“João
van Zeller está há muitos anos ligado à Escócia por razões familiares e por ter
a paixão do golfe. Encontra-se por estes dias na região e tem seguido com
interesse e paixão as campanhas para os dois referendos de dia 18: o sobre a
independência da Escócia e o que está a dilacerar os sócios do mais antigo e
prestigiado clube do golfe do mundo, o Royal & Ancient Golf Club of St.
Andrews (R&A), que terão de decidir se vão ou não permitir que mulheres
possam entrar para sócias. Tem vindo a escrever um diário cujas últimas
páginas, daqui até ao dia do referendo, partilhará com os leitores do
Observador. Começamos com a entrada de ontem, 12 de Setembro, a cinco dias do
referendo:
A
manhã começou com muito nevoeiro para os 600 golfistas que em St Andrews
disputam o Town Match, um torneio de golfe anual integrado na Reunião de
Outono, o Autumn Meeting, em que 300 sócios do R&A desafiam 300 sócios dos
outros clubes da cidade. É uma confraternização transversal. No final de cada
partida, os sócios dos outros clubes são convidados para almoçar ou beber uns
copos no Club House do R&A que, por sua vez, convidam para que se faça o
mesmo nos seus clubes, uma peregrinação estafante que em geral redunda na
ingestão de muito álcool, encorajada pela exaustão causada por quatro horas a
percorrer cerca de 6 quilómetros a bater numa bola. Quando o resultado final
for anunciado pelas 19.30, já estará tudo muito ruidoso, e o assunto do YES e
NO escalpelizado até à medula. O que certamente os jogadores do R&A não vão
revelar é se são ou não male chauvinists e se vão votar pelo YES ou NO, no
mesmo dia do referendo, para admissão de mulheres à candidatura a sócias do
Club, após 260 anos de exclusividade masculina. Mas o ambiente fora desses
campos verdejantes e das brisas frescas que sopram do Mar do Norte está hoje
novamente muito carregado. Só saber que o referendo, antes de acontecer, já
provocou uma fuga de capitais do Reino Unido de cerca de 16 biliões de libras
desde Agosto até esta data, assusta. Volta-se ao pós Lehman. E o Deutsche Bank
anuncia a Grande Depressão, com maiúsculas, no caso do YES, ao mesmo tempo que
a Bloomberg prevê uma queda da Libra em 10%, nesse cenário, e o UBS acha
provável uma queda do PIB escocês de 5%. Até a China mostra o seu susto
anunciando ontem o seu apoio ao NO, Better Together. Interessantes foram as
declarações de cinco dos principais militares de tôpo das Ilhas Britânicas. Não
só como consequência da expulsão das bases navais de Clyde, na Escócia, dos
submarinos nucleares Trident – dados como uma “obscenidade”, num acesso
fundamentalista de Alex Salmond –, mas também considerando inalcançáveis a
estratégia e os objectivos de defesa da Escócia independente para os próximos
15/20 anos anunciadas pelo YES, aquelas iminências concluem pela
vulnerabilidade militar que a independência irá implicar para as Ilhas. E chamam a atenção para a possível falência
da industria militar naval escocesa que, sem as encomendas do Reino Unido,
corre o risco de abandono dos seus estaleiros. E a consequente perda de cerca
de 25.000 empregos. Uma amiga minha escocesa, com três filhos adultos diz-me,
com as lágrimas nos olhos, que esta situação fá-la sentir como quando os pais
se divorciaram, com resultados catastróficos para toda a sua família. Não
admira, pois acresce ainda o irrealismo da campanha do YES, de que ela se
apercebe. A campanha dá a entender que vai haver um divórcio em que os cônjuges
estão convencidos que, apesar de irem cada um para seu lado, ficam com todas as
vantagens do casamento, o que é uma trágica falácia. E está assustada com a
contingência da subida de preços. Também não admira. Três das maiores cadeias
de distribuição do Reino Unido, ASDA, Waitrose e John Lewis avisam que é
provável uma forte subida de preços dos seus produtos no caso de o voto ser YES
na próxima quinta-feira. E ela ficou em pânico quando hoje soube que Jim
Sillars, um dos braços direitos de Alex Salmond na campanha pelo YES anunciou,
em termos muito crispados, a vingança de uma Escócia independente ante os
planos das grandes empresas escocesas emigrarem para o Sul: nacionalização da
BP na Escócia, o boicote da cadeia John Lewis, e a nacionalização dos restos
dos bancos que fiquem na Escócia. Tudo isto soa um pouco a um cenário em
Portugal em que o Bloco de Esquerda estivesse prestes a ganhar as eleições
legislativas com uma maioria de 75%. A esquerda afirma que a velha ordem do
establishment está morta e enterrada, com culpas históricas atribuídas à
burguesia decadente de Margareth Thatcher, Tony Blair, George Osborne e David
Camerom trabalhistas e conservadores todos colocados no mesmo cesto., E em alta
voz prevê que, se desta vez o NO ganhar, a União vai desaparecer no prazo
máximo de 10 anos. A provável federalizarão do Reino Unido no caso da vitória
do NO neste referendum faz com que esta esquerda possa ter alguma razão.
Aumenta o número de jornais que apoiam o NO, Better Together. Depois do Times,
Daily Telegraph, Financial Times, Scotsman, Glasgow Herald, e outros, hoje foi
a vez do influente Guardian. Essa posição reflecte-se não apenas nos
editoriais, como nas numerosas páginas de todos esses jornais fortemente
tingidas de NO. Surpreendentemente, o Sun, de Rupert Murdoch, o Correio da
Manhã destas ilhas, tradicionalmente afecto ao Partido Conservador, parece
estar, com os seus 2.400.000 exemplares de vendas, a inclinar-se para o YES,
que este fim de semana diz ter 35.000 voluntários na rua em luta pela
independência. E as coisas efectivamente aquecem, pois em Edimburgo, hoje, a
denominada Grande Loja Laranja da Escócia, forte apoiante do NO, vai desfilar
pelas ruas com cerca de 15.000 participantes. E o Grão Mestre da Loja Laranja
da distante Irlanda faz um gesto recíproco. Isto pode dar a entender que a
vulnerabilidade da Escócia estará ao nível da vulnerabilidade da Irlanda no
tempo dos eufemisticamente designados Troubles, agitação que se prolongou com
muita violência na Irlanda do Norte entre o fim dos anos 60 e o acordo do Good Friday
de 1998. E a independência continua hoje dependurada por um fio: 51 pelo NO, 49
pelo YES, com 17% de indecisos a cinco dias do referendo” (texto do Observador
com a devida vénia)