"O dinheiro que está depositado nas contas offshore são a outra face da crise europeia. Nuno Ramos de Almeida comenta "A Riqueza Oculta das Nações", um livro que explica como fazer os ricos pagar os impostos que devem.
Três pequenas histórias locais:
1. Recentemente, uma juíza do caso BCP votou vencida no resultado do julgamento. A magistrada em causa justificou a sua posição dizendo que não conseguia acreditar que os administradores do banco ignorassem os titulares das contas offshore a quem a instituição emprestou mais de 600 milhões de euros, parte dos quais teria sido usada para comprar acções do próprio banco, permitindo, entre outras coisas, apoiar em assembleias-gerais a própria administração.
2. Calcula-se que as perdas do BPN (Banco Português de Negócios) vão custar aos contribuintes cerca de 8 mil milhões de euros. Os investigadores falam de um banco que "emprestadava", sem retorno e devolução, dinheiro aos administradores e accionistas. Um dos mecanismos utilizados foi a compra de um banco em Cabo Verde, o Banco Insular, que escapava ao controlo do Banco de Portugal e foi utilizado para fazer mais de 10% do buraco financeiro do BPN. Para que a compra desse banco escapasse aos radares da supervisão, o núcleo da SLN/BPN, dirigido por Oliveira Costa, contou com a ajuda de cinco accionistas de confiança, a quem o BPN emprestou dinheiro para criarem a Insular Holding, empresa que adquiriu formalmente o Banco Insular, mas que na realidade foi financiada pela própria sociedade proprietária do BPN, a SLN, através da offshore Marasion. Pelos balcões deste banco foram concedidos mais de 600 milhões de euros de empréstimos, grande parte deles sem nenhuma garantia, usando para o efeito mais de 59 contas offshore.
3. Segundo dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, que só apanham a parte visível da movimentação de capitais, no ano de 2006 os portugueses investiram cerca de 13,8 mil milhões de euros em contas em paraísos fiscais, 12,6 mil milhões em 2007 e 8,8 mil milhões de euros em 2008. Para se perceber a ordem de grandeza destes montantes, basta dizer que os investimentos necessários para fazer o famoso TGV e a terceira travessia do Tejo seriam de cerca de 9,4 mil milhões de euros. São verbas enormes que escapam ao fisco português. Não é portanto de estranhar que, no mesmo sentido, em 2011, mais de 70% dos investimento directo português se fizesse na Holanda, país que era sede fiscal de 19 das 20 empresas do PSI-20.
A obra de Gabriel Zucman, professor nas reputadas London School of Economics e na Universidade da Califórnia em Berkeley , "A Riqueza Oculta das Nações" é um pequeno-grande livro: raramente se concentram em menos de 150 páginas conteúdos tão importantes e tão bem explicados. Aqui se podem encontrar dados e análises fundamentais. A história das offshores, a forma como operam, a dimensão que atingem na economia mundial e as suas consequências. Além de propostas para resolver a situação. O autor é daqueles que acreditam nas virtualidades do capitalismo e acham que ele pode ser regulamentado para se tornar mais justo. A sua proposta é que, a exemplo da Revolução Francesa, que fez um inventário da riqueza, o FMI faça um inventário dos activos financeiros, recenseando assim a totalidade do dinheiro estacionado em contas offshore, contribuindo para o combate ao crime, tráfico de drogas e evasão fiscal. "Uma das propostas centrais formuladas nesta obra é criar um registo mundial dos títulos financeiros que indique nominalmente quem possui cada acção e cada obrigação. Trata-se de uma condição indispensável para poder taxar as fortunas do século xxi", defende o autor.
Gabriel Zucman relembra-nos que a desregulamentação financeira tem permitido ao capital financeiro lucros muito acima do seu contributo económico e que a existência de offshores e paraísos fiscais é em grande parte responsável pela crise em que nos encontramos.
Em relação a França, os dados são cristalinos: "Os franceses têm 350 mil milhões de euros depositados em offshores, metade dos quais na Suíça. Sem a evasão fiscal em grande escala permitida pelo segredo bancário, a dívida pública em França não atingiria, como hoje sucede, os 94% do PIB, mas sim os 70%, o nível anterior à crise financeira", diz.
O autor faz um cálculo conservador do dinheiro depositado a nível mundial em offshores. Ao contrário de James Henry, que calculava em 2012 que estariam em contas offshore entre 21 milhões de milhões (biliões) de dólares e 32 milhões de milhões (biliões) de dólares, Zucman estima que apenas 8% do património financeiro das famílias esteja depositado em contas offshore, ou seja, cerca de 7,5 milhões de milhões de dólares ou 5,8 milhões de milhões de euros, em 2013. Para perceber o que são 5,8 biliões (milhões de milhões) de euros, basta dizer que a "ajuda" da troika a Portugal foi de 78 mil milhões de euros e que a totalidade da dívida grega está calculada em 230 mil milhões de euros.
Esta verba choruda, calculada de uma forma que o autor confessa ser insuficiente e tendo a convicção de que há mais dinheiro "escondido", custa aos estados do planeta cerca de 130 mil milhões de euros por ano em perdas fiscais.
Zucman considera politicamente possível obrigar o FMI a assumir a tarefa de inventariar a riqueza mundial, acabando assim com a maioria da evasão fiscal. Para isso, bastava que os governos dos países mais desenvolvidos se entendessem sobre o assunto. Acerca da crise europeia as sua conclusões são claras: "A Europa está mergulhada numa crise interminável. Muitos crêem ver aí o sinal de um declínio irreversível, mas estão errados. O velho continente é a região mais rica do mundo, e isso não irá mudar senão daqui a muito tempo. As riquezas privadas são aí muito largamente superiores às dívidas públicas. E, contrariamente àquilo que se crê com frequência, essas riquezas são tributáveis", afirma.
Um excelente livro, que, no meu entender, apenas peca por não compreender que estas medidas não foram tomadas porque há muito tempo que os governos servem os que fogem às obrigações fiscais, e não os contribuintes ou o povo que os elegeu" (texto do Jornal I, com a devida vénia)
Três pequenas histórias locais:
1. Recentemente, uma juíza do caso BCP votou vencida no resultado do julgamento. A magistrada em causa justificou a sua posição dizendo que não conseguia acreditar que os administradores do banco ignorassem os titulares das contas offshore a quem a instituição emprestou mais de 600 milhões de euros, parte dos quais teria sido usada para comprar acções do próprio banco, permitindo, entre outras coisas, apoiar em assembleias-gerais a própria administração.
2. Calcula-se que as perdas do BPN (Banco Português de Negócios) vão custar aos contribuintes cerca de 8 mil milhões de euros. Os investigadores falam de um banco que "emprestadava", sem retorno e devolução, dinheiro aos administradores e accionistas. Um dos mecanismos utilizados foi a compra de um banco em Cabo Verde, o Banco Insular, que escapava ao controlo do Banco de Portugal e foi utilizado para fazer mais de 10% do buraco financeiro do BPN. Para que a compra desse banco escapasse aos radares da supervisão, o núcleo da SLN/BPN, dirigido por Oliveira Costa, contou com a ajuda de cinco accionistas de confiança, a quem o BPN emprestou dinheiro para criarem a Insular Holding, empresa que adquiriu formalmente o Banco Insular, mas que na realidade foi financiada pela própria sociedade proprietária do BPN, a SLN, através da offshore Marasion. Pelos balcões deste banco foram concedidos mais de 600 milhões de euros de empréstimos, grande parte deles sem nenhuma garantia, usando para o efeito mais de 59 contas offshore.
3. Segundo dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, que só apanham a parte visível da movimentação de capitais, no ano de 2006 os portugueses investiram cerca de 13,8 mil milhões de euros em contas em paraísos fiscais, 12,6 mil milhões em 2007 e 8,8 mil milhões de euros em 2008. Para se perceber a ordem de grandeza destes montantes, basta dizer que os investimentos necessários para fazer o famoso TGV e a terceira travessia do Tejo seriam de cerca de 9,4 mil milhões de euros. São verbas enormes que escapam ao fisco português. Não é portanto de estranhar que, no mesmo sentido, em 2011, mais de 70% dos investimento directo português se fizesse na Holanda, país que era sede fiscal de 19 das 20 empresas do PSI-20.
A obra de Gabriel Zucman, professor nas reputadas London School of Economics e na Universidade da Califórnia em Berkeley , "A Riqueza Oculta das Nações" é um pequeno-grande livro: raramente se concentram em menos de 150 páginas conteúdos tão importantes e tão bem explicados. Aqui se podem encontrar dados e análises fundamentais. A história das offshores, a forma como operam, a dimensão que atingem na economia mundial e as suas consequências. Além de propostas para resolver a situação. O autor é daqueles que acreditam nas virtualidades do capitalismo e acham que ele pode ser regulamentado para se tornar mais justo. A sua proposta é que, a exemplo da Revolução Francesa, que fez um inventário da riqueza, o FMI faça um inventário dos activos financeiros, recenseando assim a totalidade do dinheiro estacionado em contas offshore, contribuindo para o combate ao crime, tráfico de drogas e evasão fiscal. "Uma das propostas centrais formuladas nesta obra é criar um registo mundial dos títulos financeiros que indique nominalmente quem possui cada acção e cada obrigação. Trata-se de uma condição indispensável para poder taxar as fortunas do século xxi", defende o autor.
Gabriel Zucman relembra-nos que a desregulamentação financeira tem permitido ao capital financeiro lucros muito acima do seu contributo económico e que a existência de offshores e paraísos fiscais é em grande parte responsável pela crise em que nos encontramos.
Em relação a França, os dados são cristalinos: "Os franceses têm 350 mil milhões de euros depositados em offshores, metade dos quais na Suíça. Sem a evasão fiscal em grande escala permitida pelo segredo bancário, a dívida pública em França não atingiria, como hoje sucede, os 94% do PIB, mas sim os 70%, o nível anterior à crise financeira", diz.
O autor faz um cálculo conservador do dinheiro depositado a nível mundial em offshores. Ao contrário de James Henry, que calculava em 2012 que estariam em contas offshore entre 21 milhões de milhões (biliões) de dólares e 32 milhões de milhões (biliões) de dólares, Zucman estima que apenas 8% do património financeiro das famílias esteja depositado em contas offshore, ou seja, cerca de 7,5 milhões de milhões de dólares ou 5,8 milhões de milhões de euros, em 2013. Para perceber o que são 5,8 biliões (milhões de milhões) de euros, basta dizer que a "ajuda" da troika a Portugal foi de 78 mil milhões de euros e que a totalidade da dívida grega está calculada em 230 mil milhões de euros.
Esta verba choruda, calculada de uma forma que o autor confessa ser insuficiente e tendo a convicção de que há mais dinheiro "escondido", custa aos estados do planeta cerca de 130 mil milhões de euros por ano em perdas fiscais.
Zucman considera politicamente possível obrigar o FMI a assumir a tarefa de inventariar a riqueza mundial, acabando assim com a maioria da evasão fiscal. Para isso, bastava que os governos dos países mais desenvolvidos se entendessem sobre o assunto. Acerca da crise europeia as sua conclusões são claras: "A Europa está mergulhada numa crise interminável. Muitos crêem ver aí o sinal de um declínio irreversível, mas estão errados. O velho continente é a região mais rica do mundo, e isso não irá mudar senão daqui a muito tempo. As riquezas privadas são aí muito largamente superiores às dívidas públicas. E, contrariamente àquilo que se crê com frequência, essas riquezas são tributáveis", afirma.
Um excelente livro, que, no meu entender, apenas peca por não compreender que estas medidas não foram tomadas porque há muito tempo que os governos servem os que fogem às obrigações fiscais, e não os contribuintes ou o povo que os elegeu" (texto do Jornal I, com a devida vénia)