Lembra o Dinheiro Vivo que “fez recentemente
quatro anos que o Governo de José Sócrates anunciou um pedido de resgate de
Portugal à União Europeia e ao FMI. Naquela manhã, a 6 de abril de 2011, os
juros da dívida a dez anos chegavam já perto dos 9%. Hoje rondam 1,7%. Mas
foram precisos muitos sacrifícios da população para que o país saísse da
situação em que se encontrava. Os portugueses ainda não sentiram grande alívio
no bolso, mesmo que a economia dê sinais de estar a crescer, e alguns dos
indicadores que mais os afetam continuam muito distantes do que então se
esperava. Nestes quatro anos, a riqueza do país regrediu,
com o PIB a cair de 179,9 mil milhões de euros, em 2010, para 173 mil milhões,
no ano passado. Uma queda de quase sete mil milhões de euros. E, no mesmo
período, o desemprego, longe de estar controlado, subiu de 11,1%, no quarto
trimestre de 2010, para 13,5% no mesmo período de 2014. Em fevereiro, o
desemprego atingia 14,1% da população ativa, segundo revelou há dias o INE, que
passou a divulgar mensalmente a taxa, o que não acontecia há quatro anos, pelo
que a comparação homóloga com 2011 não é possível. Mas no primeiro trimestre
desse ano, a taxa de desemprego em Portugal era de 12,4%, quase dois pontos
percentuais abaixo da de fevereiro de 2015. Isto, embora o número de
insolvências tenha recuado no ano passado, pela primeira vez em cinco anos,
atingindo 6773, contra 8131, em 2013, e 5144, em 2010.
Mais desemprego, menos subsídio
Apesar de o desemprego ser superior, o subsídio
agora atribuído é menor e o seu prazo mais curto. No ano do pedido de ajuda
internacional, o valor máximo era de três IAS (indexante dos apoios sociais),
ou seja, 1257,66euro por mês. Agora é de apenas 2,5 IAS (1048,55euro) e, ao fim
dos primeiros três meses, o montante da prestação ainda leva um corte de 10%.
Já o período máximo de atribuição não vai além dos dois anos, quando antes
podia ir aos três. O valor médio mensal do subsídio de desemprego, que em 2010
era de 493,15euro, caiu para 462,61euro quatro anos depois.
No caso das pensões da Segurança Social,
incluindo as de sobrevivência, invalidez e velhice, o valor médio mensal subiu
ligeiramente, de 297,89 para 313,20euro, mas à exceção das pensões de valor
mais baixo, os aumentos permanecem congelados e, no ano passado, já foi preciso
trabalhar mais um ano para atingir a reforma, cuja idade passou de 65 para 66
anos.
Salário subiu no privado
O salário médio líquido dos trabalhadores por
conta de outrem também subiu de 785 para 818euro por mês, entre o quarto
trimestre de 2010 e igual período de 2014, sobretudo entre os gestores. O
principal destaque vai para o aumento do salário mínimo nacional para 505euro
em outubro do ano passado, face aos 485euro em que permanecia congelado desde
janeiro de 2011.
Mais poupança, mais dívidas
Sinal de que os portugueses passaram a ser mais
prudentes nos gastos é a melhoria das poupanças, com os depósitos dos
particulares a crescerem de 118,99 mil milhões de euros para 132,907 mil
milhões, entre 2010 e 2014, segundo o Banco de Portugal. Enquanto isso, o
endividamento baixou, com os empréstimos às famílias a recuarem de 141,2 mil
milhões de euros para 123,6 mil milhões. Mas o malparado, que reflete as dificuldades dos
portugueses pagarem as suas dívidas, aumentou de 3,989 mil milhões de euros
para 5,344 mil milhões. Isto apesar de a prestação do crédito à habitação,
principal fatia do endividamento, ter descido quase 100euro para o exemplo de
um empréstimo de 150 mil euros a 30 anos indexado à Euribor a seis meses, que
na atualização de março desceu para 503,42euro (503,42euro há quatro anos).
Eletricidade mais cara
Já a conta da luz subiu e muito. Desde logo com a
passagem do IVA de 6% para 23%, ainda em outubro de 2011, a que se somam
aumentos das tarifas no total de 12,9% nos últimos quatro anos. Sem falar de
outros acréscimos menores, como a introdução, em 2012, de um imposto especial
sobre o consumo que pode ir até um euro.
Valeu a pena o esforço?
João César das Neves, economista e professor na
Universidade Católica: "Na altura não havia escolha. O sacrifício era o
único caminho. Mas foi dito que depois dos grandes sacrifícios tudo se resolvia
e não foi o que aconteceu. Não se pode dizer "valeu a pena porque agora temos
a situação equilibrada". Não é verdade. E ainda vai haver mais
sacrifícios. Porque a dívida - sobretudo privada mas também pública - ainda é
muito grande e o país não está a conseguir um crescimento saudável e
equilibrado precisamente por causa disso. Mais cedo ou mais tarde, teremos a
fatura. Agora está um pouco adormecido por várias condições pontuais (choque do
petróleo, medidas do BCE...), que estão a permitir que este ano seja
provavelmente um ano de alívio. O que facilita. E até, se entretanto aproveitássemos
este período bom para fazermos as reformas que eram precisas, poderia
reduzir-se esse custo futuro. Mas, por ser ano de eleições, não é provável que
tal aconteça e, provavelmente daqui uns tempos, vamos ter outra vez que passar
um aperto para equilibrar a situação."
"Vivemos 4 anos de austeridade
duríssima"
Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas: "Em
parte valeu [a pena o esforço], que era conseguirmos sair da situação de
bancarrota. Mas os sacrifícios pedidos aos portugueses foram exigentes demais.
Nos últimos quatro anos, vivemos numa austeridade duríssima. Para algumas
pessoas tocou mesmo os direitos mais elementares da condição humana. Só agora
estamos num crescimento económico. Este pode notar-se a nível da macroeconomia,
mas nos orçamentos familiares ainda não se fez sentir. Pelo contrário, há
pessoas que por terem chegado ao fim do subsídio de desemprego estão a ficar em
situação de pobreza. E, se conseguimos estar já numa linha ascendente, isso
deve-se mais à capacidade de resistência, de resignação e de sacrifício do povo
português, do que propriamente à capacidade estratégica dos governos e da
classe política. Lamento que o Governo atual não tenha pedido uma revisão do
memorando assinado há quatro anos, que passasse pela dilatação dos prazos e
redução dos juros, para podermos assumir os compromissos com menos dificuldades
para as pessoas."
"Objetivo era salvar bancos mas não as
famílias"
Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e diretor
do CES-UC: "Valeu a pena para alguns, mas não para a esmagadora maioria
dos portugueses. Vivemos (e continuamos a viver) uma crise cuja dimensão
financeira foi em parte real e em parte manipulada (numa combinação de forças
externas e internas), para atingir objetivos políticos e sociais que nunca
seriam obtíveis por via eleitoral. O objetivo principal foi o de baixar o
patamar de proteção social para criar as condições para um novo ciclo de
acumulação de capital mais rentável, ou seja, um ciclo em que os trabalhadores
ganharão menos que antes, e os grandes empresários ganharão mais. Para isso,
destruíram-se os direitos dos trabalhadores, reduziram-se os salários e as
pensões, precarizaram-se os serviços públicos da educação e da saúde. Não houve
"insensibilidade social" do Governo porque o seu objetivo foi desde
sempre empobrecer a maioria dos portugueses, reduzir o relativo bem-estar da
classe média, salvar os bancos e os credores mas não as famílias. A União
Europeia foi o cúmplice necessário para que os rendimentos dos portugueses se
voltassem a distanciar dos rendimentos médios europeus, transformando o sonho
europeu num pesadelo de que iremos acordando lentamente entre raiva e
resignação”.