sexta-feira, abril 10, 2015

País mais pobre com 4 anos de sacrifícios



Lembra o Dinheiro Vivo que “fez recentemente quatro anos que o Governo de José Sócrates anunciou um pedido de resgate de Portugal à União Europeia e ao FMI. Naquela manhã, a 6 de abril de 2011, os juros da dívida a dez anos chegavam já perto dos 9%. Hoje rondam 1,7%. Mas foram precisos muitos sacrifícios da população para que o país saísse da situação em que se encontrava. Os portugueses ainda não sentiram grande alívio no bolso, mesmo que a economia dê sinais de estar a crescer, e alguns dos indicadores que mais os afetam continuam muito distantes do que então se esperava. Nestes quatro anos, a riqueza do país regrediu, com o PIB a cair de 179,9 mil milhões de euros, em 2010, para 173 mil milhões, no ano passado. Uma queda de quase sete mil milhões de euros. E, no mesmo período, o desemprego, longe de estar controlado, subiu de 11,1%, no quarto trimestre de 2010, para 13,5% no mesmo período de 2014. Em fevereiro, o desemprego atingia 14,1% da população ativa, segundo revelou há dias o INE, que passou a divulgar mensalmente a taxa, o que não acontecia há quatro anos, pelo que a comparação homóloga com 2011 não é possível. Mas no primeiro trimestre desse ano, a taxa de desemprego em Portugal era de 12,4%, quase dois pontos percentuais abaixo da de fevereiro de 2015. Isto, embora o número de insolvências tenha recuado no ano passado, pela primeira vez em cinco anos, atingindo 6773, contra 8131, em 2013, e 5144, em 2010.
Mais desemprego, menos subsídio
Apesar de o desemprego ser superior, o subsídio agora atribuído é menor e o seu prazo mais curto. No ano do pedido de ajuda internacional, o valor máximo era de três IAS (indexante dos apoios sociais), ou seja, 1257,66euro por mês. Agora é de apenas 2,5 IAS (1048,55euro) e, ao fim dos primeiros três meses, o montante da prestação ainda leva um corte de 10%. Já o período máximo de atribuição não vai além dos dois anos, quando antes podia ir aos três. O valor médio mensal do subsídio de desemprego, que em 2010 era de 493,15euro, caiu para 462,61euro quatro anos depois.
No caso das pensões da Segurança Social, incluindo as de sobrevivência, invalidez e velhice, o valor médio mensal subiu ligeiramente, de 297,89 para 313,20euro, mas à exceção das pensões de valor mais baixo, os aumentos permanecem congelados e, no ano passado, já foi preciso trabalhar mais um ano para atingir a reforma, cuja idade passou de 65 para 66 anos.
Salário subiu no privado
O salário médio líquido dos trabalhadores por conta de outrem também subiu de 785 para 818euro por mês, entre o quarto trimestre de 2010 e igual período de 2014, sobretudo entre os gestores. O principal destaque vai para o aumento do salário mínimo nacional para 505euro em outubro do ano passado, face aos 485euro em que permanecia congelado desde janeiro de 2011.
Mais poupança, mais dívidas
Sinal de que os portugueses passaram a ser mais prudentes nos gastos é a melhoria das poupanças, com os depósitos dos particulares a crescerem de 118,99 mil milhões de euros para 132,907 mil milhões, entre 2010 e 2014, segundo o Banco de Portugal. Enquanto isso, o endividamento baixou, com os empréstimos às famílias a recuarem de 141,2 mil milhões de euros para 123,6 mil milhões. Mas o malparado, que reflete as dificuldades dos portugueses pagarem as suas dívidas, aumentou de 3,989 mil milhões de euros para 5,344 mil milhões. Isto apesar de a prestação do crédito à habitação, principal fatia do endividamento, ter descido quase 100euro para o exemplo de um empréstimo de 150 mil euros a 30 anos indexado à Euribor a seis meses, que na atualização de março desceu para 503,42euro (503,42euro há quatro anos).
Eletricidade mais cara
Já a conta da luz subiu e muito. Desde logo com a passagem do IVA de 6% para 23%, ainda em outubro de 2011, a que se somam aumentos das tarifas no total de 12,9% nos últimos quatro anos. Sem falar de outros acréscimos menores, como a introdução, em 2012, de um imposto especial sobre o consumo que pode ir até um euro.
Valeu a pena o esforço?
João César das Neves, economista e professor na Universidade Católica: "Na altura não havia escolha. O sacrifício era o único caminho. Mas foi dito que depois dos grandes sacrifícios tudo se resolvia e não foi o que aconteceu. Não se pode dizer "valeu a pena porque agora temos a situação equilibrada". Não é verdade. E ainda vai haver mais sacrifícios. Porque a dívida - sobretudo privada mas também pública - ainda é muito grande e o país não está a conseguir um crescimento saudável e equilibrado precisamente por causa disso. Mais cedo ou mais tarde, teremos a fatura. Agora está um pouco adormecido por várias condições pontuais (choque do petróleo, medidas do BCE...), que estão a permitir que este ano seja provavelmente um ano de alívio. O que facilita. E até, se entretanto aproveitássemos este período bom para fazermos as reformas que eram precisas, poderia reduzir-se esse custo futuro. Mas, por ser ano de eleições, não é provável que tal aconteça e, provavelmente daqui uns tempos, vamos ter outra vez que passar um aperto para equilibrar a situação."
"Vivemos 4 anos de austeridade duríssima"
Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas: "Em parte valeu [a pena o esforço], que era conseguirmos sair da situação de bancarrota. Mas os sacrifícios pedidos aos portugueses foram exigentes demais. Nos últimos quatro anos, vivemos numa austeridade duríssima. Para algumas pessoas tocou mesmo os direitos mais elementares da condição humana. Só agora estamos num crescimento económico. Este pode notar-se a nível da macroeconomia, mas nos orçamentos familiares ainda não se fez sentir. Pelo contrário, há pessoas que por terem chegado ao fim do subsídio de desemprego estão a ficar em situação de pobreza. E, se conseguimos estar já numa linha ascendente, isso deve-se mais à capacidade de resistência, de resignação e de sacrifício do povo português, do que propriamente à capacidade estratégica dos governos e da classe política. Lamento que o Governo atual não tenha pedido uma revisão do memorando assinado há quatro anos, que passasse pela dilatação dos prazos e redução dos juros, para podermos assumir os compromissos com menos dificuldades para as pessoas."
"Objetivo era salvar bancos mas não as famílias"
Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e diretor do CES-UC: "Valeu a pena para alguns, mas não para a esmagadora maioria dos portugueses. Vivemos (e continuamos a viver) uma crise cuja dimensão financeira foi em parte real e em parte manipulada (numa combinação de forças externas e internas), para atingir objetivos políticos e sociais que nunca seriam obtíveis por via eleitoral. O objetivo principal foi o de baixar o patamar de proteção social para criar as condições para um novo ciclo de acumulação de capital mais rentável, ou seja, um ciclo em que os trabalhadores ganharão menos que antes, e os grandes empresários ganharão mais. Para isso, destruíram-se os direitos dos trabalhadores, reduziram-se os salários e as pensões, precarizaram-se os serviços públicos da educação e da saúde. Não houve "insensibilidade social" do Governo porque o seu objetivo foi desde sempre empobrecer a maioria dos portugueses, reduzir o relativo bem-estar da classe média, salvar os bancos e os credores mas não as famílias. A União Europeia foi o cúmplice necessário para que os rendimentos dos portugueses se voltassem a distanciar dos rendimentos médios europeus, transformando o sonho europeu num pesadelo de que iremos acordando lentamente entre raiva e resignação”.