2 pontos percentuais acima
do garantido por Sócrates. Cavaco Silva anuncia a marcação de eleições
legislativas antecipadas para 5 de Junho, depois de ouvir o Conselho de Estado.
Teixeira dos Santos defende, na altura, que "o Governo não está em
condições de solicitar ajuda externa" e que nem tem poderes para o fazer.
"O Governo não tem legitimidade para negociar seja o que for", disse,
então, Teixeira dos Santos em conferência de imprensa.
1 abril – Último leilão de dívida
obrigacionista antes do resgate. Portugal coloca 1,6 mil milhões de euros a 18
meses pagando 5,793%. Só voltaria a realizar leilões de obrigações em abril de
2014. A agência de notação Fitch corta o rating da dívida portuguesa em três
níveis baixando-o de A- para BBB-, apenas um nível acima da notação de 'lixo
financeiro', e sinalizando perspetiva negativa (susceptível de vir a cortar
ainda mais a notação em avaliações futuras).
3 de abril - José Sócrates admite, em
entrevista à RTP, que "as coisas ficaram mais difíceis agora", mas
continua a recusar qualquer pedido de ajuda externa, justificando que o
"país perderia reputação e prestígio" e "ficaria afastado dos
mercados durante muito tempo".
5 de abril - O presidente da Comissão
Europeia, Durão Barroso, reitera que a União Europeia está pronta para
responder a um eventual pedido de ajuda de Portugal. Sublinha, no entanto,
desconhecer a possibilidade de uma “ajuda intercalar” ao governo de gestão até
à realização de eleições antecipadas.
6 de abril -- o dia do pedido de
resgate
O presidente da Associação Portuguesa
de Bancos considera “urgente” que Portugal peça ajuda externa, já que os bancos
nacionais não têm mais dinheiro para emprestar ao Estado.
A agência de notação financeira Fitch
baixa o rating das obrigações hipotecárias de seis bancos portugueses, na
sequência do corte da notação da dívida portuguesa a 1 de abril.
No mercado secundário da dívida, os
juros a cinco anos negociaram na sessão da manhã acima dos 10%, enquanto os
registados para o prazo a 10 anos estavam acima de 8,7%.
O Tesouro ainda colocou no mercado 1005
milhões de euros em dívida de curto prazo, em Bilhetes com maturidades em
outubro desse ano e março de 2012, pagando nesta última um juro de 5,9%.
Foi “o dia mais longo e difícil” de
Teixeira dos Santos, em que admite em entrevista ao Jornal de Negócios que é
“necessário recorrer aos mecanismos de financiamento disponíveis no quadro
europeu”. O Conselho de ministros reúne-se extraordinariamente e Sócrates
anuncia à noite o pedido de resgate. Os juros das obrigações a 10 anos fecham a
sessão no mercado secundário em 8,8%. "Sempre encarei um pedido de ajuda
externa como um último recurso. Tudo tentei, mas em consciência julgo que
chegámos ao momento em que não tomar essa decisão acarretaria riscos",
concluiu o primeiro-ministro (Expresso, texto do jornalista Jorge Nascimento
Rodrigues)
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