“Quarenta anos depois da revolução dos
cravos, que colocou Portugal nos trilhos da liberdade e da democracia, o que os
portugueses assistem hoje, atónitos, mergulhados ainda na maior crise social,
económica, orçamental da nossa história mais recente, é a uma sucessão de
comemorações daquela data, algumas delas absolutamente desnecessárias, já que falamos
de iniciativas por vezes patéticas, por vezes fortemente partidarizadas e quase
sempre transformadas num instrumento de disputas políticas ou numa espécie de
medidor de vaidades pessoais e/ou institucionais.
Comemorar os 40 anos do 25 de
Abril, nos dias que correm, dirá pouco ou quase nada a pelo menos duas gerações
de portugueses, nascidas depois de Abril, que olham para a sociedade de que
fazem parte, para a política e os seus protagonistas, para a economia e para as
questões sociais e orçamentais hoje tão em moda, de uma forma substancialmente
diferente de outras gerações mais velhas. Não há um conflito geracional, mas há
claramente uma diferente forma de olhar a sociedade e de encarar a realidade e
os seus problemas. Não sou apologista de um conflito geracional que este
governo de coligação em Lisboa tanto preza e fomenta através de um discurso
político tonto, errático, contraditório, até mesmo ridiculamente acriançado,
que se limita a desviar a atenção das pessoas, jovens e idosos, do essencial (os
cortes dos seus rendimentos, a falta de trabalho, etc) para um jogo rafeiro de
conceitos e de palavreado demagógico centrado nos custos de responsabilidades
orçamentais do Estado, particularmente com reformas e pensões e os salários dos
eus funcionários. Qualquer coisa como maios de 4 milhões de pessoas! “Coisa”
pouca para esta corja bandalha que nos (des) governa…
O 25 de Abril fez-se,
tendo por base os "3 Dês": democratizar, descolonizar e desenvolver.
Hoje, há que reconhecê-lo, tudo isto está feito, independentemente de podermos
aceitar que o desenvolvimento do país se fez aos solavancos, de forma
assimétrica, separando o interior do litoral, os centros urbanos das pequenas
localidades, e onde tudo funcionou com base numa lógica de pressão
político-partidária, da maior ou menor capacidade de reivindicação ou de
pressão, etc. As sondagens mostram o elevado grau de insatisfação dos
cidadãos com a política, com os políticos, com a democracia e com o sistema
político vigente. Uma dessas sondagens situa esse patamar de insatisfação nos
quase 80% dos inquiridos!
Chegou-se ao cúmulo de constatar que uma margem
elevadíssima de cidadãos, mais de 70%, acham que os políticos do período
anterior ao 25 de Abril, eram mais sérios, leia-se, menos corruptos, que os
políticos do pós-Revolução. Isto não pode acontecer, isto não pode continuar a
ser assim. O desafio que o espírito da Revolução do 25 de Abril hoje coloca a
cada cidadão, é o de haver, ou não, a capacidade de mobilização das pessoas
sensibilizando-as para a grande revolução que hoje se coloca a todas as
consciências mais atentas: concretamente a da mudança do sistema, alterando as
regras que ele próprio aprovou para melhor se defender, impondo novos modelos
de funcionamento, de renovação, de responsabilização, etc.
Esta espécie de ruptura democrática a favor do reforço da Democracia, não
tem nada a ver com a preservação dessa democracia, da liberdade, da autonomia,
do poder local, do estado social, de outros princípios e valores essenciais à
nossa sociedade e do nosso regime constitucional, claramente refém do sistema
político vigente, manipulado ao sabor dos partidos, de políticos
ideologicamente corruptos e malandros.Não estou a falar de utopias ou de
paraísos imaginários que nada têm a ver com a nossa realidade quotidiana. Estou
a falar sim de factos concretos, de necessidades prementes, de mudanças que não
tem nada a ver como saudosismo tonto que alguns alimentam à volta do 25 de
Abril, um golpe militar que teve sucesso porque o povo aderiu rápida e
espontaneamente à revolução, sem sequer saber, na sua esmagadora maioria, o que
estava a acontecer e o que e quem estava a apoiar.A verdade é que o país hoje
não tem nada a ver com o que era há 40 anos, por muito que se constate a
deturpação e a manipulação da nossa história - sobretudo de alguns factos
importantes mas dotados de forte carga política - por parte de
historiadores-políticos que funcionam na lógica das suas opções
político-ideológicas.O sistema político está caduco, mas 40 anos depois tenta
sobreviver, contra tudo e contra todos. Para o sistema político vigente é mais
fácil e útil alimentar este saudosismo em torno dos 40 anos do 25 de Abril,
esta preocupação em falar no passado, recordando pessoas e acontecimentos, em
vez de fomentar o debate sobre o presente e o futuro, sobretudo o futuro do
país e dos portugueses” (JM)