quinta-feira, setembro 25, 2014

Sábado: Procurador abandona caso Tecnoforma

"Depois de pedir o acesso à contabilidade da Tecnoforma devido à denúncia anónima que visa Pedro Passos Coelho, o procurador abandonou a investigação do caso. Paulo Gonçalves, o procurador do Ministério Público (MP), que, em 2012, iniciou a investigação do caso Tecnoforma, deixou o processo porque pediu o seu afastamento do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). A saída ocorreu em Agosto passado, pouco mais de um mês depois de o procurador ter ordenado ao grupo Tecnoforma que mostrasse as contas para ver se foram pagas dezenas de milhares de euros a Pedro Passos Coelho sem que isso fosse declarado ao fisco. Ordem que, apurou a SÁBADO, a administração da Tecnoforma já se disponibilizou a cumprir.
A saída do procurador é um dos últimos episódios ocorridos na investigação do processo Tecnoforma, na altura em que se discutem as eventuais responsabilidades criminais e éticas de Passos Coelho. “Não sei o que está a suceder no inquérito mas a saída do titular de uma investigação desta natureza é sempre preocupante”, destaca à SÁBADO uma fonte judicial.
No DCIAP, a situação está a ser encarada com inquietação pelas várias fontes contactadas pela SÁBADO. “Isto não augura nada de bom, mas um facto era óbvio há muito tempo: a má relação entre o Paulo e o director Amadeu Guerra. Nos últimos tempos quase não falavam”, diz um procurador colocado no DCIAP. Outro magistrado do organismo que investiga a criminalidade mais complexa acrescenta: “A ideia que dá é que ele [Paulo Gonçalves] estava farto e bateu com a porta aproveitando o movimento anual de colocação de magistrados.” Questionado pela SÁBADO, Paulo Gonçalves não quis comentar a saída do departamento.
Oficialmente, e como é habitual, a saída do procurador do DCIAP, onde estava destacado desde 2011 por proposta da anterior directora Cândida Almeida não é objecto de qualquer justificação nas três linhas incluídas na deliberação publicada pelo Conselho Superior do MP, a 1 de Setembro, na 2ª série do Diário da República. A informação limita-se a dizer que, a partir desse dia, Paulo Gonçalves passou a trabalhar como “auxiliar” na Comarca de Lisboa Oeste. Ou seja, a passagem para os juízos criminais do Tribunal de Cascais resultou de uma escolha do próprio procurador.
Ainda assim, conforme notam as fontes da SÁBADO, a opção de saída não deixa de ser vista como estranha: o procurador tinha em mãos há vários anos alguns inquéritos complexos, nomeadamente o caso Tecnoforma e as investigações a empresários e políticos angolanos. Além disso, a decisão foi tomada depois de Paulo Gonçalves (que esteve vários anos como membro permanente do Conselho Superior do MP antes de entrar no DCIAP) ter sido objecto de dois processos disciplinares que foram já noticiados: o primeiro, entretanto arquivado, visou-o juntamente com Cândida Almeida e o procurador Rosário Teixeira por suspeitas de estarem na origem da fuga de informação sobre uma reunião ocorrida com a então recém-nomeada procuradora-geral da República sobre os chamados processos de Angola.
O outro caso, ainda não concluído, prende-se com a forma como terá escrito “considerações subjectivas” no despacho de arquivamento das suspeitas de branqueamento de capitais que visavam o actual vice-presidente de Angola, Manuel Vicente. A iniciativa deste processo disciplinar foi do próprio Amadeu Guerra, que em Novembro do ano passado considerou que isso podia “comprometer a imagem do MP e do DCIAP”.
Pagamentos e contradições
Contactados por telefone, Paulo Gonçalves e Amadeu Guerra recusaram responder às perguntas da SÁBADO sobre o caso Tecnoforma, que se tornou uma bomba-relógio quando o procurador que dirigia as investigações decidiu decretar o acesso à contabilidade da empresa para averiguar alegados pagamentos ilegais a Passos Coelho.
A decisão judicial, como a SÁBADO revelou na última edição, foi tomada na sequência da recente denúncia anónima que acusa o actual primeiro-ministro de não ter declarado ao fisco e ao parlamento a recepção mensal de cerca de 5 mil euros quando desempenharia, entre 1997 e 1999, as funções de deputado do PSD em exclusividade. Os pagamentos teriam sido a alegada contrapartida que convenceu Passos a presidir ao Centro Português para a Cooperação (CPPC), uma organização não governamental (ONG) criada pelo grupo Tecnoforma para obter financiamentos comunitários destinados a projectos de formação e de cooperação. Em causa poderá estar um total de mais de 150 mil euros, conforme se conclui da denúncia.
Na semana passada, a PGR limitou-se a dizer em comunicado que havia uma investigação em curso e que o inquérito não corria, “até à data, contra pessoa determinada”. Já Passos Coelho disse não ter memória sobre o pagamento quando presidiu ao CPPC, mas, na passada terça-feira, afirmou que iria solicitar a Joana Marques Vidal que investigasse até os indícios de eventuais crimes que pudessem já ter prescrito. E comprometeu-se a “retirar as conclusões e consequências” do resultado da investigação.
A SÁBADO sabe que a administração da Tecnoforma já aceitou ceder ao MP os respectivos “livros selados” da contabilidade da empresa. A decisão é muito recente e foi comunicada por escrito ao DCIAP, no dia 5 de Setembro, pela directora de Recursos Humanos da Tecnoforma, Sofia Ferreira. “A documentação solicitada está disponível nas nossas instalações”, especifica a responsável, indicando também o local e a hora em que as autoridades judiciais poderão levantar ou consultar os documentos: na sede da empresa, em Almada, entre as 8h e as 17h.
O despacho judicial que chegou à Tecnoforma revela que o MP pretende “a confiança provisória de elementos” da contabilidade para fotocopiar os dados “com eventual relevância probatória”. Estes documentos não terão sido disponibilizados de imediato pela empresa e, já no fim de Agosto, o DCIAP voltou a pressionar a Tecnoforma: era urgente agendar a “recolha e transporte dos respectivos livros selados”. Cerca de uma semana depois, a empresa abriu as portas do arquivo ao MP.  Escrita a computador, a denúncia anónima identifica contas bancárias e alegados pagamentos a Passos Coelho, entre 1997 e 1999, através de cheques e transferências bancárias. As movimentações financeiras terão sido feitas através de administradores da Tecnoforma ou da Liana, outra empresa que integrava o grupo especializado em formação profissional.
Os “lindos olhos” de Passos
Esta denúncia chegou ao MP acompanhada da cópia de uma entrevista de Fernando Madeira (na foto), publicada em Maio deste ano pela SÁBADO, em que o ex-dono da Tecnoforma deixou a ideia de que o então deputado do PSD foi pago quando presidiu à ONG. Questionado sobre o mesmo assunto na semana passada pelo jornal Público, Fernando Madeira reiterou: “O senhor não foi para ali [para o CPPC] pelos meus lindos olhos.” Mas alertou que não tinha provas dos pagamentos, “porque o administrador que tratava da parte financeira era o dr. Manuel Castro [ainda hoje administrador da Tecnoforma e da Tecnoforma II, fundada em 2010] e o contabilista [José Duro], que já morreu”.
Desde 2011, a Tecnoforma está insolvente e sob administração judicial. Os seus arquivos de contabilidade já terão estado fora das instalações de Almada. “Em 2001 ou 2002, depois de a empresa ser vendida pelo Fernando Madeira, levaram os dossiês todos de Almada para Benfica, para umas instalações na Estrada das Laranjeiras. Foi tudo numa carrinha”, garante à SÁBADO Albertino Russo, ex-director de formação que trabalhou na empresa desde a fundação até 2008. Até à última terça-feira, dia de fecho da revista, a empresa não respondeu às questões da SÁBADO" (texto do jornalista da Sábado, António José Vilela, publicado na edição nº543, de 25 de Setembro de 2014, com a devida vénia)