“A história
pessoal do Dr. António Passos Coelho, contada pelo próprio, tem carga
simbólica. O pai do atual primeiro-ministro foi para Angola em 1970. Montou e
dirigiu num hospital um serviço de pneumonologia apontado como
"moderno". Há o 25 de Abril, há a descolonização, há a guerra entre
MPLA e UNITA. O médico teve de ir embora, tal como a mulher e os quatro filhos.
Embarcou no último avião de carreira para Lisboa, em novembro de 1975. Uma
odisseia pessoal, semelhante à que traumatizou todos aqueles que, na altura,
classificámos com um vagamente paternalista e um tendencialmente insultuoso
termo: "retornado".
Diz o autor do
livro "Angola, amor Impossível", numa entrevista à agência Lusa, que
achou Portugal "sujo e imundo". Refere o desleixo das pessoas de
então, que achou mal vestidas. Impressionou-lhe ver tantas barbas mal feitas.
Notou nos rostos "uma alegria que não parecia natural".
Nos dias de hoje
já não é a sujidade nas ruas que fecha a pupila dos seus olhos com 87 anos.
Agora incomoda-o o ruído. Queixa-se da "normalidade" da falta de
educação. Não aceita que se insultem ministros e presidentes. Afirma mesmo que
não se revê neste Portugal.
Penso no que eu
seria, no que pensaria hoje sobre a organização da sociedade, o poder político,
a repartição da riqueza, se um acidente de automóvel, em 1972, não tivesse
tirado a vida ao meu pai e eliminasse a emigração para África já contratada por
um, diziam-me, fabuloso salário: 22 contos mensais.
Imagino o que
seria a minha visão do mundo, aos 10 anos, se tivesse vivido no estatuto das
classes abastadas e me visse obrigado a fugir, em 1975, de Luanda ou de
Lourenço Marques, provavelmente sem bens. Acharia Portugal sujo? Odiaria a
Revolução dos Cravos? Acreditaria que aqui ninguém trabalha? Que o Estado é um
empecilho? Seria racista? Anticomunista? Teria saudades da era colonial?
Odiaria o "povinho"? As manifestações? Os mal barbeados e mal
vestidos?... Talvez sim... Talvez não...
Mas António
Passos Coelho diz que gosta da liberdade de expressão dada pelo 25 de Abril.
Adora o Serviço Nacional de Saúde criado pela Revolução. Até na justiça ele vê
coisas melhores do que no tempo da Luanda fotografada na sua memória como
"florida e limpa". Também isto ele ensina.
O filho deste
homem devia ter uns 10 anos quando veio de África. Tal como o pai, envolveu-se
na política, no PSD. Hoje governa o País. Conhecemos os seus ideais. Seria de
esperar que ele fosse outro alguém do que aquele que ele hoje é?... Talvez
sim... Talvez não...” (texto de Pedro Tadeu, DN de Lisboa, com a devida vénia)