terça-feira, março 06, 2018

Venezuela entre a crise económica e a “mão dura” do regime ‘chavista’

A crise económica e social da Venezuela é vivida em simultâneio com a progressiva dureza do regime político de Nicolás Maduro, que nasceu a partir de um processo democrático agora contestado por opositores. Vários ‘chavistas’, apoiantes do ex-presidente Hugo Chávez, falecido a 05 de março de 2013, dizem acreditar que a revolução avança, mas que é preciso “mão dura” dos governantes para contra-atacar os ataques do imperialismo, o bloqueio internacional e a corrupção interna que se transformou “num grande inimigo”. “A morte do comandante (Hugo Chávez) deu pé a que os adversários internos e externos aumentassem os ataques à revolução. As coisas estão complicadas em quanto à insegurança, aos serviços e à economia, mas em qualquer momento conseguiremos dar a voltar e ressurgir”, disse à Lusa Ricardo Martínez.
Nostálgico pelas últimas recordações do “comandante”, este taxista de 38 anos, passa o dia a “ouvir conversas e queixas” de clientes em Caracas, diz acreditar que o Presidente, Nicolás Maduro, “tem que ser mais firme, no atuar, nas medidas para combater a crise e a população”. “Muitas vezes fico apenas ouvindo o que dizem. As pessoas estão muito radicalizadas, às vezes nem pensam sobre o que dizem e queixam-se de tudo. Vivemos um momento em que ninguém parece ver que há coisas boas a acontecer no país, que estamos lutando para ser nós mesmos”, disse. No entanto, vincou, apesar de Nicolás Maduro ser o “herdeiro” de Hugo Chávez, chegou ao poder fragilizado pelos seus próprios apoiantes que o viam como líder fraco e transitório.
“Cada vez tem mais força, quando fala, e apesar das adversidades tem avançado com o Plano da Pátria (programa de governo), que foi um legado do comandante”, frisou. Johan Lárez, 48 anos, trabalha na área da construção e é crítico da situação. “A economia não anda bem. Como o salário não dá para nada, as pessoas fazem menos arranjos e quase não pintam as casas. Antes ao fim da tarde das sextas-feiras todos os companheiros nos reuníamos para tomar umas cervejas. Agora cada quem segue o seu caminho, procurando trabalhinhos extras para poder garantir comida para a família”, explica. Admitindo que nunca pensou ver “o país numa situação tão grave”, explicou que tem duas crianças a estudar, o que pressiona o orçamento familiar “cada vez mais afetado pelo alto preço das coisas”. “Ficar doente é um luxo. Isso não me pode acontecer, porque sei de pessoas que conseguem os medicamentos, outras que gastam tudo na saúde. Qualquer doença, uma gripe, pode complicar a situação em casa”, disse. Por outro lado, é a mulher que gere os apoios estatais para alimentos a preços subsidiados.
“Ela converteu-se na melhor administradora. Vai aqui, acolá, até conseguir as coisas e ao melhor preço. Adaptou os nossos costumes para poupar”, disse. Vivendo a sul de Caracas, numa casa doada pelo Estado, Maria Escalante, 50 anos, insiste que “jamais votará pela direita” mas lamenta que a sociedade, os pobres e classe média dependam agora cada vez mais do Estado. Diariamente, depois de deixar a filha na escola, viaja todos os dias pelo menos durante 45 minutos para ir trabalhar na capital, desde Charallave a Caracas, um trajeto cada vez mais difícil, porque “quase já não há autocarros da urbanização até ao comboio”.
“A política tem de controlar a economia. Se Chávez (Hugo) fosse vivo as coisas seriam distintas. Quando algo estava mal ele assumia os erros e ordenava ratificar. Há uma guerra económica contra o país, mas nem toda a culpa pode ser atribuída a ela”, explicou. A viver diariamente com um orçamento limitado que a obriga da “fazer bem as contas”, aponta o dedo ao “bloqueio internacional”, à corrupção e ao “falso chavismo” como responsáveis pela crise, mas insiste que os venezuelanos precisam entender “que não podem viver sempre à espera que o Estado lhe dê tudo”. Escalante admite mesmo que a situação poderá vir a agravar-se e adverte que o Governo terá que ser seletivo com os apoios que dá à população, mas também ouvir mais as pessoas que trabalham para manter o país em atividade.
O oficial de segurança Francisco Moncada, 45 anos, continua tão “apoiante” da revolução como antes e lamenta muitos tenham deixado o país. “Há pessoas que não entendem que estamos apenas a passar por uma etapa difícil, agravada por pressões internacionais, mas que vamos sair disto em breve e vê-las regressar. Eu continuo fiel, não emigrarei. Para passar humilhações e dificuldades lá fora, prefiro viver e lutar aqui”, disse (Lusa)

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